Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Não há oposição, mas complementaridade

A decisão do jornal inglês The Guardian de optar pela versão digital como sua principal estratégia editorial deflagrou um forte debate no qual as posições tendem a uma dicotomia que, ao que tudo indica, não corresponde à realidade.

Para o Guardian, a publicação de notícias vai, cada vez mais, ser feita em espaços virtuais – ou seja, na web. O papel estaria perdendo sua posição hegemônica comoveículo para mediação entre produtores e consumidores de informações jornalísticas de atualidade.

O debate gerado pela opção do jornal inglês polarizou um problema que na realidade não implica a substituição ou o fim de uma plataforma de publicação por outra, mas conduz à uma complementaridade de veículos de comunicação. Uma complementaridade que está ligada diretamente à diversificação de plataformas,onde as iniciativas bem sucedidas serão aquelas que souberem explorar melhor as potencialidades de cada meio.

Assim, o papel não vai desaparecer porque os jornais não sumiram com a invenção do rádio e da televisão. O que aconteceu foi a incorporação de novos canais àecologia informativa da sociedade. Mas da mesma forma que ocorreu quando os recursos audiovisuais se tornaram massivos, também agora a plataforma papel terá que se adaptar à nova conjuntura.

Nova função

A dinâmica da notícia tornou-se muito mais rápida do que a produção de jornais impressos. Além disso, o jornalista não é mais o único a produzi-la. Há toda uma gama de novos protagonistas nageração de notícias, ao mesmo tempo em que ela se transformou num processo em constante evolução pela incorporação sucessiva de novos elementos por parte dos integrantes da antiga audiência, hoje transformados em coprodutores.

A reportagem está deixando de ser uma unidade informativa sequencial elinear para se transformar também numa narrativa coletiva, na qual cada pessoa monta e organiza o conteúdo segundo suas necessidades ou desejos.

O jornalista norte-americano Andy Carvi, por exemplo, cobre as rebeliões populares nos países árabes quase sem escrever, pois reproduz no seu twitter informações fornecidas pelo público.

A mesma coisa fazem páginas noticiosas como o Texas Tribune, um jornal online sem fins lucrativos, cujos textos se preocupam basicamente em oferecer uma coleção de endereços web onde a informação central é detalhada.

Até agora, a grande função do jornalista era decidir quais as notícias que serão oferecidas ao público. Hoje, o profissional passa a ser mais um orientador, tutor, ou melhor, um curador de informações.Mais um conselheiro do que um “porteiro” da notícia.

Opção viável

Este é o grande fato novo no universo jornalístico contemporâneo. Um fato que tem a ver com o surgimento de uma nova plataforma tecnológica, da mesma forma que o jornal impresso é herdeiro da descoberta dos tipos móveis por Johannes Gutenberg. Não é uma questão de valor, se uma plataforma é melhor ou pior do que a outra, e sim de como usá-las para obter o maior efeito informativo possível. Cadauma tem a sua especificidade e, portanto, há lugar para todas.

O jornal impresso não vai desaparecer, mas terá que descobrir uma nova função. Ele não poderá dar na segunda-feira uma notícia do domingo de manhã que todo mundo já leu, viu e ouviu na internet, no rádio e na TV. O jornal impresso terá que ser analítico e investigativo, especialmenteem temas abstratos como, por exemplo, a dívida pública.

The Guardianpode colocar todas as suas fichas no jornalismo na web, mas isso não significa que outras empresas e outros jornalistas explorem com sucesso o formato impresso. O jornal é uma opção viável economicamente desdeque enquadrado no novo contexto onde ele já não pode mais ser a grande locomotiva de conglomerados empresariais no setor da comunicação.

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[Carlos Castilho é jornalista]