O nome do caderno ‘Cotidiano’, da Folha de S.Paulo, se confunde com a manchete na capa: ‘De novo, a chuva – 271 mortos (e vai aumentar)’. Segundo os jornais de quinta-feira (13/1), a tragédia na região serrana do estado do Rio provocou o maior número de vítimas fatais em um só dia no país nos últimos 44 anos.
Os números oficiais não pararam de crescer depois do fechamento das edições de papel, o que torna os relatos ainda mais dramáticos, pela continuidade na busca de dezenas de pessoas soterradas que ainda poderiam ser salvas.
Na televisão, a tragédia surpreendeu os editores dos noticiários de quarta-feira, no horário do almoço. Os apresentadores dos telejornais foram informados da gravidade dos acontecimentos em Teresópolis praticamente ao mesmo tempo que seus telespectadores, na medida em que os repórteres caminhavam pelas ruas devastadas e iam encontrando pelo caminho moradores que tentavam fugir da área atingida.
As emissoras estavam ocupadas em retratar o que havia acontecido em Nova Friburgo quando ficou claro que os danos haviam sido ainda mais graves em Teresópolis.
Tudo como dantes
Mesmo com os meios mais modernos de comunicação, não havia como descrever a extensão dos acontecimentos.
Ao longo da tarde e até a edição dos telejornais noturnos, os sites noticiosos foram girando seus contadores de mortos, conforme equipes de resgate conseguiam avaliar os estragos. Ao mesmo tempo, as emissoras procuravam cobrir uma festa na sede do Flamengo, para a recepção do jogador Ronaldinho Gaucho. Mas a essa altura não havia mais clima para celebrações: outra vez as chuvas de verão encontravam a imprevidência humana para produzir sofrimento.
Nos jornais de quinta-feira (13), as tentativas de explicação repetem os textos de outros episódios: choveu mais do que a média do período, o desmatamento torna mais frágeis as encostas, o poder municipal não fiscaliza, os proprietários constroem em locais inadequados. Tudo remete, como todos os anos, ao bordão da tragédia anunciada, e fica a impressão de que tudo são fatalidades.
O radar dos jornais rastreia o cenário em busca de responsáveis. Mas sabemos todos que, depois de enterrados os mortos, tudo continuará como antes.
Editoria de enchentes
No dia da tragédia, quarta-feira (12), a manchete principal do Globo dizia: ‘Economia do Rio cresce acima da média do país’ e o noticiário sobre danos causados pelas chuvas vinha de São Paulo, mas já havia o registro de duas mortes em Nova Friburgo.
Não se pode dizer que a imprensa estava despreparada. Há muito tempo se diz em tom de anedota, nas redações, que o verão é o tempo de ativar a ‘editoria de enchentes’. Em São Paulo, fotógrafos e cinegrafistas já têm como rotina postar suas câmeras nos viadutos que atravessam as marginais do rio Tietê, para fazer a crônica dos carros boiando e dos motoristas desesperados.
O que se pode dizer, ainda, de catástrofes que se repetem, previsíveis como dias santos no calendário, sob o ponto de vista da imprensa?
Primeiro, que desta vez o eventual sucesso administrativo de governadores e prefeitos, apregoado pelos jornais, não os exime da responsabilidade pela falta de obras adequadas e pelo corte de recursos destinados a ações preventivas contra desastres naturais. Desta vez, pelo menos, não se vê a mera repetição de dados pluviométricos, como se o volume das chuvas, por si só, fosse explicação suficiente para os danos que provocam.
Se as cidades não são preparadas para as chuvas que caem todos os verões – por mais intensas que tenham se tornado em função das mudanças climáticas – é preciso rever estratégias. Se os projetos urbanos são inadequados, cabe à imprensa buscar e divulgar alternativas, como aconteceu, embora timidamente, quando o município de São Paulo decidiu ampliar as pistas da Marginal Tietê, contra a opinião de ambientalistas, arquitetos e engenheiros especializados. Alguns jornais criticaram o projeto, a obra foi feita assim mesmo e agora a imprensa afirma que a nova pista contribui para acelerar a inundação.
Diante do fato consumado, restam alguns desafios para a imprensa.
É preciso denunciar os desvios de verba, os projetos mal feitos, as escolhas que priorizam o transporte individual e só fazem aumentar o asfaltamento das ruas. Com vigor, independentemente do partido a que pertence o governante. É preciso questionar, por exemplo, se o dinheiro gasto com dragas para aumentar a calha do Tietê não seria mais bem utilizado em obras que impeçam o assoreamento dos rios.
Pode-se fazer muito com a informação. Muito mais do que simplesmente relatar os dramas das vítimas.