‘Telas falam colorido/ de crianças coloridas,/ de um gênio televisor./ E no ardor de nossos novos santos,/ o sinal de velhos tempos:/ morte, morte, morte ao amor!’ (Milagre dos Peixes, de Milton Nascimento e Fernando Brant)
Uma estadunidense da Califórnia deu à luz oito nenês em janeiro. Acaba de autorizar a participação da filharada num reality show. Além dos gêmeos, atuarão também os demais rebentos da fulana: seis, todos com idade inferior a nove anos.
A justiça foi acionada. Por incrível que pareça, não defendeu a privacidade dos 14 menores, nem mandou prender quem transforma criancinhas em fonte de renda. Apenas indicou um guardião para zelar pelos interesses financeiros dos óctuplos.
Que efeito terá sobre eles essa exposição tão precoce à repulsiva bisbilhotice da indústria cultural? Não preciso de nenhuma bola de cristal para antecipar: o pior possível.
Estarão dia e noite expostos como curiosidades num aquário.
Não vão criar laços normais e sadios com as outras crianças.
Serão levados a crer que se tratam de pessoas especiais, diferentes, únicas.
Como consequência, tendem a tornar-se adultos encruados, mal-resolvidos, qual Michael Jackson.
O advento da barbárie
Se o Sérgio Porto estivesse vivo, certamente encontraria uma definição mais acachapante ainda para a TV. Máquina de fazer doido é pouco. Se o Paulo Francis estivesse vivo, provavelmente concluiria que, além de pamonha, o inferno agora é também medonho, de tão desumano que ficou.
Quanto mais se acentua a decadência capitalista, mais a indústria cultural cumpre o papel de emporcalhar tudo que há de belo e digno na existência humana. Nem as crianças respeita mais.
Faz-me lembrar o declínio do Império Romano. Sociedades que conseguem impedir a revolução necessária, como Roma fez com a revolta dos gladiadores, condenam-se ao lento apodrecimento. Ao invés de avançarem para um estágio superior de civilização, desintegram-se, perdendo todas as suas referências – inclusive as morais. E acabam preparando o advento da barbárie.
É para onde nos conduzem os malditos inutility shows.
Fonte: BBC Brasil
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