Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Nature valoriza o que a mídia brasileira ignora

Nunca dantes neste país, como diria o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Ciência brasileira foi tão festejada. O clima de otimismo entremeado por alguma cautela, permeou o discurso de cientistas, empresários e representantes da sociedade civil durante a realização da IV Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (IV Concit) de 26 a 28 de maio, em Brasília. Apesar das promessas reiteradas de diferentes governos em duplicar os recursos da CT&I, ainda mantemos o patamar de investimentos em torno de 1% do PIB. Impossível negar, porém, avanços consideráveis na produção científica nacional, bem como sua respeitabilidade crescente no cenário internacional. O gargalo continua sendo o baixo número de patentes, se comparado aos países do Primeiro Mundo e aos emergentes. Não por acaso, a inovação passou a ser a palavra de ordem no governo, na comunidade científica e no setor produtivo.

A grande novidade é que, pela primeira vez existe o reconhecimento da área como estratégica para o desenvolvimento econômico e social do país. A CT&I passa agora a ser entendida e defendida como Política de Estado e não mais de governo, podendo assim reduzir suas frequentes mudanças de rumo, investimentos e prioridades ao longo do caminho. O tema central da Conferência, ‘Política de Estado para Ciência, Tecnologia e Inovação com vistas ao Desenvolvimento Sustentável’, atesta a nova política da área que pretende, também, traçar metas para a próxima década. Não é pouco, se consideramos as constantes trocas de ministros de C&T ao longo de diferentes governos. Em 25 anos de governo de cinco presidentes (de 1985 a 2010), passaram pelo ministério de C&T nada menos do que 15 ministros, comprometendo a continuidade da política na área.

Destaque para o otimismo do momento

O ambiente da Conferência era propício para uma ampla reflexão envolvendo as diferentes áreas do conhecimento. Foram mais de quatro mil pessoas inscritas, entre pesquisadores, empresários, representantes de entidades científicas e de organizações sociais, estudantes, jornalistas, todos reunidos no Golden Tulip Brasília Alvorada. Para garantir as refeições de tanta gente foram inclusive improvisadas algumas tendas que serviram sanduíches no que foi denominado por alguns como o piquenique da Ciência. Sentados na grama nos intervalos das sessões, o clima geral era de confraternização pelo legado do atual governo, tendo à frente o ministro de CT&I, o físico Sergio Rezende, que garantiu, pela primeira vez na história não só a ausência de contingenciamento como a liberação de todos os recursos destinados à área e sua ampliação constante. As novas promessas são chegar aos 2% do PIB até 2020.

A participação maciça de tanta gente para ouvir, discutir e refletir sobre CT&I, surpreendeu a muitos. Foi uma demonstração inequívoca do interesse público de diferentes segmentos sobre o papel estratégico da CT&I e, principalmente, da sinalização de que o tema precisa ser debatido com a participação da sociedade. Houve pontos de convergência e dissensos, conflitos naturais em sociedades democráticas para a elaboração de uma agenda comum, de interesse público. Apesar de sua inegável importância política, econômica e social, sua divulgação na mídia nacional, de massa e segmentada foi pífia. Os principais jornais do país preferiram destacar, em suas manchetes, a passagem da Seleção Brasileira por Brasília, em sua despedida para os jogos da Copa do Mundo. As revistas semanais também passaram ao largo do tema.

Apesar da mídia nacional praticamente ignorar a Conferência, presente quase que apenas nos portais das agências financiadoras e nos órgãos públicos de comunicação, além de sua transmissão online pela internet, numa demonstração inequívoca de falta de compreensão do papel estratégico da área para o país, a revista Nature de junho, na seção ‘News’ dedicou duas páginas à cobertura do evento, 674 e 675, com foto do presidente Lula. O destaque da reportagem de Anna Petherick, intitulada ‘High hopes for Brazilian science – As President Lula prepares to leave office, researches expect thar innovation will invigorate the economoy’, foi para o otimismo do momento.

Uma política clara e um salto qualitativo

Os temas centrais que nortearam as discussões da IV Concit fazem parte do Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional 2007-2010: Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação; Inovação na Sociedade e nas Empresas; Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Áreas Estratégicas e Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Social não poderiam ser mais abrangentes. A abertura solene contou até mesmo com a presença do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que repetiu inúmeras vezes seu apoio à área, sendo amplamente celebrado pela comunidade científica e empresarial, pouco acostumada a este tipo de afago governamental.

Ciência, governo, empresários e sociedade estariam finalmente trilhando um caminho comum? Decorridos quinze anos da primeira Conferência realizada pelo ex-ministro Renato Archer, e 25 anos da criação do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), também objeto de comemorações efusivas em Brasília, o país começa a mostrar ao mundo que não é mais mero importador de caixas pretas. Sua produção científica que representa hoje 2,12% da produção mundial atinge patamares internacionais em número de artigos científicos publicados em periódicos indexados. Adquiriu assim, respeitabilidade como um novo player internacional, apesar do ainda reduzido número de doutores no país e sua propalada falta de engenheiros, vitais para o incremento da inovação. Ao mesmo tempo, o Brasil é ainda é um produtor incipiente de patentes, em comparação com demais emergentes.

As boas notícias do posicionamento crescente do Brasil no panorama mundial de CT&I foram acompanhadas de cautelas e preocupações por representantes do setor produtivo que lembraram ainda estar importando recursos humanos em função da ausência de mão-de-obra profissional qualificada no mercado nacional, em diferentes níveis. Advertiram as autoridades presentes para esta lacuna. São indicadores/dados da realidade que precisam ser encarados pelo país para que possa empreender uma política clara e dar um salto qualitativo/upgrade no setor e poder assim transformar suas imensas riquezas naturais em commodities/business.

Ciência e Tecnologia Indígena

O que tem sido feito, porém, nas últimas décadas para modificar este cenário? Qual o balanço das três conferências nacionais (1985, 2001 e 2005) que antecederem a atual? De que forma contribuíram para o avanço e continuidade das Políticas Públicas de CT&I? Como os livros Verde, Branco e agora o Azul, em fase de preparação para nortear a política da área para a próxima década poderão, de fato, ser incorporados não só como política de governo, de Estado, mas implementado, na prática, para que o desenvolvimento econômico do país ocorra em concomitância ao desenvolvimento e inclusão social?

Questões desta natureza foram em parte debatidas, mas foram efetivamente apropriadas pelos diferentes segmentos presentes à Conferência? Embora o IV Eixo temático, ‘C,T&I para o Desenvolvimento Social’ tenha sido comentado à exaustão, os protagonistas da Conferência foram mais uma vez os representantes dos Eixos I, II e III, respectivamente, ‘O Sistema Nacional de C,T&I’, ‘Inovação na Sociedade e nas Empresas’ e ‘Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Áreas Estratégicas’. Já os atores sociais representativos do Eixo IV, embora em alguns momentos tenham sentado à mesa das três sessões plenárias e três temáticas, que abriam e fechavam as sessões de cada um dos três dias, era nas sessões paralelas, com temas distribuídos entre os quatro eixos da Conferência, que se podia perceber suas presenças.

Após as boas-vindas do ministro de Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, a sessão plenária 1, intitulada ‘Desenvolvimento Sustentável – Novos Padrões de Desenvolvimento e Inovação’ –, contou com uma diversidade de representantes que poderia ter sido o tom de toda a Conferência. O que se viu, no entanto, na maior parte das vezes, foi a manutenção de discursos fragmentados, em salas separadas, onde o conteúdo técnico raramente se misturava ao social, apesar da retórica contrária. Não por acaso, numa das sessões, a liderança indígena, Alvaro Knupp Sampaio (Tukano), ao participar da mesa ‘CT&I, as Demandas Sociais e o Desenvolvimento Local’ lembrou aos presentes que existe Ciência e Tecnologia Indígena e cobrou dos pesquisadores a apropriação do conhecimento tradicional.

Inclusão social no debate público

O mais curioso, embora não surpreendente, é que a única representação da mídia limitou-se aos 15 minutos da presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC), Cilene Victor, em uma das sessões paralelas ‘Construção da Cultura Científica’. Como popularizar ciência, tecnologia e inovação sem considerar o papel fundamental da mídia em seus diferentes suportes na construção do imaginário social e como elemento essencial de educação não formal dentro e fora das escolas? A sensação de que a mídia é mais percebida como coadjuvante e operacional no processo de popularização da CT&I ficou claro quando não foi chamada, em momento algum, como outras representações sociais, para a elaboração, em parceira com os cientistas, de propostas comuns de divulgação.

Não deveria, portanto, causar estranheza a rala cobertura da mídia de uma Conferência que deveria ocupar as primeiras páginas dos jornais, emissoras de rádio, televisão, internet, revistas. O que se viu, no entanto, da Conferência Nacional foi matéria paga, de página inteira nos principais jornais do país, sem merecer um único editorial. O informe publicitário intitulado ‘A Ciência brasileira melhora a sua vida e ajuda o Brasil a crescer’ precisa ganhar espaço editorial para ser efetivamente apropriado pela sociedade.

Durante meses que antecederam a Conferência Nacional vários estados brasileiros produziram suas conferências regionais que pautaram em grande parte os debates e servirão para a elaboração do livro Azul para traçar as políticas públicas de CT&I na próxima década. Nos três dias de palestras e mesas-redondas, pela primeira vez delineou-se um diálogo, embora ainda tímido, entre as Ciências hard e soft. O clima geral era, no entanto, de grande expectativa, uma vez que em quase todos os discursos a popularização do conhecimento era considerado vital para a inclusão social no debate público da área.

Metas e ações práticas

Ao lado de temas como Energia, Biotecnologia abriu-se espaço para Tecnologias Sociais, Educação de Ciências e até mesmo para Cultura Científica, onde a temática da democratização do conhecimento esteve presente, embora um de seus principais protagonistas, a mídia, estivesse pouca representada, apesar das múltiplas referências a seu importante papel no processo de popularização da ciência.

Entretanto, entre o discurso e a práxis, o que se viu foi um pouco de déjà vu, com idéias já discutidas anteriormente e não necessariamente implantadas como política de Estado. Houve, sem dúvida, o reconhecimento geral do avanço brasileiro no setor, a cobrança de maior participação e investimento do setor privado em P&D, com o exemplo de empresas presentes como Siemens, Embraer, Natura, Petrobrás, Embrapa, da necessidade de formação de mais doutores e principalmente engenheiros, bem como a prioridade de investimentos em ensino básico e fundamental para a melhoria da educação brasileira. Esperamos, agora, pelo Livro Azul que traçará as metas da CT&I para a próxima década que devem ser acompanhadas de ações práticas.

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Jornalista e pesquisadora na área de Divulgação Científica e Políticas Públicas de CT&I da Umesp, Labjor/Unicamp e diretora acadêmica da ABJC