Na semana passada, o portal G1, do grupo Globo, enviou a Rio Branco, no Acre, uma repórter para documentar o que seus editores consideravam uma curiosidade digna de suas telas: a inauguração do primeiro grande shopping center da cidade. A jovem cumpriu a encomenda com disciplina: o texto, intitulado “Primeiro shoping muda hábitos da população do Acre” é um primor de jornalismo provinciano: aquele que, embora produzido a partir de um ambiente cosmopolita, enxerga apenas uma fração do objeto analisado, reforçando ideias preconcebidas.
A jornalista tomou um táxi no Hotel Terra Verde, se deslocou até o centro de compras, onde realizou as entrevistas, depois conversou com lojistas da cidade, escreveu sua reportagem e passou horas no saguão do hotel lendo os comentários dos leitores.
A reportagem deu curso a uma sucessão de manifestações preconceituosas contra as populações do norte e do nordeste do país, revelando que o brasileiro não conhece o Brasil.
O texto da jornalista, correto do ponto de vista da pauta que lhe foi encomendada; revela, porém, certos vícios do jornalismo brasileiro contemporâneo: a ênfase no aspecto comercial, a obsessão por infográficos e estatísticas e nenhuma sensibilidade para contextos sociais e culturais envolvidos com o tema.
Só curiosidade
Se tivesse saído um pouquinho da rota traçada por seus editores, a repórter teria descoberto uma cidade interessante, provavelmente a capital do país que mais mudou nos últimos vinte anos, transformando-se de uma aldeia lamacenta em uma cidade vibrante, alegre, cheia de novidades e que, no entanto, preserva muito de suas características tradicionais.
Se tivesse parado para olhar os acrianos (com “i”, segundo o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, conforme lembra o texto), a repórter teria conhecido o estado mais republicano do Brasil, onde as crianças aprendem o hino nacional e o hino do estado, conhecem a bandeira nacional e a do estado – sem, no entanto, o aspecto separatista e xenófobo que caracteriza outras regiões do país.
Teria observado que em Rio Branco, a capital, pode-se acessar a internet gratuitamente em vários locais públicos, como praças; que há mais bibliotecas públicas, proporcionalmente à população, do que em qualquer outra capital; que há mais semáforos com temporizador do que em São Paulo e que o sistema de trânsito foi planejado recentemente levando em conta o fenômeno do crescimento das cidades médias e as mudanças de hábitos de uma população tipicamente rural. E que a mudança de hábitos é causada pelas transformações ocorridas nessas cidades, não pela inauguração de um shoping center.
A reportagem sobre o shoping acabou sendo apenas isso: uma curiosidade. Mas poderia ter sido uma oportunidade para mostrar aos brasileiros a gente que habita esse pedaço de terra que foi grudado ao território nacional pela vontade dos acrianos.
Observatório na TV
A falta de conhecimento sobre o que acontece ao norte de Minas Gerais é uma antiga falha da chamada grande imprensa brasileira. Por consequência, cidadãos do sul-sudeste seguem ignorando muito da riqueza cultural de sua terra. Quando chega à pauta da mídia de circulação nacional, a notícia ainda vem carregada de preconceitos. O cidadão comum das grandes capitais, cliente da imprensa tradicional, fica, dessa forma, impossibilitado de participar da formulação de uma ideia de país, e, consequentemente, de formar opinião sobre planos de governo e propostas de políticas públicas.
Parte desse lapso se deve também à ignorância sobre como funciona a imprensa regional, sobre como a concentração dos meios de comunicação estende sua influência dos grandes centros para as principais capitais do país.
O Observatório da Imprensa na TV visita o norte do país nesta terça-feira (20/12) para mostrar como é difícil fazer um jornalismo sério e independente nos lugares onde a propriedade cruzada dos meios de comunicação se combina com o domínio do poder político pela imprensa.
Alberto Dines foi a Belém (PA) entrevistar o jornalista Lúcio Flávio Pinto, editor do Jornal Pessoal, um periódico quase artesanal que busca levar aos paraenses aquilo que não ganha espaço na poderosa mídia local. Na conversa com Dines, Lúcio Flávio fala de questões ambientais e econômicas que afetam a região e de sua luta para conseguir manter o jornal em circulação.
As denúncias ganham espaço, mas cobram seu preço: o jornalista já recebeu diversas ameaças de morte e é feito refém por mais de trinta processos – muitos com características de litigância de má-fé. Sua rotina perigosa é a realidade para muitos outros jornalistas pelo Brasil afora.
É um programa instigante que mostra o outro lado da imprensa brasileira. O Observatório da Imprensa vai ar na terça-feira, às 22 horas, em cadeia nacional pela TV Brasil. Em São Paulo pelo canal 4 da Net e 116 da Sky.