A imprensa do Brasil vive um dos seus melhores momentos de relevância para o leitor na cobertura da disputa política, da crise sanitária provocada pela pandemia da Covid-19 e de outros rolos diários. Mas o que o leitor não sabe é que a qualidade dos conteúdos se deve ao empenho pessoal de repórteres, editores, colunistas e outros profissionais nas redações. Por quê? Nos dias de hoje, nas redações, falta de tudo um pouco: repórteres, dinheiro para investir na apuração de reportagens investigativas e equipamentos. Seja um repórter experiente com nome consagrado no mercado de trabalho. Ou um jovem talentoso que recém começou na carreira. Nenhum deles têm certeza de que o seu emprego estará lá no dia seguinte. Mesmo nos tempos de dinheiro abundante sempre faltava alguma coisa e aconteciam demissões. Mas o que está acontecendo hoje é um exagero. E o que vem por aí é simplesmente um dos maiores desafios da história do jornalismo brasileiro: a cobertura das eleições de 2022, que promete ser complicada e estressante.
Como chegamos a essa situação? A maioria dos jornalistas sabe, porque é conversa forte entre nós nas mesas dos botecos. Vou explicar para quem não é jornalista. Lá pelos anos 2000, quando as novas tecnologias de comunicação começaram a se popularizar no Brasil, surgiram os problemas para as grandes empresas jornalísticas. Até então, por uma estratégia de negócios, as empresas investiam em eficientes departamentos de assinatura de suas publicações e aperfeiçoavam a captação de anúncios. O que isso significava? Que os conteúdos jornalísticos produzidos já estavam vendidos. Portanto, não precisavam se preocupar com a qualidade. Antigamente, o jornal era vendido avulso nas esquinas das cidades pelos jornaleiros, e vendia mais que tivesse a melhor manchete. Com o passar dos anos, os jornais brasileiros foram se tornando burocráticos. Com a chegada das novas tecnologias os anunciantes e assinantes começaram a migrar para novas plataformas de comunicação. Os jornais reagiram tentando ressuscitar a qualidade dos seus conteúdos. Mas tomaram o caminho errado. Apostaram na extinção de várias redações. E na formação de um novo profissional, chamado de repórter multimídia, porque faz texto, áudio, vídeo e foto. Enquanto isso, o salário que recebe é um dos menores da história do jornalismo. Claro, não tem como cobrar qualidade de um repórter multimídia, tal é o volume de trabalho dele. Fiz esse relato porque comecei a minha carreira trabalhando na circulação de jornais e herdei dessa época a mania de observar como as coisas acontecem dentro da redação. Voltando a contar a história.
Diferentemente de outros tempos, nos dias atuais as demissões acontecem a conta-gotas. Vez ou outra, quando demitem alguém com nome no mercado, a notícia circula. Agora, o que está acontecendo de modo escancarado nas redações são os cortes de recursos para a produção de reportagens mais trabalhadas, principalmente investigativas. Poderia ser diferente a situação das redações? Poderia. Se lá atrás, quando começou a fuga de anunciantes e assinantes, os CEOs das empresas tivessem batido nas portas certas para decidir o rumo que o jornal deveria tomar. Não bateram. Preferiram se aconselhar com burocratas e com quem não é do ramo. Deu no que deu. No começo da semana recebi uma ligação de um pensador da extrema direita, uma pessoa que conheci na época que fazia cobertura de conflitos agrários.
Conversamos sobre o ex-juiz federal Sergio Moro, que se apresentou para disputar as eleições de 2022 e já está tirando votos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). No final da conversa, ele me provocou. Disse: “O último que sair da redação apaga a luz”. Conversamos já há umas três décadas. Faz parte do comportamento dele atirar uma pedra na despedida do papo. Claro que não respondi à provocação. Mas fiquei pensando no assunto. Lembrei do que falo nessas ocasiões em palestras para colegas pelo interior do Brasil e estudantes de jornalismo. Que a crise é do modelo de negócio das empresas de comunicação. Os tempos mudaram e seus dirigentes acreditaram que enchendo as redações de máquinas modernas estariam se adaptando a esses novos tempos. Deixando de lado o investimento na qualificação do seu pessoal. Aliás, algumas empresas investiram na qualificação dos jornalistas. Mas estavam mais preocupadas em controlar as mentes e os corações dos repórteres do que oferecer um curso de atualização decente. Só sabemos que sobreviverão porque são um dos pilares de sustentação do nosso modo de vida. Mas nunca mais terão o poder que tinham antes. Novos tipos de empresas de comunicação estão surgindo por todos os cantos do mundo. A maioria altamente especializada em assuntos específicos. Boa parte dessas novas empresas foi criada por jornalistas demitidos das redações.
Como disse, a crise é do modelo de negócios das empresas de comunicação. Não do jornalismo, que continua sendo a principal arma que a população tem para se defender do autoritarismo e de outras maneiras de usurpar o poder do voto. Nós repórteres vamos ter que montar as nossas agências de conteúdos e tocar o barco para frente. Para arrematar a nossa conversa. O nervosismo nas redações se deve ao somatório do clima criado pelas demissões e a sobrecarga de trabalho. Lembro que quando era jovem, nos anos 70, chegava à redação, escrevia um texto, entregava para o editor e saia a passos largos rumo à mesa do boteco para conversar sobre jornalismo. Hoje um repórter começa a trabalhar ao amanhecer e entra noite adentro. Claro que estou exagerando. Mas ele faz texto, áudio, vídeo e opera as redes sociais. A cobertura das eleições de 2022 vai ser barra-pesada porque Bolsonaro vai tentar a reeleição e vai jogar pesado. Mas nós vamos sobreviver e fazer um bom trabalho.
Texto publicado originalmente pelo blog Histórias Mal Contadas.
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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais.