Nos últimos dias, o mainstream da imprensa sobre a tragédia do Airbus em Congonhas, ocorrida em 17/7, tem repetido a idéia de que o comportamento correto adequado é esperar o resultado do relatório pericial referente às caixas-pretas – as legítimas, não aquilo (seja lá o que aquilo fosse) que os peritos da Aeronáutica levaram para ser periciado.
No entanto, pelo seu efetivo comportamento, parece que a cobertura da imprensa limitou-se a acompanhar o relatório da perícia que se faz e repetir as notícias a respeito da perícia: a caixa-preta, primeiro, mostra que o piloto não tentou arremeter o avião; depois, que o avião estava na pista a uma velocidade superior à adequada; ainda, e mais importante, que não é possível concluir se a falta de desaceleração se deveu à falha humana, falha mecânica, combinação das duas ou por eventual defeito na pista que pudesse existir.
Então, o comportamento da imprensa parece se restringir à repetição dos relatos parciais que vêm dos que acompanham os andamentos da perícia. A tal ponto que sumiu da imprensa qualquer menção às evidências mostradas pela própria imprensa nos dias que se seguiram ao desastre. Mostrou-se que, na antevéspera da tragédia, vários pilotos que aterrissaram na pista relataram para a torre de controle dificuldades em pousar devido à falta de aderência da pista. Na véspera do desastre, duas aeronaves deslizaram na pista, uma parando na grama, a outra conseguindo parar no final, muito depois do que seria normal. Novamente, houve relatos à torre de que a pista estava ‘dando trabalho’. Nos dias seguintes à tragédia, a imprensa falou muito do grooving das pistas de pouso – e praticamente cada órgão de imprensa tinha o seu próprio especialista em segurança aeroportuária para explicar o tal grooving.
Afoiteza e açodamento
Após esses dias, a imprensa passou a se comportar de maneira que parece que ela só poderia mencionar aquilo que o relatório sobre as caixas-pretas verdadeiras permitisse. A impressão é que a imprensa não só está em compasso de espera, aguardando o relatório, mas que, daqui para frente, a caixa-preta será tratada como se fosse tudo e o relatório a seu respeito como autoridade inquestionável e absoluta. Daqui para a frente, a imprensa se restringirá a acompanhar e repetir o relatório? No entanto, a caixa-preta trata do vôo, do pouso, das condições do pouso e do acidente estritamente, mas não abrange os antecedentes que sugerem que a tragédia não foi fortuita. A imprensa tem falado de tudo relacionado à tragédia e seu entorno (da demora na identificação dos corpos, das mudanças anunciadas referentes ao sistema aeroportuário, dos gestos de assessores, do desmoronamento da pista, da troca de ministro, de um novo aeroporto que se quer construir, de quem deve pagar indenização, de quem tem medo de avião etc.), exceto das causas que provocaram o desastre: sobre essas causas, só o relatório pode falar e qualquer enunciado fora do relatório parece ser especulação necessariamente inadequada e gravemente condenável, como se fosse sordidez tratar, por exemplo, daquelas evidências referentes aos dias que antecederam o desastre. A impressão que se tem é que, no mainstream da imprensa, o jornalismo foi abatido naquilo que deve ser sua índole talvez porque a imprensa queira evitar ser acusada de açodada ou de inconveniente.
Ter precaução, certamente, é mais do que correto, sempre imprescindível, mas – sem querer fazer, aqui, menção ao ditado que associa cautela a um tipo bastante conhecido de caldo – não dá para deixar de lembrar do estereótipo que apresenta como medrosas as galinhas.
O comportamento recente do mainstream da imprensa indica que ela própria passou recibo de ter sido açodada nos primeiros dias após a tragédia. Entre posição açodada, de um lado, e postura de galinha, de outro, certamente há outras atitudes possíveis. A melhor, conforme a índole que se deve esperar do jornalismo, é aquela que tanto evita a postura excessivamente acanhada quanto não confunde afoiteza com açodamento.
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Historiador e doutor em Filosofia, Campinas, SP