Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Noticiário difícil de entender

Os jornais e revistas do final de semana dão o tom de como deverá ser a cobertura da eleição presidencial neste ano.


Abandonando seu estilo descolado – cool, como diriam seus leitores mais típicos –, a Folha de S.Paulo abre a ‘caixa de ferramentas’ na edição de domingo (7/3), declarando guerra aberta ao Partido dos Trabalhadores. Afirma, num temerário exercício de futurologia, conhecer profundamente as mais recônditas intenções do partido governista, o qual ataca com um furor que não se via em suas páginas há mais de uma década. Não é de seu estilo (ver o editorial ‘Vítima farsesca’, reproduzido abaixo).


Os outros jornais e as revistas semanais também estocam armamentos para a guerra midiática que se avizinha com a proximidade da eleição, vasculhando antigos escândalos ou garimpando novos casos.


Como há muitos meses se desenhou certo consenso em torno dos bons resultados na economia nacional, a tendência é que a campanha, vista através da mídia, venha a provocar um tsunami de lama como jamais se viu por aqui.


A Folha de S.Paulo também surpreendeu, no domingo, ao afirmar, com direito a manchete, que o governo federal obteve documentos comprovando que o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado e colunista da Folha, movimentou US$ 1 milhão no exterior sem declarar à Receita Federal.


É a primeira iniciativa de um dos jornais de influência nacional no tema que valeu a O Estado de S.Paulo a censura imposta há 220 dias por um juiz de Brasília. Mas, curiosamente, na edição de segunda-feira (8/3) a Folha esquece o assunto.


Samba doido


O Globo de segunda-feira reproduz a denúncia feita pelo jornal paulista no domingo, mas a publica numa nota curta, escondida sob o noticiário a respeito de outro escândalo, aquele que sepulta a carreira política do governador licenciado de Brasília, José Roberto Arruda.


Ainda mais curioso: o Estadão, a quem mais interessaria reforçar a acusação contra Fernando Sarney, sai com uma reportagem no alto de uma página da seção de política, informando que o Ministério da Justiça desmente a Folha.


O jornal que está censurado por iniciativa da família Sarney afirma que o tema da manchete de domingo na Folha é assunto antigo, já publicado pelo próprio Estado em 16 de julho do ano passado. Ou seja, a Folha ataca o filho de seu colunista, e o Estadão, que foi censurado pela família Sarney, relativiza a denúncia.


E o leitor? Ora, o leitor…


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Vítima farsesca


Editorial da Folha de S.Paulo, 7/3/2010


O truque é velho, e sua repetição só indica o hábito petista de afetar ares de pureza em meio ao pragmatismo mais inescrupuloso. Em documento oficial, a Executiva Nacional do PT reeditou, quinta-feira, a tese de que há uma ‘guerra de extermínio’ contra o partido. Posteriormente, amenizou os termos. A promover tal ‘guerra’ estariam ‘amplos setores do empresariado, particularmente a mídia’.


Mídia, no jargão corrente, significa todo jornal ou empresa de comunicação que não defenda figuras notórias do partido.


Como, por exemplo, o ex-ministro José Dirceu, beneficiário de uma contribuição de R$ 620 mil pela assessoria prestada a um grupo com interesse na reativação da Telebrás. Ou como os mensaleiros denunciados por quem era então aliado do governo, o deputado Roberto Jefferson; ou ainda os ‘aloprados’ -termo que o presidente Lula foi o primeiro, aliás, a empregar- da campanha eleitoral de 2006. Como, também, aquele assessor de um deputado petista, que foi preso ao tentar embarcar num avião com cerca de U$ 100 mil dólares na cueca.


Aliás, se noticiar esse sistema de transportar dinheiro sonante fosse sinal de ‘guerra de extermínio’, seria agora o DEM, e não o PT, a principal vítima de uma suposta conspiração.


Mas nem mesmo os sequazes do governador Arruda arriscaram-se a ir tão longe no cinismo. É que a capacidade petista para a mentira tem origens diferentes, e mais antigas, do que a simples charamela lacrimosa dos espertalhões de voo curto.


Pois o PT, no clássico figurino stalinista, sempre pode dar uma interpretação ‘de classe’ às críticas que venha a merecer. Como o partido se julga o representante místico dos ‘trabalhadores’, o financiamento escuso que receba de empreiteiras, as alterações legais casuísticas que promova em favor de uma empresa de telecomunicação, não representarão escândalo jamais.


Ao contrário: aliar-se financeiramente a ‘setores do empresariado’ que vivem à sombra das benesses do governo, e aliar-se politicamente à escória do Legislativo brasileiro, torna-se um sinal de esperteza política na linha dos fins justificam os meios.


Autoabsolvido pelo venerável espírito hegeliano-marxista da História, o petismo pode fazer tudo o que condenava em seus adversários, e apresentar-se ainda assim como detentor das virtudes mais cristalinas.


Quem apontar a farsa será tachado de inimigo dos trabalhadores -e, na tese de uma imaginária ‘guerra de extermínio’, o PT mostra apenas a sua própria tentação totalitária. Nessa lógica, que não admite críticas, faz-se de perseguido aquele que se apronta para perseguir; faz-se de vítima quem pretende ser algoz; faz-se de democrata o censor, de honesto o corrupto, de inocente o bandido. O PT perdeu a moral que tantas vezes ostentava quando na oposição. Perdeu a moral, mas não perde o autoritarismo, a mendacidade e a arrogância.