A Caravana do Jornal Nacional percorre o Brasil com a pretensa justificativa de levar ao telejornal de horário nobre as aspirações e expectativas do povo brasileiro, às vésperas de novas eleições. No fundo, nada que uma boa reportagem não pudesse fazer. E melhor.
Correspondentes internacionais da própria emissora têm feito muito mais, com muito menos aparato e em cenários verdadeiramente hostis, como Líbano, Iraque ou Afeganistão. As entradas de Marcos Uchoa – de Londres, do Oriente Médio ou qualquer lugar do mundo – são sempre um exemplo de boa apuração de uma notícia, boa análise de conjuntura e articulação dos fatos apurados e seus possíveis desdobramentos políticos, econômicos, sociais e históricos. Seu texto é bom, sem digressões ou perorações inócuas, tem conteúdo, é completo, informa, esclarece e ainda estimula reflexões posteriores. O próprio Pedro Bial sabia ser assim, mas depois de virar âncora do Big Brother parece ter incorporado de vez o estilo galã-da-notícia. Lamentavelmente, a gente sabe que ele é capaz de fazer melhor que cobrir-se com um chapéu de Padim Ciço e conclamar a platéia, ao fundo, a acenar para Fátima Bernardes, no estúdio do JN.
Bial e Fátima, a propósito, dividem o show com o apresentador Willian Bonner que se alterna com a esposa-âncora em deslocamentos semanais pelo país. O trio talvez seja o mais carismático do telejornalismo brasileiro, atualmente. Por isso, deve ter sido escolhido a dedo para a missão – sem qualquer demérito à qualidade profissional de cada um. A valorização do carisma individual e da bela imagem dos apresentadores de telejornal, até em detrimento da qualidade da informação ou do jornalista, já foi tema de filme hollywoodiano, Nos bastidores da notícia (‘Broadcast News’, 1987, direção de James L. Brooks).
Falta o pão
Mas o mundo gira e a Caravana JN passa. E, a cada escala, parece reunir uma platéia mais numerosa. A chegada do telejornal mambembe é anunciada antecipadamente, pelas emissoras afiliadas da rede em cada região. A estratégia repete a fórmula utilizada pelos tradicionais circos, que percorriam o interior do país no século passado e que hoje, segundo a avaliação de muitos, perdeu espaço justamente para a televisão. Aliás, este é o tema de um outro filme importante: Bye bye, Brazil! (1979, direção de Cacá Diegues).
Casa cheia, espetáculo garantido. Gente querendo aparecer é o que não falta. Cartazes levantados na multidão repetem o estilo do bordão dos estádios, o já clássico ‘Filma eu, Galvão!’ (A TV nunca mostra, mas também já proliferam os ‘Cala a boca, Galvão!’). Não deve faltar muito (se é que eu já não perdi essa) para nascer mais uma figurinha fácil nas transmissões ao vivo da Globo: o ‘Filma eu, Bonner!’
Espremido ainda, ultimamente, pelo horário eleitoral gratuito, já imperam no JN uma pauta restrita e uma abordagem sinótica e superficial da notícia. É sabido que profundidade nunca foi a tônica do JN, mas, com um tempo significativo sendo roubado para entradas ao vivo da Caravana JN, a sensação é de que a perda é ainda maior. Nesse cenário, em que a notícia é mais espetáculo do que informação, o JN se assemelha muito a um circo mambembe. O ibope justifica os meios. E o jornalismo, cada vez mais, está virando um espetáculo. Será culpa da novela, que, em contrapartida, está cada vez mais imiscuída de ‘páginas da vida’ real?
Mas o que é mesmo que o eleitor brasileiro quer, pão e circo? Parece que só está faltando o pão.
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Jornalista, escritor e dramaturgo, Belo Horizonte