Jornais mudam de visual para se diferenciar dos concorrentes – mas, no Brasil, a cosmética vigente torna-os iguais. O novo look da Folha de S.Paulo, adotado no domingo (21/5), tinha como um dos seus objetivos afastá-la do Estadão. Os fados caprichosos decidiram o contrário: os concorrentes acabaram assemelhados.
É certo que o logotipo, as fontes tipográficas, o desenho e as opções gráficas dos dois jornalões são distintos, mas o que os torna indistintos são as razões que os empurraram para a sala de cirurgia: disputam o mesmo público. E este público tem uma peculiaridade – não lê jornais. E como não lê jornais não será atraído pela linguagem, teor, qualidade ou autoria dos textos, mas sim pela embalagem e a aparência do que foi impresso naquelas páginas.
Por mais diferentes que sejam as palhetas de cores e o arranjo das páginas do Estadão e da Folha, ambos têm as mesmas necessidades e apelam para os mesmos impulsos. Querem mais leitoras e mais jovens entre seus assinantes e partem do mesmo preconceito: mulheres e jovens não querem densidade da informação, querem leveza, entretenimento. E na busca desta leveza os jornalões acabam recorrendo ao mesmo arsenal de cacoetes.
Palheta de cores
Por ocasião do face-lifting do Estadão este Observador percebeu uma inclinação para o conceito Armani [ver ‘Estadão-ão-ão ficou doidão-ão-ao‘]. Para facilitar a comparação e nivelá-los no plano das metáforas fashion a opção da Folha pode ser denominada Hugo Boss. Equivalem-se, a diferença reside apenas na etiqueta. Pretendem ser light e clean, mas para serem efetivamente light e clean teriam que procurar os leitores mais sofisticados. Partiram então na direção contrária: a caricatura de modernidade.
Pretendiam inventar uma nova palheta de cores e acabaram utilizando o batido verde-mar encontrado pelo Valor há meia dúzia de anos e depois reproduzido no Estadão.
400 anos de história
Para organizar a sua rica vitrine de colunistas, a Folha contentou-se em padronizar as dimensões das colunas o que lhe valeu merecida e corajosa fustigada de Janio Freitas no primeiro dia (domingo, 21) da ‘nova fase’ [ver ‘Colunista da Folha critica a reforma gráfica do jornal‘]. Na quinta (25), foi a vez do colunista Demétrio Magnoli reclamar a perda de ‘quase um quinto’ do seu espaço. ‘De que serve opinião sem fato ou contexto histórico?’, perguntou.
Sob o ponto de vista jornalístico nenhuma novidade, o que significa uma clara opção pelo retrocesso. A cadernização do jornal ficou ainda mais aberrante, já que o uso abundante de cores nas capas dos cadernos exigiu uma diminuição no número de suas páginas e produziu uma inédita duplicação (dois cadernos de ‘Cotidiano’, dois de ‘Mundo’ etc.). Em dezembro, quando aumentar o número de anúncios, teremos duas ‘Ilustradas’ ou dois primeiros cadernos – o primeiro caderno-1 e o primeiro caderno-2.
Quando o novo visual do Estadão já parecia surrado, o seu incansável marketing inventou a milionária campanha de anúncios onde a humanidade foi dividida em dois segmentos – os ‘Ão-ão-ão’ e os ‘Inhos.’ Vamos ver o que o marketing da Folha aprontará dentro de alguns meses quando a maquiagem testada no último domingo começar a esmaecer.
Jornais sempre apostaram na continuidade, por isso existem há 400 anos. Agora, enquanto discutem a sua sobrevivência, os jornalões brasileiros brincam de trocar de cara. Isso tem um preço.
***
Em tempo (26/5, às 18h09) — Na sexta (26) foi a vez da colunista Barbara Gancia dar o seu pitaco sobre a reforma gráfica do jornal em que escreve (‘Cotidiano’, pág. C 2): ‘O jornal como um todo está mais formoso e ganhou em agilidade com a reforma. Mas, na minha modestíssima opinião, este canto específico da página dois do caderno de Cotidiano saiu perdendo. Ficou com cara de bula de remédio.’