Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O desafio de ser um jornal independente na Rússia

Em outubro, poucos dias após o assassinato da jornalista Anna Politkovskaya, o editor do Novaya Gazeta, onde ela trabalhava, convocou sua equipe para uma reunião, quando sugeriu que o jornal fosse fechado. ‘Eu senti que nenhuma profissão valia a morte’, conta Dmitry Muratov.


A Rússia é um dos países mais perigosos para o trabalho de um jornalista. E o Novaya Gazeta é o jornal mais perigoso para se trabalhar na Rússia. Nos últimos seis anos, foram três repórteres mortos. Igor Domnikov foi atingido com um martelo, Yuri Shchekochikhin teve uma reação alérgica supostamente causada por veneno, e Anna foi executada a tiros no elevador do edifício onde morava, em Moscou.


O Novaya Gazeta é um tablóide que se especializou em investigar as partes obscuras do governo do presidente Vladimir Putin. Por anos, quando ainda era possível um pouco de liberdade, denunciou amplamente falhas governamentais, crimes corporativos e abusos dos direitos humanos. Com Putin no poder e o Kremlin e seus aliados tomando conta de boa parte da imprensa, tais temas se tornaram um tabu – e escrever sobre eles, uma atitude arriscada.


Ameaças


Além dos profissionais do Novaya, outros críticos de Putin também tiveram finais misteriosos. Recentemente, chamou atenção da imprensa mundial a morte, em Londres, do ex-espião da KGB Alexander Litvinenko, por suposto envenenamento. Antes de morrer, o ex-agente acusou Putin pelo crime. O governo russo colocou panos quentes na acusação. Fato é que não há provas concretas do envolvimento do Kremlin nas mortes de Litvinenko e dos jornalistas.


Ainda assim, não são muitos os que acham que vale arriscar suas vidas. Aos poucos, as vozes dissidentes somem: assassinadas, exiladas ou intimidadas demais para falar. O Novaya Gazeta é um dos últimos veículos que ainda tentam manter um discurso livre na Rússia – o que rendeu ao jornal, ao longo dos anos, a admiração de importantes personagens ocidentais. Em visita a Moscou em outubro, a secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, convidou os editores a seu hotel. ‘Eu quero que vocês saibam que não estão sozinhos em sua luta’, disse no encontro.


O passado do Novaya Gazeta não é livre de manchas. Como a grande maioria dos jornais russos, o título já publicou artigos pagos por influentes políticos e empresários, dizem alguns de seus ex-funcionários. Hoje, entretanto, seu maior medo é se tornar irrelevante. A estridente linha antigoverno adotada pelo jornal o afasta das massas e dos ricos. Este é o desafio: atingir as pessoas.


É por esta razão que a equipe de Muratov não concordou em fechar o Novaya após a morte de Anna. O editor, por sua vez, continua temeroso pelas vidas de seus cem subordinados. ‘Fico pensando: quem é o próximo?’, diz. Há duas semanas, o jornal anunciou que dois de seus mais antigos repórteres receberam ameaças de morte.


Novo jornal


O Novaya Gazeta, cujo nome significa ‘novo jornal’, foi formado em 1993 por um grupo de 30 jornalistas saídos do Komsomolskaya Pravda, que por algumas temporadas foi o título de maior circulação da Rússia. Parte do sucesso inicial do Novaya foi resultado do apoio do ex-líder soviético Mikhail Gorbachev. Ele doou o dinheiro recebido pelo Prêmio Nobel da Paz para comprar os primeiros computadores do jornal e ainda pagou os salários dos funcionários. O apoio dos anunciantes, entretanto – afastados pela baixa circulação –, não foi tão positivo, e em 1995 o Novaya foi fechado brevemente por duas vezes por falta de verbas.


Desde o início, o jornal apostou em uma linha editorial independente – o que mereceu o respeito nos círculos jornalísticos e aumentou as vendas. Mas conta-se que, para conseguir manter-se politicamente neutro, ele precisou, em certo momento, apelar para uma prática endêmica na mídia russa: publicar artigos pagos em forma de notícias. Muratov, que não gosta de falar no assunto, diz apenas que nunca publicou nada que fosse contra a política editorial.


O governo de Putin foi, desde o início, amplamente investigado e criticado. As acusações, na verdade, tiveram início quando o presidente ainda era vice-prefeito de São Petersburgo, no início da década de 1990. Com Putin no Kremlin, o jornalismo russo viu sua liberdade deteriorar. Empresas ligadas ao governo passaram a comprar canais de TV e jornais e a controlar o tom da cobertura noticiosa.


O Novaya conseguiu sobreviver apenas porque pertencia aos próprios funcionários. Com a morte de três deles nos últimos anos, o jornal foi ganhando destaque por sua luta pelo jornalismo independente. O assassinato de Anna, uma das mais conhecidas repórteres investigativas do país, causou revolta e chamou a atenção da imprensa mundial. Anna tinha 48 anos e foi a 13ª jornalista assassinada desde que Putin subiu ao poder, em 2000. Informações de Guy Chazan [The Wall Street Journal, 8/12/06].