Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Notas sobre uma crise à moda suíça

Nem a paulista Campos do Jordão, nem a pernambucana Gravatá. A Suíça brasileira, agora, pode ser encontrada no mercado financeiro e na imprensa. Até sexta-feira (17/3), a maior parte dos jornais tratou o caso Palocci como assunto estritamente político, sem grande importância para a economia. Só a coluna de Miriam Leitão, no Globo, destoou, naquele dia, do jeitão genebrino dos cadernos econômicos. Goste-se ou não, a questão é importante, especialmente em tempo de eleição. Se Palocci cair, quem poderá substituí-lo e quais serão as conseqüências da mudança?

No curto prazo não haverá grandes abalos, segundo opinião corrente no setor financeiro. A eleição, argumenta-se, forçará o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a manter o essencial da política econômica. ‘O presidente vai defender com unhas e dentes a estabilidade que Palocci ajudou a construir’, disse o economista Alexandre Maia, da GAP Asset Management, citado no domingo (19) pelo Estado de S.Paulo. Também no domingo a Folha de S.Paulo mencionou comentário de Sérgio Werlang, diretor do Itaú: o mercado financeiro aposta na manutenção da política econômica e isso se reflete nos preços dos ativos.

Até o domingo, a imprensa mal tocou nas conseqüências econômicas de uma saída do ministro Palocci e a discussão mais ampla do assunto foi mesmo a da coluna de Miriam Leitão, na sexta-feira. Na quinta (16), o dólar havia sido negociado a 2,11 reais no fechamento, depois de haver caído até 2,10 reais, o menor nível em cinco anos. As oscilações da Bolsa paulista refletiam mais a variação dos indicadores externos que as notícias políticas nacionais. Na sexta, no meio da tarde, o risco Brasil permanecia em 224 pontos, como se nenhum risco houvesse aparecido nos dias anteriores.

Condição de segurança

Mas na quinta-feira o caseiro Francenildo Costa havia confirmado à CPI dos Bingos ter visto o ministro da Fazenda, várias vezes, na embaixada da República de Ribeirão Preto em Brasília. Quando o depoimento foi suspenso, por liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal, a declaração relevante já havia ocorrido.

No dia seguinte, o depoimento do caseiro e o falatório político sobre o assunto estavam nas primeiras páginas. Mas não havia sinal de comoção nas seções de Economia, muito mais preocupadas com a decifração de mais uma ata do Comitê de Política Monetária (Copom).

A manchete do caderno ‘Dinheiro’ da Folha de S.Paulo, na sexta, saiu de uma pesquisa sobre turismo interno: ‘Brasileiro usa mais avião e hotel em viagem’. No Globo, o grande assunto era o câmbio: ‘Dólar a caminho dos R$ 2’. Câmbio também era o assunto principal do caderno de ‘Economia e Negócios’ do Estadão: ‘Política cambial já transforma fabricantes em importadores’. Todos os grandes jornais destacavam na primeira página, no entanto, a crescente pressão contra Palocci – agora com participação dos oposicionistas, uma novidade – e o empenho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em manter o ministro.

Naquele dia, enquanto o mercado financeiro continuava em calma aparente, o presidente Lula e outras figuras do governo tomavam a iniciativa de lembrar ao mundo o risco de se mexer no ministro da Fazenda.

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, acusou a oposição de querer ‘minar a credibilidade’ de Antonio Palocci para desestabilizar a economia. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, falou sobre o ‘papel fundamental’ do ministro da Fazenda no fortalecimento da economia brasileira.

O presidente Lula, em visita ao porto de São Francisco do Sul (SC), também elogiou o ministro: ‘Devo muito disso [das realizações do governo] ao Palocci’. No mesmo discurso, dirigiu-se à oposição: ‘Permita que a gente conclua o nosso trabalho’. O deputado Antônio Delfim Netto foi mais dramático na avaliação: ‘Se o presidente Lula ceder e demitir o ministro Palocci, o próximo alvo será ele’.

Também essa movimentação foi novidade. Partiu do governo, desta vez, a vinculação entre a segurança do ministro da Fazenda e a estabilidade da economia. A novidade, no caso, não foi a atribuição de más intenções a adversários. Foi a ênfase no papel do ministro Palocci nas conquistas alardeadas pelo governo. Lula, Paulo Bernardo e Meirelles quase chegaram a mencionar a manutenção do ministro da Fazenda como condição de segurança para a economia. Terão de inventar uma argumentação para dizer o contrário, se for impossível, afinal, sustentar o ministro da Fazenda.

O presidente resistirá?

A situação é no mínimo engraçada. Enquanto economistas do setor financeiro ostentam calma, garantindo que não haverá grandes abalos, neste ano, se cair o ministro da Fazenda, o governo vincula o nome de Palocci à estabilidade e o presidente promete não dispensá-lo nem que o ministro peça demissão. Normalmente ocorre o contrário. O mercado se agita e o presidente, embora manifestando confiança no auxiliar, diz que a política é sua e será mantida com qualquer ministro.

Talvez o mercado financeiro esteja certo em sua avaliação. Talvez o presidente Lula seja de fato um prisioneiro da política de estabilidade até o fim do ano. O senso de sobrevivência do presidente Lula é inegável. Essa é, provavelmente, a melhor explicação do apoio dado, até agora, ao ministro Palocci e ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Durante os últimos três anos, pelo menos a economia não desandou.

Mas, apesar de tudo, o presidente é sensível a outras influências e isso se reflete na diplomacia comercial terceiromunista, no apoio ao MST e na posição assumida na conferência sobre biossegurança em Curitiba, na semana passada. Lula foi sensível, também, a seus conselheiros de gabinete, ao rejeitar a adoção, proposta pelos ministros do Planejamento e da Fazenda, de um programa fiscal mais severo e mais ambicioso para os próximos anos.

Destacou-se no bombardeio do programa a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, como lembrou Ribamar Oliveira em sua coluna de segunda-feira (20/3) no Estadão. ‘A saída de Palocci do governo põe uma interrogação sobre o programa de Lula em um eventual segundo mandato. Não o programa que será agitado na campanha, mas aquele que será executado’, acrescentou o colunista, lembrando o empenho de Palocci na defesa – nem sempre bem-sucedida, é preciso reconhecer – de uma reforma fiscal mais séria.

Os auxiliares que bombardearam as propostas mais audaciosas de Palocci ficarão discretamente recolhidos, se o ministro da Fazenda cair? Se tentarem influenciar o presidente, resistirá? Continuará a resistir, mesmo que as mudanças propostas sejam apoiadas pela Fiesp ou por outras entidades empresariais em que militam amigos de Lula?

Um inventário dos grupos que disputariam o espaço, no caso do afastamento de Palocci, poderia render bom material jornalístico.

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Jornalista