Tratado como uma ameaça à segurança nacional pelo governo dos EUA, o vazamento de documentos secretos pelo site WikiLeaks não pode limitar a liberdade de expressão no país. A conclusão é de quatro especialistas das áreas jurídica, de defesa e de política exterior consultados pelo Estado de S.Paulo.
Em sintonia, todos reconheceram que o episódio inaugurou uma nova série de dificuldades para as democracias, sobretudo a americana, manterem informações sensíveis sob sigilo sem coibir a liberdade de imprensa. Nos EUA, ela é uma garantia protegida pela Primeira Emenda da Constituição e tratada com deferência e orgulho.
O texto expressa a proibição de formular leis para cercear a livre expressão e o trabalho da imprensa. Diante do vazamento dos 251 mil telegramas diplomáticos, há duas semanas, o Departamento de Estado definiu o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, como um ‘criminoso’ e ‘anarquista’. No entanto, isentou de culpa os veículos de mídia que receberam o material do site em primeira mão.
‘Nada do que ocorreu muda a importância que atribuímos à liberdade de imprensa. A existência de uma imprensa vibrante é vital para qualquer democracia’, afirmou Philip Crowley, porta-voz do Departamento de Estado.
Arsenal inexistente
Responsável pela defesa jurídica do jornal The New York Times na época da publicação dos Papéis do Pentágono, nos anos 70, o jurista Floyd Abrams teme que a Primeira Emenda não seja suficiente para impedir ações legais do governo contra Assange ou para conter futuras ameaças legais ao trabalho da imprensa.
Em sua opinião, ‘perigosos limites’ à atividade jornalística podem surgir em função de pressupostos de segurança nacional e de direito à privacidade. ‘Esse é um interessante caso de liberdade de expressão, porém significa uma potencial ameaça à segurança nacional dos EUA’, disse.
‘Se os EUA processarem Assange, será uma controvérsia e novas regras podem surgir para ameaçar a imprensa americana’, disse Abrams. O jurista avalia que a responsabilidade maior deverá recair sobre o autor da entrega dos telegramas para o WikiLeaks, supostamente um funcionário público – a culpa tem sido atribuída ao soldado Bradley Manning.
Allen Weiner, diretor do Programa de Direito Internacional e Comparado da Universidade Stanford, acredita que o centro da discussão é o roubo. ‘Esse caso não é de Primeira Emenda, é um caso de roubo de informação do governo americano. É o mesmo que alguém entrar na sua casa, roubar um vídeo com imagens embaraçosas e entregá-lo a sites jornalísticos da internet.’
Lawrence Korb, especialista em política internacional do Centro para o Progresso Americano, defende a divulgação de qualquer segredo oficial. Como referência, menciona a invasão ao Iraque, em 2003, que teve como base a necessidade de eliminar um arsenal de armas de destruição em massa, que nunca foi encontrado pelo Exército americano. Posteriormente, essas ‘provas’ acabaram desmentidas.
Pela divulgação
A criação de concorrentes do WikiLeaks, sob seu ponto de vista, é oportuna e bem-vinda. Pelo menos mais dois sites do gênero já entraram em operação. Dedicado ao vazamento de informações secretas da União Europeia, o OpenLeaks foi fundado pelo alemão Daniel Domscheit-Berg, ex-companheiro de Assange no WikiLeaks. Em Nova York, o arquiteto John Young criou o Cryptome.
‘O direito dos cidadãos de saber como, onde e porque os EUA empregam suas forças é fundamental’, defendeu Korb.
William Hartung, especialista da área de segurança da Fundação Nova América, ressalta a dificuldade de o governo americano controlar as informações. Mas defende a divulgação. ‘De qualquer maneira, a divulgação faz mais sentido do que a restrição’, afirmou.