No momento em que corifeus nos quatro cantos do mundo ensaiam as exéquias do jornalismo impresso, a iniciativa da Folha de S. Paulo em lançar um caderno semanal com os artigos e comentários do New York Times só pode ser festejada.
É um ato de coragem apostar no reforço de conteúdo no momento em que todos – jornais, revistas, consultores novidadeiros e corporações anquilosadas – apostam nas amenidades.
A iniciativa merece aplausos, mas é frustrante, não foi suficientemente avaliada. A página dupla diária que o Estado de S.Paulo durante anos reproduziu do Wall Street Journal foi desastrosa. Corpo estranho, autárquico, com os cacoetes americanos traduzidos para o vernáculo, repetia matérias das demais páginas do caderno de Economia e quando tratava do Brasil era simplesmente ridículo. Felizmente foi descontinuado. (O licenciamento agora passou para o Valor Econômico, que publica uma página diária do WSJ.)
A Folha sempre se imaginou em Manhattan, houve momentos em que a garotada (hoje provectos senhores e charmosas senhoras) esquecia que estava na Alameda Barão de Limeira, centro velho de São Paulo, e acreditava piamente estar em Times Square. Desta fase sobraram alguns maneirismos e um jargão doméstico tão arrevesado quanto o sotaque de Mangabeira Unger (aliás, cria da Casa).
Textos mornos
No anos 1980, quando na Folha incubava-se o ‘Projeto Folha‘, o paradigma era o USA Today, caricatura de jornalismo nacional, hoje reduzido à condição de jornal do viajante. Mas os consultores internacionais que atendiam à ANJ e hoje estão intoxicando o Estadão acreditavam que esta seria a tendência do jornalismo impresso do futuro. A Folha, felizmente, requalificou o seu paradigma.
É possível que muitos tenham se emocionado ao de ver lado a lado os logotipos do NYTimes e da Folha. O do El País seria mais apropriado. Melhor seria um caderno semanal com o melhor do melhor: textos do Guardian, Le Monde, La Reppublica, Frankfurter Allgemeine Zeitung, Washington Post, Crítica (Buenos Aires) e, naturalmente, o NYTimes devidamente customizados para o nosso público.
Os problemas que o Estadão enfrentou com o Wall Street Journal estão visíveis já nesta primeira edição. O caderno vem pronto, é intocável, editado por jornalistas que desconhecem as necessidades do leitor brasileiro, pensado para atender o público global – das Filipinas à Guatemala.
A cobertura da Folha do dia anterior (domingo, 2/11) sobre as eleições americanas, com o excelente trabalho do correspondente, enviados especiais e comentaristas convidados, foi mais palpitante, mais substanciosa e mais útil do que os textos mornos publicados dias antes. O editorial do NYTimes em apoio à candidatura de Obama foi parcialmente transcrito pela grande imprensa diária no dia da sua publicação, a integra só interessa aos especialistas que facilmente a obteriam no idioma original, via internet. Matérias sobre a artista brasileira Beatriz Milhazes vêm sendo publicadas há semanas (e melhor) pela imprensa brasileira.
De qualquer forma: longa vida aos que acreditam no jornalismo impresso de qualidade.
Leia também
Deu no New York Times – Luciano Martins Costa