Tido por muitos como uma espécie de ‘primo pobre’, o rádio persiste como um meio popular. Com o advento da televisão brasileira, na década de 1950, chegou-se a apostar na derrocada da mais antiga das mídias eletrônicas, cuja primeira transmissão oficial se deu em 7 de setembro de 1922 para apenas oitenta receptores importados e distribuídos pela sociedade carioca em uma ocasião histórica: o discurso do presidente Epitácio Pessoa em comemoração ao centenário da independência do Brasil.
Hoje, o Brasil tem cerca de cinco mil emissoras de rádio legalizadas, metade das quais filiadas à Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert). Há também milhares de ilegais. De acordo com uma reportagem de Élvis Pereira e Tânia Monteiro, publicada pelo Estado de S.Paulo (9/8/2008), o país tem hoje cerca de 12 mil estações clandestinas. ‘Com pouco mais de R$ 2 mil é possível montar uma emissora cuja transmissão alcança 1 quilômetro’, informa o jornal.
Em época de eleição, pode-se multiplicar a ocorrência. ‘Pesquisas informais estimam a existência de cerca de 60 mil emissoras piratas em ano eleitoral. É um número estarrecedor’, diz o jornalista e pesquisador Álvaro Bufarah, que ilustra a popularidade da antiga mídia com outro índice: ‘O IBGE concluiu que há aparelhos de rádio em 98% dos domicílios brasileiros.’
Deficiências e um alerta
Apesar do gigantismo (talvez também por isso), o rádio tem problemas crônicos. Exemplos: a desconfiança do mercado publicitário diante da divergência entre o número de inserções contratadas e aquele que é realmente veiculado; salários baixíssimos, em comparação com os ‘primos ricos’, como a TV; o privilégio das concessões para os políticos; falta de planejamento, administração ‘familiar’, ‘espontânea’, para não dizer amadora.
Absurdo não falta como matéria-prima para os estudos acadêmicos. Bufarah, por exemplo, está à frente de uma novidade. Ele é coordenador do curso de pós-graduação em Produção e Gestão Executiva de Rádio da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), em São Paulo.
Jornalista pós-graduado em Política Internacional e com mestrado em Rádio, é pesquisador do núcleo de Mídia Sonora da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação) e integra, ainda, o grupo de estudos em História da Mídia em Rádio na Rede Alfredo de Carvalho e a Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), no núcleo de rádio.
Profissional apaixonado, trabalhou na CBN, na Radiobrás e na Rádio Capital e para o serviço de língua portuguesa da Deutsche Welle. Atualmente, além de correspondente para os serviços em português da Voz da América e da Swissinfo, Bufarah é professor de rádio da FAAP e da Uninove (Universidade Nove de Julho).
Na entrevista a seguir, o jornalista fala do novo curso, aponta as deficiências do rádio e alerta: ou os veículos se profissionalizam ou ‘serão trocados por outras mídias’.
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Como surgiu a idéia do curso?
Álvaro Bufarah – Depois de 16 anos no rádio, é perceptível a necessidade de pessoas que entendam a linguagem do meio e de como administrar os seus produtos. Temos uma série de problemas: a falta de um processo de gestão de pessoal profissional com um plano de cargos e salários; a falta de conteúdos voltados para audiências segmentadas; as concessões nas mãos dos políticos; ausência de uma formação que realmente auxilie os futuros profissionais a entrarem na área. Por tudo isso, pensei em criar um curso que atendesse essa carência do mercado. Além disso, a FAAP foi a primeira a criar um curso de Gestão para TV. Faltava o de rádio.
Quais são as suas metas?
A.B. – A principal é formar profissionais capazes de administrar produtos de mídia sonora em emissoras e produtoras. É como colocamos nos objetivos: instrumentalizar o aluno para criação, produção e gerenciamento de produtos de mídia sonora tendo como base o rádio como veículo de comunicação e as suas novas tendências multimídia. Vamos oferecer também uma visão gerencial e de negócios do meio radiofônico visando à gestão de recursos e de pessoal, desenvolvimento de programações, estudos de audiência, captação de recursos, criação, viabilização, implantação e administração de projetos radiofônicos e de mídia sonora. Vamos dar ferramentas para uma gestão diferenciada, focando o trabalho e otimizando os recursos de forma prática. Para isso teremos professores e profissionais de mercado trazendo teorias e práticas para resolver os problemas de uma emissora.
‘Aversão a cálculo’
Existe algo similar no Brasil ou no exterior?
A.B. – Não existe curso nesse formato. Tecnicamente apenas a Harvard tem um projeto de estudos de cases, mas não chega a especificar o curso para gestores de rádio. Nós teremos o único curso nesse formato e com o foco tanto no mercado brasileiro quanto no internacional. A inspiração foi a própria necessidade do mercado, além da pós em TV da FAAP.
Um curso como esse só é possível na pós-graduação? Não seria interessante também na graduação de jornalismo?
A.B. – Tecnicamente, a pós dá a oportunidade de trabalharmos melhor vários aspectos de administração, gestão e marketing que não cabem no curso de graduação. No curso de Jornalismo, formamos um produtor de conteúdo. No de Rádio e TV, um produtor e executor de produtos eletrônicos. Mas nos dois casos nós não temos nenhuma matéria focada em negócios. Talvez, pelo fato de que a maioria das pessoas que vai para a Comunicação tenha aversão a qualquer forma de cálculo. Mas no dia-a-dia faz muita diferença. Profissionais de Jornalismo, Rádio e TV e Publicidade poderão fazer o curso. Mesmo os de outras áreas, como Administração e RH, terão uma visão abrangente do mercado de rádio.
‘Subvalorizamos o repórter’
Como o rádio tem sido administrado?
A.B. – Na realidade, temos poucos profissionais que se utilizam de pesquisas e dados para balizarem os seus produtos. Normalmente as emissoras são resultado de investimentos familiares, e não são administradas como empresas. Poucas emissoras são realmente tratadas como empresas, por isso a necessidade de capacitarmos novos profissionais para enfrentarem os novos processos de produção alterados pelo impacto das novas tecnologias.
Quais são as conseqüências dessas distorções no cotidiano jornalístico?
A.B. – Acabamos produzindo matérias de baixa qualidade por não termos um bom processo de gestão das redações. Muitos profissionais não têm parâmetros para fazer um bom trabalho. Em alguns casos, os repórteres só podem sair das redações quando não conseguem fazer a pauta pelo telefone. Também subvalorizamos o ‘motor’ das redações: o repórter. Fica mais barato aproveitar o material da internet e das agências de notícias. Manter uma redação funcionando 24 horas fazendo bom jornalismo exige um método de gestão eficaz para que a empresa tenha lucro, sem ingerências na linha editorial. Ou seja, é preciso ver o negócio, avaliar os riscos, saber otimizar a logística…
‘Engolidos pela tecnologia’
No que esse curso poderá influenciar uma mudança cultural no rádio?
A.B. – Essa é mesmo uma das nossas intenções: profissionalizar o mercado de gestão de rádio propiciando uma mudança de atitude diante dos desafios de administrar um veículo diante das novas tecnologias. O processo tem que ser mais humano e ao mesmo tempo profissional. Teremos um produto final melhor, mais qualificado e diferenciado.
Como os donos das emissoras deverão enxergar esses novos administradores? Muitos empresários da comunicação são centralizadores e simplesmente não querem inovar…
A.B. – Sim, eles são centralizadores, mas não terão outra opção: ou profissionalizam as emissoras para que sejam empresas bem resolvidas ou serão engolidos pelo tempo, pela tecnologia. Perderão público e renda para outras emissoras mais eficientes e com melhor programação. Ou se melhoram as emissoras e o mercado ou os veículos serão trocados por outras mídias. Atualmente, há uma série de formas de acessarmos áudio, satélites, TV por assinatura, celulares, players etc. Todos eles são concorrentes do rádio convencional ou são ferramentas importantes para o rádio desta nova era digital.
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Jornalista