Viciada em vender más notícias e previsões pessimistas – de que o mundo está tão cheio quanto o inferno de boas intenções –, a imprensa, em especial nos Estados Unidos, se fartou nas últimas semanas de diagnosticar a deterioração de sua própria saúde e de prognosticar dias piores para si.
Não é de hoje que uma coisa e outra se escarrapacham pelas páginas de respeitados jornais e revistas, mas este novembro parece ter sido um mês particularmente cruel para o jornalismo impresso – em especial, de novo, nos Estados Unidos. Mas isso nos interessa porque poderemos ser eles amanhã.
Para alegria do coro de tragédia grega – ‘Eu não dizia?’, ‘Eu não dizia?’ – o mês começou com a notícia de que a circulação dos diários americanos caiu em média 2,6% no semestre encerrado em setembro. Foi o maior declínio em período equivalente desde 1991.
E o mês terminou com a notícia de que Wall Street – onde se aposta que o jornal impresso é uma espécie em extinção – pressiona os executivos da Knight Ridder a pôr a empresa à venda, por causa da queda continuada do seu valor de mercado. (As ações do setor inteiro perderam este ano 22%.)
Depois da Gannett, que publica o USA Today, a Ridder é a segunda maior companhia do ramo, contando a tiragem somada de seus 32 jornais, entre eles o Miami Herald e o prestigioso Philadelphia Inquirer, menos conhecido dos brasileiros. Jornais do grupo se distinguiram por não papaguear pavlovianamente as mentiras de Bush, quando preparava a invasão do Iraque.
Novembro teve também mais do mesmo: anúncios de cortes de pessoal em jornais robustos como o Los Angeles Times e o Chicago Tribune. E desde maio o New York Times já cortou 700 funcionários, jornalistas e não jornalistas. (As redações brasileiras conhecem bem a canção.)
O lucro, só o lucro
A rationale é que jornal é um brinquedo cada vez mais caro, as receitas publicitárias estão minguando (devem crescer menos de 3% este ano nos EUA) com a migração de anunciantes para a internet, onde surgem novos sites para classificados – gratuitos.
Anuncia-se menos nos jornais porque são menos lidos. Em 1984, o ano dourado do setor, 63,3 milhões de americanos liam 1.688 diários. Em 2005, são 45,2 milhões e 1.457. Na média, o leitorado é mais velho do que o de 21 anos atrás, porque os jovens – os consumistas por excelência – estão em outra.
Tudo isso é verdade, mas não toda a verdade. Passa-se a faca nas redações para diminuir custos – diminuindo, desde logo, a qualidade do produto que dali sairá. E cortam-se custos para manter no escandaloso patamar de 20% ao ano o lucro das empresas editoras.
No artigo ‘Investidores interpretam mal o futuro dos jornais‘, Michael Hiltzik, do Los Angeles Times, cita um colega que dizia dos seus patrões: ‘Eles estão ou nadando em dinheiro, ou realmente nadando em dinheiro. E quando só estão nadando em dinheiro, começam a entrar em pânico’.
Eis o turbocapitalismo aplicado à indústria da notícia. Nos anos recentes, a mídia não apenas passou por uma concentração econômica sem precedentes – e sem fim à vista –, como mudaram as origens, o currículo, a mentalidade, os interesses e as expectativas de parte importante do baronato do setor.
O grosso da mídia está nas mãos de meia dúzia de conglomerados ciclópicos (Time Warner, Disney, Vivendi, Viacom, Bertelsmann e News Corporation, este último, feudo do magnata australiano Rupert Murdoch). O pior é a expansão dos controladores de empresas de comunicação, para os quais gerar e vender informação não difere de produzir e vender entretenimento ou eletroeletrônicos.
‘Muitos jornais já não pertencem a famílias que deles recolhiam não só dinheiro, mas benefícios intangíveis: sobretudo, prestígio social e poder político’, aponta Hiltzik, no artigo transcrito sábado (26/11) no Estado de S.Paulo. Os seus sucessores tampouco compartilham do ethos dos proprietários tradicionais: o negócio deles é ir atrás do lucro – e ponto. Se pagaram por jornais para ganhar 20% ao ano, em nome do que se contentariam com 15%?
Diversidade de fontes
Mais até do que o impacto das transformações culturais provocadas pela explosão da internet, essa lógica predatória, acentuada pela globalização, é o que poderá quebrar a espinha da imprensa.
Se escapar disso e se souber mudar para continuar a ser o gênero de primeira necessidade que foi no século 20, apesar do rádio e da televisão, o jornal pode ter um futuro nada menos do que ‘brilhante’ – escreve, na contramão do catastrofismo convencional, o estudioso de mídia Paul Farhi, no American Journalism Review.
‘Os relatos da mídia são grandemente exagerados, se não pura e simplesmente errados’, sustenta. Para ele, o jornal ‘não está em situação pior, e em alguns aspectos está bastante melhor, do que a concorrência, incluíndo a internet’. Seus argumentos são fortes.
Apenas 2% dos americanos têm na internet a única fonte regular de informação jornalística. O tempo médio de leitura de notícias on-line é de meros sete minutos por dia. Os jovens quase não lêem jornais. Mas tampouco vão atrás de notícias na mídia eletrônica.
O jornal, escreve Farhi, tem vantagens competitivas únicas e, apesar da circulação em queda, 42% dos americanos entrevistados numa sondagem feita em 2004 disseram ter lido jornal na véspera – nenhuma outra fonte de notícias, salvo as emissoras locais de TV, tem mais público.
Na história da comunicação, os novos meios raramente eliminam os existentes: estes se adaptam e todos se ajeitam. A tendência atual é a da diversidade de fontes e não a sua exclusão. E o jornal, por oferecer de tudo, ainda é a mais conveniente delas. ‘Há quem prefira comprar em butiques e lojas especializadas’, compara Farhi. ‘Mas muitos mais preferem supermercados e lojas de departamentos.’
Quem viver lerá.