Ettore Scola se despediu do cinema numa entrevista ao Il Tempo reproduzida há três meses no Estado de S.Paulo e foi a melhor explicação para o que a TV brasileira qualifica hoje de “entretenimento”. Para justificar a decisão, Scola disse que não queria virar “aquelas velhas senhoras que colocam saltos altos e muito batom para estar com os jovens e se sentir como um deles”. É finitto, explicou, dizendo que hoje é o mercado que faz as escolhas, com pouco espaço de autonomia para diretores e produtores. Elegante, refrescou: “Existem jovens eficientes que continuam dando dignidade ao cinema, mas são justamente eles que me fazem entender que é preciso um tipo de energia e um tipo de contato que não tenho mais”.
Scola é autor de 38 longas, entre eles os imperdíveis Nós Que Nos Amávamos Tanto (1974), Um Dia Muito Especial (1977), Casanova e a Revolução (1982), O Baile (1983). E diz que não se enquadra mais no olhar que o mercado imagina ser o do público hoje.
É o mesmo olhar que navega na internet sem se deter e o que optou por assistir a reprise de O Astrocom ação e cortes rápidos na linha americana de fazer cinema, mas ficou sem ver a sofisticada minissérie da TV Brasil, Equador.
Palavra alguma
Enquadrada em 1905 entre Portugal, Índia e São Tomé e Príncipe nos últimos dias da monarquia portuguesa, quando o império colonial começou a tremer, Equadoré baseada no best-seller de Miguel Souza Tavares. É a mais cara e bem acabada produção da TVI portuguesa, com 118 atores e milhares de figurantes, inclusive brasileiros.
As sapatadas, morte no poço do elevador, pílulas de pressão trocadas por veneno, fio de cabelo nas mãos da vítima e o suspense sobre quem matou Salomão Ayala prendem o público brasileiro. Aliás, desde o tempo de Albertinho Limonta, na novela O Direito de Nascer, em1964-65. O segredo não saiu da boca do único personagem que sabia a história até o último capítulo da novela da TV Tupi, o de número 283. Ninguém saía de casa, grudado na telinha. Também naquela altura não havia nada melhor para se ver.
Mas, desta vez, o público brasileiro perde uma história deliciosa na linha europeia que ficou tão longe do olhar e de Ettore Scola, e por isso mesmo tão à parte da imprensa que só estampa fotos e emplaca matérias sobre a nossa Hollywood global. Um tanto repetitivo. Para ser elegante como Scola, não que não haja talento…
Faltam cinco capítulos, no mesmo horário que levava O Astro,às 11 da noite, de segunda à quinta. O coordenador do projeto, André Cerqueira, é brasileiro e o cenário de São Tomé na verdade é a Bahia ou o Rio. E nem haverá desculpa para o português fechado da terrinha porque até o rei D. Carlos de Portugal foi dublado para “brasileiro”. Saíram algumas notinhas e notícias curtas na estreia. E 25 capítulos depois nenhuma palavra.
Para onde vai o olhar do público? Para a Globo. Não que não haja talento…
Convite a olhar
O convite para os últimos cinco capítulos de Equador, que termina dia 22/11, é um desvio da mesmice, de mais do mesmo, do cansativo mundo das celebridades nascidas por explosão instantânea de uma ópera de sabão. Celebridades habituais na imprensa que cobre a telinha.
O convite é para um olhar paralelo àquele que não aguenta mais cadernos de TV noticiando as mesmas novelas, os mesmos atores de vida curta não fossem catapultados para os palcos de teatro, as propagandas de remédio ou lançamentos imobiliários, os telões de cinema, as entrevistas ocas sobre as grifes ou o perfume preferido. Muda o título, troca a novela e seguem as mesmas tramas do triângulo amoroso, de quem é o assassino, da grã-fina má, ou, tal qual a novela cubana O Direito de Nascer inaugurada em 1951 na Rádio Nacional antes da TV, de quem seria o filho. O tipo de “energia” de que falava Scola, ao gosto da escolha do mercado e dos produtores, matéria-prima para um país de vidiotas.
O convite é um olhar mais para a TV alternativa, estatal ou não. Mais para o lado de Scola, mais para o slow movie.
***
[Norma Couri é jornalista]