Antes, ou precisamente no século 19 e até início do século 20, os ‘barões da imprensa’ se concentravam nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha e incluíam na rede de comunicação jornais e rádios. Eles se digladiavam com golpes abaixo da cintura, num desafio permanente em busca ou demonstração de força. A concorrência era para valer.
Capazes de tudo, submetiam aos seus caprichos uma nação, as autoridades, empresas privadas ou determinadas pessoas que não rezassem pela sua cartilha editorial. Vendiam milhares de exemplares e impunham ideias. Incorporavam o que se convencionou considerar um Quarto Poder e quixotescamente agiam em nome da sociedade, como se tivessem delegação para tanto. Não se neguem as campanhas sociais promovidas que beneficiavam a todos, em particular os pobres e até se identificavam como seus representantes. A mídia sabe fazer a média.
Nesse rol de imbatíveis donos de jornais e rádios incluem-se um Lorde Northcliffe, Pulitzer, Randolph Hearst e outros. Este, escudado na irresponsabilidade sem limite e com base na mentira e criatividade enganosa, regra seguida por quase todos, provocou uma guerra entre os Estados Unidos e a Espanha, por causa de Cuba, então colônia espanhola.
Os tempos mudaram. Mudou a sociedade. Entramos definitivamente na era da informação. O jogo é outro. A ética no mínimo é discutida, embora nem sempre cumprida. No final do último século e início do terceiro milênio os tipos de estratégia e de empresários da mídia têm características diferentes, embora se identifiquem em muitas coisas. Rupert Murdoch (1931…) é o símbolo dessa nova geração, vindo da Austrália, onde nasceu.
Um novo grupo chegando
Murdoch age nos negócios como felino faminto, sempre atrás de uma presa. Quando quer atingir um objetivo nada escapa da pontaria. É capaz de ultrapassar as barreiras da racionalidade. Os acionistas das empresas que dirige, em determinadas circunstâncias, passam por maus momentos, ficam apreensivos com os prejuízos que possam sofrer. O homem é imprevisível. Às vezes perde fortunas em certos negócios, mas geralmente ganha, para alegria dos gerenciados, que embolsam bons lucros pelas ações aplicadas. Possui obsessão por investir em determinadas empresas que atravessam dificuldades, visando a saneá-las para vendê-las com ganhos. E tem dado certo. Há casos em que adquire um negócio ligado à comunicação apenas por uma questão de inflar o ego, quando não para excluir o concorrente.
O biótipo do novo ‘magnata da mídia global’ revela portar audácia e coragem; arrojado por natureza conduz uma forte dose de compulsividade, porém, sintonizado com os dias atuais. Faz qualquer coisa para chegar aonde quer. Adotou a cidadania norte-americana para implantar um império de comunicação nos EUA. Casou-se, pela terceira vez, com uma chinesa, para se estabelecer no país de Mao Tsé-tung. Para agradar ao governo da China, fez pontaria na direção do Dalai Lama, uma figura respeitada pela religiosidade e lutar em favor da independência do Tibete, massacrado pelo inimigo chinês. Fez-lhe acusação de pertencer a uma sociedade teocrática, logo merecedora do tratamento que recebe e, com deboche, o acusou de usar sapatos da grife Gucci.
O Dalai Lama bem que poderia ter respondido como já o fez, quando perguntado sobre o que o surpreende na humanidade: ‘Os homens… Porque perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem dinheiro para recuperar a saúde. E por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem do presente de tal forma que acabam por não viver nem o presente nem o futuro. E vivem como se nunca fossem morrer… E morrem com se nunca tivessem vivido.’
Os seus negócios estão presentes também na Grã-Bretanha, Índia, Itália, Alemanha, Suécia, além, claro, no país que é sua terra natal, a Austrália.
Filho de um país conhecido pelo bicho-canguru que sai no tapa e pontapés numa disputa pela liderança no mundo animal, Murdoch, igualmente um hábil lutador, em certas ocasiões transforma em palco os veículos de sua propriedade ou aqueles dos quais é acionista, e puxa as armas que dispõe, as palavras, e manda brasa na direção dos inimigos, os concorrentes. Que o diga Ted Turner, dono da TV CNN, que caiu na besteira de desafiá-lo enciumado com o sucesso do australiano, que para concorrer com o mesmo lançou a cadeia de TV a cabo Fox News, superando-o em audiência. Turner não mediu desaforos e explodiu: ‘Vocês podem ver que há um novo grupo chegando, liderado pelo desprezível FDP Rupert Murdoch.’
Jornais jogam sujo e perseguem personalidades
A resposta veio pelo seu jornal New York Post e mirou como vítima a atriz Jane Fonda, então mulher de Ted, considerando-a ‘apenas mais uma chata nua e desmiolada de Hollywood’ – isto por participar de atividades contra a guerra do Vietnã. Considerado como nojento e asqueroso, Murdoch mandou que Ted voltasse a tomar os remédios para depressão, já que na época passava por um tratamento de saúde.
O magnata da mídia global tem méritos, mesmo odiado pelos concorrentes que o consideram como aventureiro. Conhecido pelo sangue frio ele faz jogadas que surpreendem não apenas o seu próprio meio, como a Bolsa de Valores e o mundo capitalista.
O seu império midiático, com uma receita anual de 33 bilhões de dólares começou com uma simples empresa jornalística, recebida como herança em 1952, do seu pai, sir Keith Murdoch, conhecida, até hoje, como News Corporation (News Corp.). , que funcionava na Austrália. Começou a trabalhar nessa época, como repórter, cuja atividade se estendeu para Londres, quando deu continuidade aos estudos, na Universidade de Oxford.
Passou por vários jornais e aprendeu os macetes e tomou gosto pela profissão. Não demoraria muito, a começar na década de 60 a incorporar ao seu patrimônio, por compra, jornais respeitados como o Times e os tabloides, que os transformou em sensacionalistas: Sun, News of the World (jornal dominical mais lido, com 2,9 milhões de exemplares), e o Sunday Times. O australiano é conhecido pelo poder junto aos primeiros-ministros da Inglaterra, o que tem provocado problemas. Os seus jornais de escândalos jogam sujo e perseguem personalidades famosas, e ainda compram informações desse tipo.
Só sobrevivem os fortes
Nos EUA o seu império de comunicação cresceu. Comprou de imediato cerca de dez jornais, sendo que o New York Post é aquele que lhe deu prestígio. Comprou The Wall Street Journal, o mais vendido naquele país, em 2007. O australiano incorporou também ao seu grupo a Dow Jones & Company, pagando 5 bilhões de dólares. A New Corp. é proprietária de mais uma centena de publicações impressas no mundo, além da rede de TV Fox, dos estúdios de cinema 20th Century Fox e do site MySpace.
Murdoch é insaciável e nada escapa ao faro empresarial. Do conglomerado fazem parte: sites de relacionamentos, agências de notícias, videogames, celulares, jornais online, canais de esporte e entretenimento, produções de filmes para TV e cinema. Em síntese a Corp. News opera com 240 canais de TV em mais de 75 países, com transmissão em 31 idiomas. Líder no controle industrial de quatro satélites chega aos quatro continentes, alcançando mais de 23 milhões de assinantes, através de DirecTV.
Por tais iniciativas seus concorrentes o acusam de querer ser dono do mundo, o que não é exagero. O que ele é mesmo é jornalista à moda antiga (desde que não tenha prejuízos). Não despreza os fatos presentes e não possui ilusões quanto ao futuro, que se inclina para o domínio da comunicação digital. A respeito fala com entusiasmo, ao prometer cobrar pela assinatura, em breve, pelo jornal online. Eis o seu pensamento atual, que inclui um voto de confiança no papel impresso, sem deixar de ser realista no amanhã:
‘O que acontece com o jornalismo impresso numa época em que consumidores recebem cada vez mais notícias sob demanda, interativa via banda larga (…)? A resposta é que o grande jornalismo sempre atrairá leitores – e dá a receita – as palavras, imagens e recursos gráficos , que são o recheio do jornalismo, têm que ser brilhantemente apresentados; precisam alimentar a mente e tocar o coração’. Ele acredita no bom jornalismo, que tanto faz ser impresso ou com destino a aparelhos digitais, como a tela dos telefones celulares etc.
Indiscutivelmente, Rupert Murdoch é um dos mais poderosos empresários da face da terra, e o é, por merecimento, embora certas ações possam ser criticadas. Mas no meio empresarial só sobrevivem os fortes e audaciosos. Não faz muito registrou a marca da sua competência: negociou com o gigante Google uma participação em dinheiro, pelos textos publicados de seus jornais, nesse provedor. Dono do mundo não será, mas quanto a usufruir do status de ‘magnata da mídia global’, não há dúvida, já que conseguiu ir mais longe que os ‘barões da imprensa’, de saudosa memória.
******
Professor emérito da UFMA, jornalista, pesquisador e escritor