Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O caso El País e a reinvenção do jornalismo

Foto: Kstudio/Freepik

O fechamento da edição brasileira do jornal espanhol El País recoloca em evidência a inevitabilidade de uma reinvenção do jornalismo e reforça os indícios de que a revisão do modelo atual da imprensa precisa começar pela recuperação das publicações locais na maioria das cidades no Brasil e no mundo.

O fim do El País brasileiro mostra como jornais enfrentam uma enorme dificuldade para lidar com um dilema criado pela internet e que poderia ser comparado a uma moeda com duas faces: apostar no leitor como sua principal sustentação financeira, após décadas de dependência da publicidade paga e, simultaneamente, conquistar a confiança deste mesmo leitor ao colocá-lo no centro de uma nova agenda noticiosa após anos de tratamento periférico.

O jornal espanhol não é o primeiro e não será o último a passar por este tipo de calvário financeiro e editorial, causado pela crise do modelo de imprensa surgido no século XIX. A quase totalidade dos grandes títulos incorporados ao cemitério da imprensa mundial teve como causa mortis, problemas financeiros e gerenciais. O lado empresarial falou mais alto do que a preocupação com a diversidade informativa e com as necessidades dos leitores, ouvintes e telespectadores.

A enorme dificuldade de lidar com a dicotomia finanças/notícia está debilitando gradualmente os grandes jornais no Brasil e no resto do mundo, empurrando-os para uma armadilha, geralmente fatal: demitir jornalistas para enfrentar a queda de receita. Na prática, isto empurra a empresa para os braços de investidores financeiros. Como a imprensa deixou de ser uma máquina de produzir dinheiro, os novos controladores dos grandes conglomerados promovem uma desidratação radical dos jornais controlados por eles antes de transformá-los em sucata, onde só os bens imóveis têm algum valor financeiro.
O grupo El Pais foi comprado pelo conglomerado financeiro Vivendi, francês, que ao perceber que a edição brasileira do jornal espanhol não dava lucro resolveu simplesmente desfazer-se dela.

A grande pergunta

Sumarissimamente, este é o roteiro já enfrentado por jornais centenários, nos Estados Unidos e Europa. Os problemas financeiros que levaram e ainda estão levando os antigos donos de grandes jornais a vender suas empresas não têm solução prática à vista, salvo para casos como The New York Times, The Guardian, O Globo e mais uma dúzia de títulos hegemônicos em seus respectivos países. Para os demais jornais, o futuro é sombrio, num contexto em que a notícia jornalística se torna um serviço cada vez mais essencial a um público carente de informações confiáveis em meio ao caos de internet.

Isto nos leva à pergunta: Se o jornalismo continuar dependendo dos grandes títulos, como conseguirá sobreviver à crise que só nos Estados Unidos já fechou 1.800 jornais impressos?

A resposta mobiliza centenas de pesquisadores, em sua maioria autônomos, em todo mundo, cujos trabalhos apontam cada vez mais na direção de uma revitalização do jornalismo local e hiper local através de uma estratégia que logre vincular finanças e agenda cidadã numa única preocupação editorial. A nova conjuntura informativa criada pela internet torna a fidelização do leitor através da agenda de notícias um item essencial à sustentabilidade econômica de um empreendimento jornalístico.
A agenda dos grandes jornais está basicamente vinculada a dois segmentos da elite político-empresarial do país: o setor financeiro e corporativo que tem o dinheiro que a imprensa precisa para tentar sobreviver à crise gerada pela digitalização; e o setor político/governamental, um velho aliado dos grandes grupos midiáticos e que garante uma estratégica participação na tomada de grandes decisões.

O local como aposta na reinvenção do jornalismo

É fácil perceber que o público comum tem um lugar periférico nesta agenda, porque seus interesses são outros e esta é uma das razões que causaram a migração de leitores para a internet. A multiplicação dos chamados “desertos informativos” (cidades sem nenhum jornal) cria uma demanda por notícias confiáveis que só iniciativas locais podem atender, porque os grandes jornais só pensam na sua sobrevivência.

Neste contexto, ganha corpo a ideia de que o jornalismo local é a alternativa mais eficiente para restabelecer uma relação de confiança mútua com o leitor através de uma agenda de notícias baseada prioritariamente nos interesses e necessidades expressos diretamente pelo público. Este engajamento recíproco servirá também de base para que as pessoas comuns se transformem nas principais responsáveis pela sustentabilidade financeira de um empreendimento jornalístico local.

Trata-se de reiniciar a relação individuo/jornalismo a partir de identidades, conhecimentos e relações locais que servirão de base para a exploração de soluções específicas de cada comunidade. A proximidade social e geográfica das pequenas e médias cidades favorece este tipo de relação, a partir da qual será possível gerar um acúmulo do experiências que servirão para reinventar o jornalismo também a nível regional e nacional. É essencialmente uma reinserção do jornalismo no cotidiano das pessoas.

Mas, para que isto possa acontecer, os projetos jornalísticos locais e hiper locais (focados em bairros ou até em ruas) precisam assumir uma nova postura diante dos leitores. A velha atitude do jornalista que acredita saber o que é bom para as pessoas não tem mais sentido, porque a realidade ficou complexa demais para alguém achar que tem respostas para todos os problemas de uma cidade. A atitude adequada agora é a de uma parceria entre profissionais e o público. Uma parceria com duas caras indissociáveis: uma financeira porque a população será a responsável principal por qualquer projeto de jornalismo voltado ao atendimento desta mesma população; e outra informativa, porque o jornalista dificilmente poderá atender sozinho toda a demanda noticiosa de uma comunidade, mesmo pequena.

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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.