Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Notícias de um bom problema

É tema de manchetes gerais a decisão do governo de propor a cobrança do Imposto de Renda sobre os rendimentos de cadernetas de poupança nas aplicações superiores a R$ 50 mil. A proposta ainda tem que passar pelo Congresso Nacional, mas o processo decisório revela como uma medida de caráter econômico sofre influências do entorno político, o que pode alterar até mesmo seu alcance e o seu significado.


No caso da poupança, claramente, a decisão da equipe econômica, referendada pelo presidente da República, foi induzida em parte pela campanha promovida por um partido de oposição, que vinha fazendo anúncios que mexiam com o velho temor do confisco.


Se vier a ser aprovada no Congresso, a taxação vai passar a ser aplicada a partir de 2010 e deve atingir apenas 1% dos poupadores, que são titulares de 40% do saldo total da caderneta de poupança. Paralelamente, o governo pretende reduzir o Imposto de Renda incidente sobre os rendimentos dos fundos de investimento.


Conforme vem sendo noticiado pela imprensa, o impasse foi criado pela queda forte e progressiva da taxa básica de juros, que estava tornando a caderneta de poupança mais atraente do que os fundos de investimento. A migração em massa de grandes investidores para a poupança poderia provocar um movimento especulativo e afetar o principal instrumento econômico da população de baixa renda.


Além disso, os recursos da poupança são destinados a financiar o mercado imobiliário e uma distorção poderia colocar em risco a disponibilidade de recursos para outras finalidades de crédito.


Mais cortes


Reportagens, colunas e entrevistas com analistas, publicadas na quinta-feira (14/5), estão repletas de explicações satisfatórias para a medida tomada pela equipe econômica. O que os jornais estão deixando um pouco de lado é o fato de que o problema que se tenta resolver com a taxação das maiores poupanças foi criado pela queda da taxa básica oficial de juros, que só tem sido possível por uma conjunção integrada de fatores positivos na economia.


O Brasil comemora dez anos de controle da inflação e estabilização econômica, que permitiram ao país desenvolver políticas sociais efetivas e se apresentar ao mercado global como um protagonista respeitável.


No fundo, o que falta ao noticiário é deixar claro que estamos falando de um bom problema: a medida abre caminho para novos cortes na taxa de juros.


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A verdade do parlamento


Deputados da bancada ruralista derrubam na Comissão de Meio Ambiente da Câmara projeto que regulamenta a produção, rotulagem e comércio de agrotóxicos. Essa nota curta, meio escondida numa coluna da edição de quinta-feira (14) de O Globo, fala muito mais sobre como funciona o Congresso Nacional do que o resto do noticiário político.


A chamada bancada ruralista, núcleo duro do que existe de mais conservador na política nacional, atua como uma tropa militar. São parlamentares disciplinados, possuem recursos em abundância, contam sempre com a simpatia da imprensa. E estão permanentemente a serviço de causas controversas, como as tentativas de aliviar a legislação de preservação do patrimônio ambiental do país.


A nota publicada na quinta-feira, sobre tema que mereceria muito mais atenção, é um símbolo da verdade que é omitida dos leitores: a bancada ruralista não representa necessariamente a agricultura brasileira. Ela representa a indústria de agrotóxicos.


Parte do problema


Há cerca de dez anos, essa mesma bancada, com poucas alterações entre seus integrantes, formou a tropa de choque com a qual duas ou três indústrias químicas tentaram fazer passar uma legislação leniente sobre a liberação de sementes transgênicas. Hoje, os produtos transgênicos são uma praga cada vez mais ameaçadora sobre a agricultura tradicional e podem vir a colocar em risco, no curto prazo, a economia agrária do Brasil.


O Congresso é isso: um consórcio de interesses privados que se autodenomina representante da sociedade civil organizada.


Enquanto se limitar a criticar o nível dos parlamentares e se omitir do debate sobre a questão da representatividade do Congresso, a imprensa estará abordando apenas uma parte do problema político do Brasil.