Fala-se em precarização da profissão. E a precarização é verdadeira. Jornalista, hoje, deve ser repórter, editor, cinegrafista, social media; enfim, um agente multimídia. Mas nossos profissionais têm desempenhado bem este papel. Apesar das circunstâncias, os veículos de comunicação sobrevivem, buscam novas receitas. Sempre haverá trabalho para jornalistas que não param e não esperam: os resilientes.
Em janeiro de 2016, Porto Alegre (RS) foi acometida por um temporal inédito. Tetos de shoppings sucumbiram, casas destelhadas, milhares de desabrigados. Os especialistas não chegaram a um consenso sobre o fenômeno. Fato é que a população ficou assustada com o que viu. A repercussão, como sempre, ficou a cargo dos veículos de comunicação num horário noturno, quando as redações costumam estar esvaziadas.
A tempestade começou à noite, quando normalmente as prensas já estão trabalhando, os programas de rádio são mornos e os repórteres de TV, em número reduzido, aguardam ocorrências menos dramáticas. Na madrugada, todavia, brotou na comunidade jornalística o seu senso da responsabilidade pela informação. Especialmente nas rádios, a cobertura foi completa.
Repórteres esportivos largaram o mundo da bola para falar sobre os estragos. A sonolenta programação radiofônica foi substituída pelo dinamismo de inúmeras inserções, todas compromissadas com a comunicação. No ar, os microfones foram abertos a cidadãos preocupados, que alertavam a respeito das vias mais afetadas. “Não vá por aqui, pois há árvores caídas na vida”. “A chuva tomou a avenida tal”. Esta colaboração é típica em momentos de necessidade.
Jornalistas orientaram a população
Os cidadãos, no entanto, eram apenas linhas soltas entre o impacto da tempestade. A obrigação de informar é dos jornalistas. Naquele dia, repórteres em folga saíram de suas casas a fim de comunicar a situação caótica da cidade. Na Rádio Bandeirantes de Porto Alegre, por exemplo, o jornalista Diego de Casagrande largou o lazer, pegou o seu carro e andou pelos logradouros da cidade reportando o que via. Um trabalho imprescindível num momento difícil.
Os jornalistas ganharam mais ou menos dinheiro por esse compromisso? Não sei informar. Ganharam carga horária pelo trabalho a mais desempenhado? Igualmente, não sei. Sei, todavia, que a missão formar, informar e entreter – os princípios basilares da imprensa – foi cumprida à risca. Certamente, os depoimentos de repórteres não escalados para trabalho naquela noite contribuíram para que a tragédia tivesse seus efeitos atenuados.
Fala-se em precarização da profissão? OK, mas jamais se pode falar da luta diária dos jornalistas para levar informação correta e credível às pessoas. Numa noite escura, que precedeu quase dois dias sem luz em Porto Alegre, o rádio foi o melhor amigo de indivíduos desamparados pela forte chuva. Nos dias seguintes, outros meios de comunicação igualmente forneceram informações necessárias à orientação da população.
Em suma, jornalismo é isso: ser multimídia. É chegar aos 100% e ver que, pelo benefício da sociedade, pode-se dar um pouquinho mais. Tamanha sensação de bem-estar… não há dinheiro no mundo que pague. Uma tempestade vem, outra vai. Não há como prever. Previsível é a vontade de jornalistas em prestar um serviço. Aí está o mais importante fundamento da profissão.
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Gabriel Bocorny Guidotti é jornalista