A Folha de S.Paulo acaba de criar um canal exclusivo para leitores que desejam fazer denúncias e sugerir investigações jornalísticas. O “wikileaks” da Folha chama-se, evidentemente, “Folhaleaks”.
O anúncio, feito na edição de domingo (18/9), informa que o sistema vi aceitar textos e arquivos de vídeo, fotografia e áudio. Os denunciantes precisam se identificar, com nome, endereço e email, mas têm a opção de receber ou não resposta do jornal sobre o andamento da investigação sugerida.
Também podem ter seu nome publicado ou escolher o anonimato, que, segundo esclarece o jornal, é assegurado pela Constituição quando necessário para garantir o direito à informação.
O preenchimento dos dados é rápido e fácil, assim como o sistema para anexar arquivos. Não há promessa de remuneração, mesmo que a colaboração resulte em uma série de reportagens que rendam prêmio, prestígio ou mesmo receita ao jornal.
Ferramenta útil
A Folha também não se compromete a esclarecer se aproveitou a denúncia, nem informar sobre o andamento e possível conclusão das investigações, ou se publicará ou não uma reportagem resultante da sugestão.
Segundo o editor-executivo do jornal paulista, Sérgio Dávila, “o Folhaleaks foi criado para ampliar o acesso da sociedade a informações relevantes, estreitando ainda mais a relação dos leitores com a produção de reportagens de interesse público”. O recebimento das sugestões é confirmado por um número de identificação.
Na manhã de segunda-feira (19) já havia mais de 1350 denúncias cadastradas, o que indica o volume potencial de pautas que os profissionais do jornal terão que avaliar. Se for mantida a média do lançamento, será preciso montar uma equipe especial para fazer a primeira triagem das colaborações.
A direção da Folha não divulgou informação alguma sobre o eventual aumento no número de profissionais em sua Redação para atender a demanda de reportagens que deverá ser criada pelo novo instrumento.
Como ferramenta de marketing, o sucesso parece garantido.
Temas do leitorado
A rigor, a iniciativa da Folha de S.Paulo trata apenas de reorganizar e estimular um canal que a maioria dos jornais já possui para o relacionamento com os leitores. O jornal O Povo, do Ceará, tem há quase duas décadas um conselho de leitores, que indica pautas e acompanha seu desenvolvimento – o que inclui não apenas denúncias, mas também indicações de outros assuntos de interesse comunitário.
No caso da Folha, o próprio enunciado do projeto induz à produção de vazamentos, como no Wikileaks, que o inspira. A direção do jornal deveria esclarecer como vai conciliar certas iniciativas de leitores com o dever do sigilo, presente em muitos casos de servidores públicos.
Seria interessante se o jornal paulista publicasse, de tempos em tempos, um balanço das sugestões recebidas, informando o público sobre o número e a natureza das denúncias e a porcentagem delas que teria algum potencial de se transformar em reportagem. Essa estatística poderia indicar também os órgãos públicos campeões de denúncias, contribuindo para a correção de desvios, que, afinal, deve ser o objetivo principal dos denunciantes.
Também é preciso levar em conta que, como o leitor comum não costuma ter acesso a grandes esquemas, o que deve proliferar no Folhaleaks serão casos menores, que, no entanto, se observados em conjunto, podem estimular investigações importantes.
É de se esperar que impere a responsabilidade jornalística, mas ninguém garante que o jornal não acabe vazando, por exemplo, trecho de inquérito ainda sigiloso, prejudicando o resultado de investigações oficiais importantes.
No ambiente de desconfianças criado pelo intenso noticiário sobre corrupção e com a atual sucessão de denúncias contra agentes do governo, evidentemente o Folhaleaks vai servir essencialmente para a captação de indícios, que podem ou não virar reportagem segundo os mesmos critérios utilizados até aqui pela imprensa.
No fim das contas, o mesmo jornalista que hoje seleciona, entre as fontes tradicionais, o que vai virar notícia, é que irá se responsabilizar por trazer a público ou não os temas levantados pelos leitores.
Aí é que mora o perigo.