Os jornais de sexta-feira (2/9) não se mostram apenas surpresos com a decisão do Banco Central de reduzir em 0,5 ponto porcentual a taxa básica de juros. Os jornais se mostram unanimemente indignados. É como se os analistas, articulistas, colunistas ou como prefiram ser chamados especialistas em economia se sentissem traídos porque o Comitê de Política Monetária (Copom) não os tivesse consultado para indicar o viés subitamente decrescente dos juros.
A reação é comparável à que aconteceu em 2009, quando a equipe econômica do então presidente Lula da Silva decidiu ir na contramão do pessimismo internacional e apostou no estímulo ao mercado interno como resposta para a crise financeira – a imprensa invocou o fantasma da inflação.
Alguns textos chegam a ultrapassar as regras da etiqueta jornalística, quando acusam de irresponsável o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini – e o próprio Copom – por supostamente se haverem curvado a exigências do Executivo pela queda dos juros.
Até mesmo ex-dirigentes do BC do tempo em que a instituição foi manipulada para dar suporte à valorização artificial do Real, no final dos anos 1990, foram convocados à força-tarefa encarregada de condenar a decisão.
Análise radical
Ao afirmar que a credibilidade do presidente do Banco Central está “em xeque”, os analistas dão voz a uma parcela do mercado que tem interesses específicos na manutenção dos juros elevados, da mesma forma que privilegiam os exportadores quando exigem a valorização do dólar.
Afirmar que o Banco Central perdeu repentinamente a autonomia porque foi antecipada uma decisão que, afinal, era esperada pelo mercado para os próximos meses, mal disfarça a arrogância dos analistas e certo viés que atravessa a imprensa de lado a lado.
O presidente do Banco Central é um protagonista ímpar do cenário econômico mundial. Ele participa de foros exclusivos nos quais se pode ter uma visão mais clara da crise financeira internacional e avaliar diretamente as verdadeiras condições que têm as autoridades econômicas dos países ricos de evitar uma recessão no curto prazo.
Jornalistas não têm acesso a esses conclaves e o máximo que podem fazer é tentar adivinhar o que foi dito. Portanto, faltam elementos para uma análise definitiva e radical como a que comparece nas edições de sexta-feira em quase todos os jornais.
Recessão à porta
Em mais de uma ocasião, nos últimos dias, a imprensa internacional deu como certo que o mundo desenvolvido está mergulhando em uma longa recessão, cujos sinais são evidentes.
Em janeiro de 2010, o britânico The Guardian já havia publicado um mapa da mais longa e mais profunda recessão na Inglaterra, prevendo para o segundo semestre deste ano uma piora nas condições econômicas no Reino Unido e na Europa.
No começo de agosto deste ano, o New York Times publicou reportagem alertando que os Estados Unidos correm o risco de cair duas vezes seguidas em recessão, como ocorreu no começo dos anos 1980. Na primeira onda recessiva, lembra o jornal, era de entendimento geral que a resposta do governo deveria ser estimular a economia. Mas na provável segunda onda, que pode estar à porta, a melhor decisão será o corte de custos. (ver aqui, em inglês).
Jornalistas sabem que as medidas econômicas não costumam produzir efeitos lineares. Parte do resultado depende das reações – eventualmente emocionais – do mercado e, no quadro mais amplo, de toda a sociedade. Pelo menos parcialmente, mercado e sociedade podem sofrer influência da imprensa.
Num cenário em que os mais sensatos admitem que não se sabe o que poderá ocorrer no futuro muito próximo, já que todos têm a convicção de que no médio prazo teremos uma recessão no mundo desenvolvido enquanto a inflação ameaça os emergentes, a avalanche de unanimidades negativas diante da decisão do Banco Central brasileiro precisa ser registrada para ser cobrada mais adiante.
Olhando o entorno do noticiário econômico da sexta-feira (2/9), pode-se identificar um pacote de medidas do governo federal no sentido de aplicar o remédio do corte de custos em doses racionais. Ao mesmo tempo, a decisão do Banco Central aponta para a redução das despesas financeiras do Tesouro e para o estímulo à economia.
Mas as barreiras são respeitáveis: por exemplo, ao propor um orçamento que ignora a reivindicação salarial do Judiciário – que deseja nada menos do que 14,7% de aumento – o governo esbarra em forças poderosas que raramente a imprensa tem disposição de contestar.
Por outro lado, as medidas de combate à corrupção, para lá do aspecto moral que deve reger os negócios públicos, têm também a função de reduzir os vazamentos do Tesouro, como parte da política de controle de gastos.
Esse cenário de riscos e incertezas exige análises mais criteriosas e menos contaminadas por preferências políticas.