Depois de milhares de centímetros e centenas de horas nos jornais, TVs e rádios com a São Paulo Fashion Week, o público ficou informado sobre diagonais e decotes, sobre as preferências sexuais do Ronaldinho ou como foi difícil acomodar as amiguinhas da filha do governador Geraldo Alckmin.
Mas nem só de frescura vive a moda.
Neste momento em que também é moda nos jornais e TVs massacrar o público com coisas do tipo ‘entrada de dólares’ ou ‘geração de empregos’, algumas perguntas ficaram sem resposta da imprensa.
Quantos negócios foram fechados durante a São Paulo Fashion Week? A exportação da moda brasileira cresceu com relação ao ano passado? Quais são os estilistas brasileiros que já têm mercado garantido no exterior? Quais as tendências de moda com sotaque brasileiro que fazem sucesso lá fora? E os compradores, que impressão tiveram dos lançamentos? Quais os novos talentos da moda em que eles apostam para lançar nas grandes lojas de Nova York, Paris, Milão? Tecelagens ou confecções brasileiras são beneficiadas?
E o turismo de negócios? Qual foi a taxa de ocupação dos hotéis? Quantos visitantes vieram de fora do país?
Afinal, a São Paulo Fashion Week é mesmo uma semana de lançamento de tendências e negócios ou uma festa na ilha de Caras?
Magia e futilidade
Se nos limitarmos ao que mostrou a imprensa diária, a Semana de Moda de São Paulo foi apenas uma sucessão de desfiles de lindas mulheres, algumas mais outras menos vestidas, com sérios problemas com a maquilagem ou com o namorado na platéia. Ou então casos particulares, como o do estilista que fez tudo direitinho, mas deu o maior azar porque a lavanderia não levou a sério a determinação de lavar a roupa a seco. Os deuses da moda, decerto irados com modelos, maquiadores e socialites, encolheram toda a coleção, criando um problema quase insolúvel. Felizmente, as modelos magérrimas estão ai justamente para resolver esses graves problemas nacionais. E o desfile foi salvo.
Imagino que os estilistas, que de modo algum são os estressados e quase histéricos personagens retratados pela imprensa diária, devem ficar quase tão irados quanto os deuses da moda com o tratamento que recebem nas coberturas do evento.
Os leitores ficam sabendo que determinada coleção se destacou pelos babados, outra pelas transparências e uma terceira pela calcinha com tiras de couro. Mas ninguém fala do quanto custou – em criatividade, trabalho, persistência e dinheiro –, colocar na passarela as roupas da coleção da temporada. É tudo mágico, tudo fútil.
Overdose de celebridades
O importante, na cobertura que vimos, é que o jogador de futebol estava lá para ver a namorada desfilar, que o governador conseguiu cadeiras na primeira fila para as amiguinhas da filha (o que significou empurrar mais para longe as ricas, os famosos e alguns jornalistas especializados), e que uma famosa vai mesmo conseguir (de graça) o modelito único e exclusivo.
O peso do desfile, pelos jornais, não está na passarela, está na platéia. Quem quer saber das tendências da moda, dos negócios realizados, das expectativas de faturamento se socialites estavam lá, ‘acontecendo’?
Os estilistas geram empregos – da faxineira do ateliê às top models –, movimentam a indústria de tecidos, geram vendas, agitam o comércio e falam sério (em dólares) com seus possíveis compradores. Eles fazem os eventos de moda e sonham em ter seu trabalho reconhecido como o que realmente é: um gerador de renda e de divisas. Mas isso só no resto do ano. Na Fashion Week não passam de uma linha nos noticiários. O maior espaço fica para as celebridades, cada vez mais o grande assunto da nossa imprensa.
E que se dane o leitor que quer ficar bem informado.
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Jornalista