Os jornais de quinta-feira (29/1) oferecem um desafio especial ao leitor em seu esforço para entender o que acontece no mundo e, assim, planejar sua vida.
Estamos em janeiro de 2009, o primeiro ano após a eclosão da maior crise financeira de que se tem notícia na história da humanidade. Pelo menos é isso que se pode inferir de todo o noticiário com que somos bombardeados todos os dias. E, nas edições de quinta, a imprensa nos apresenta uma idéia do que, afinal, estamos tratando.
De um lado, destaque – e até algumas manchetes – para a aprovação, pela Câmara de Representantes dos Estados Unidos, do pacote de incentivo à economia, no valor estratosférico de 819 bilhões de dólares. Do outro lado, também em destaque, a sugestão do Fundo Monetário Internacional para que sejam nacionalizados todos os bancos privados que estão em dificuldades.
É exatamente disso que se trata: para superar a crise no menor prazo possível, e colocar a máquina econômica do planeta a girar novamente com toda potência, o dilema que se apresenta é o mesmo que produziu seis décadas de guerra fria, muitas mortes e um conflito ideológico que contamina até discussão de botequim.
Trata-se de escolher entre deixar os capitalistas irresponsáveis à mercê das regras do capitalismo, ou de mudar as regras e colocar o Estado para gerir o caos provocados por eles.
Discussão ausente
O socorro anunciado pelo governo americano já vem recheado de polêmica, como no detalhe protecionista: as obras de infra-estrutura e construções a serem financiadas pelo pacote terão que utilizar exclusivamente aço produzido nos Estados Unidos, a não ser que o produto não esteja disponível na ocasião.
A imprensa simplesmente noticia esses fatos, com poucas análises a não ser as entrevistas concedidas pelas autoridades envolvidas. A mais relevante delas partiu do novo secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner. Questionado sobre a proposta do FMI, de nacionalizar bancos, ele ponderou que o governo dos Estados Unidos não gostaria de mexer nas regras do capitalismo.
Mesmo que os jornais apenas tenham resvalado no tema, o leitor atento há de observar que, afinal, trata-se disso mesmo: até que ponto os mercados são capazes de cuidar de si mesmos, sem a ajuda do Estado?
Mas essa é uma discussão que dificilmente veremos explicitada na imprensa.
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Os pobres de lá e os de cá
No mesmo pacote de controvérsias pouco explicitadas pela imprensa, os jornais de quinta-feira (29) trazem – também com muito destaque – a notícia de que o governo brasileiro decidiu aumentar o limite de renda para os beneficiários do Bolsa Família.
A renda mínima per capita para ingressar no programa passa de 120 reais para 137 reais por mês. Isso significa que mais 1,8 milhão de famílias serão acrescentadas ao programa.
Os jornais apontam a contradição aparente entre o corte de 37 bilhões de reais no orçamento federal deste ano, anunciado na véspera, e a ampliação das despesas com o programa social. Além disso, agasalham com destaque as declarações dos que são contra, que acusam a ampliação do programa de medida eleitoreira. Como se sabe, nas regiões onde se concentram beneficiários dos programas sociais também é maior a aprovação ao governo.
Uma curiosidade
O Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda para famílias pobres, que tem como contrapartidas algumas obrigatoriedades: os filhos em idade escolar têm que estar matriculados e freqüentar 85% das aulas, pelo menos; as crianças com menos de 7 anos devem ser levadas periodicamente ao posto de saúde e manter em dia a carteira de vacinação, e as gestantes precisam comprovar que estão tendo acompanhamento pré-natal.
Já aconteceram em São Paulo, nos últimos anos, pelo menos três seminários internacionais de avaliação econômica de programas sociais como o Bolsa Família, organizados por entidades privadas. Em todos eles se demonstrou a validade desse tipo de política, mas nenhum deles foi sequer noticiado pelos jornais.
Apesar de todas as evidências de que a ação de inclusão social de famílias pobres ajuda a economia, o tom do noticiário a respeito do programa continua negativo. Com a ampliação da cobertura, o Bolsa Família vai custar quase 12 bilhões de reais por ano.
Apenas como curiosidade, convém observar que, no pacote de emergência aprovado na quarta-feira (28/1) pela Câmara dos Estados Unidos, está incluído um programa parecido com o antigo Fome Zero criado no Brasil. Na maior potência capitalista do mundo, o governo vai distribuir 20 bilhões de dólares aos pobres para a compra de alimentos e ninguém fica dizendo que isso é clientelismo.