Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

O desafio do equilíbrio na cobertura da crise

Um Natal mais caro, depois da loucura dos últimos dias no mercado financeiro, pode parecer ate uma perspectiva tolerável. O contágio da economia brasileira pela crise internacional pode ir muito além do espetáculo do Ibovespa despencando 15% numa manhã de segunda-feira. Se os preços das commodities caírem muito e o comércio internacional se retrair, a conta para o Brasil poderá incluir uma severa retração do crescimento e um perigo aumento do déficit em conta corrente do balanço de pagamentos.


O susto do último fim de semana e da segunda-feira (6/10) já deu trabalho suficiente para os jornais brasileiros. Se os governos do mundo rico não forem capazes de agir de forma coordenada e com maior audácia – especialmente na Europa –, a pauta dos próximos meses será determinada, como é fácil prever, por notícias bem mais tristes que o encarecimento do bacalhau, das avelãs e das nozes.


Nas últimas semanas, no entanto, pauteiros andaram exagerando no espírito natalino e nas especulações sobre inflação. Pipocaram matérias sobre um Natal mais caro e sobre o efeito inflacionário da alta dólar. Um pouco mais de cuidado seria bem-vindo. Não cabe aos meios de comunicação funcionar como pontas de lança da remarcação de preços.


É cedo para dizer como ficarão os preços no fim do ano. Não se consomem só produtos importados na época de Festas. Além disso, falta saber como produtores, comerciantes e consumidores vão se comportar diante das novas pressões e incertezas causadas pela turbulência internacional. Se o agravamento da crise financeira criar uma onda de insegurança entre empresários e trabalhadores, todo o cenário econômico poderá mudar com rapidez.


Crédito agrícola, financiamento à exportação


Por enquanto, a inflação continua razoavelmente contida. Preços de alimentos caíram, depois de meses de alta. Os analistas baixaram suas previsões para este e para o próximo ano. É difícil prever como vão evoluir as cotações internacionais dos produtos agrícolas e de outras commodities quando a oscilação nos mercados diminuir e o cenário ficar menos instável – se é que isso vai ocorrer no curto prazo. Na melhor hipótese, muitos especialistas apostam em preços mais baixos que os dos últimos meses, mas superiores à média dos cinco anos anteriores.


Até aqui, a economia brasileira atravessou sem grandes danos a crise financeira internacional, mas alguns efeitos, no setor produtivo, já foram apontados pela imprensa. O crédito externo tornou-se escasso e mais caro porque os bancos estrangeiros estão operando com maior cautela e dando prioridade à segurança. Os bancos nacionais têm seguido a onda. Faltaram recursos para financiar as exportações. Além disso, produtores agrícolas apontaram atrasos na liberação de crédito para o plantio. Os bancos nacionais têm seguido a onda. O Banco Central (BC) reagiu com rapidez, liberou parte dos depósitos compulsórios e injetou dinheiro no mercado.


Os grandes jornais mencionaram essas dificuldades, mas deram mais atenção às promessas de providências oficiais do que às histórias contadas pelos industriais e agricultores. No dia 1º de outubro, uma quarta-feira, os problemas de financiamento ganharam um raro espaço nas primeiras páginas. ‘Empresas pagam caro por recursos escassos’, noticiou o Valor em manchete. O Estado de S. Paulo abriu a edição com um anúncio oficial: ‘Safra, exportação e BNDES terão mais verbas, diz governo’. A Folha de S.Paulo limitou-se a uma chamada de uma coluna, abaixo da dobra: ‘Brasil estuda ajuda do Tesouro a exportadores’. A Gazeta Mercantil também pôs o assunto na posição principal: ‘Agora, bancos negam crédito a agricultores’.


Todas essas matérias foram oportunas e importantes, mas a descrição mais viva dos problemas apareceu nas entrevistas dos empresários em busca de recursos. Dado especialmente relevante: gente de peso, acostumada a conseguir dinheiro sem muita dificuldade, estava encontrando dificuldade para arranjar crédito. Valeria a pena dar atenção especial aos problemas de financiamento da exportação e ao atraso no crédito para plantio da safra de verão de 2008-2009.


A produção agrícola é essencial não só para o abastecimento interno, mas também para a geração do superávit comercial. O problema do crédito para o plantio coincide em parte, portanto, com o do financiamento à exportação – especialmente quando o déficit em transações correntes cresce com rapidez. Faz muito mais sentido cobrir esses temas com atenção do que discutir abstratamente como a crise pode atingir o Brasil. Já está atingindo, como até o governo começa a reconhecer, embora com certa relutância.


Promessas e iniciativas do governo


Mas a crise afetou empresas brasileiras também de uma forma surpreendente. Algumas grandes indústrias, como a Aracruz e a Sadia, acusaram perdas por causa da alta do dólar. As duas têm tamanho suficiente para assimilar esse impacto e o principal efeito de seus comunicados, portanto, foi uma queda de cotação nas bolsas. Jornais deram algum destaque ao assunto.


No sábado (4/10), o noticiário sobre a Aracruz mereceu chamada na primeira página da Folha de S.Paulo. O Globo deu manchete sobre essas e outras perdas de várias empresas. O Estadão dedicou bom espaço interno à Aracruz. Mas nenhuma boa reportagem, pelo menos até sábado, explorou o lado mais interessante do assunto. O erro foi cometido, nessas e talvez noutras empresas, por administradores financeiros experientes, bem preparados e provavelmente inteligentes. Como pode ter ocorrido?


Até o sábado, a maior parte dos jornais também se limitou a citar declarações do ministro da Fazenda Guido Mantega sobre ‘uso criativo’ de reservas cambiais para reforçar o crédito. Que ‘uso criativo’? Segundo matéria do Estadão, as ‘idéias em estudo’ tinham apoio ‘dos ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior’, mas ‘ainda’ não agradavam ao Banco Central. No ano passado, seria oportuno lembrar, Mantega propôs o uso de reservas para a formação de um fundo soberano e a sugestão foi liquidada pelo presidente do BC, Henrique Meirelles. De fato, seria necessário mudar a lei para se dar essa destinação a reservas, mas o assunto morreu antes disso.


Quanto ao uso de reservas para compensar a redução do crédito internacional, já foi admitido por Meirelles. Mantega pretenderia algo mais?


De modo geral, os jornais cobriram bem a movimentação nas bolsas nacionais e estrangeiras e a trajetória difícil do pacote de ajuda aos bancos proposto pelo Executivo americano e aprovado, afinal, no dia 3 (sexta-feira). No Brasil, poderiam ter dado mais atenção ao setor empresarial e coberto de modo menos passivo as declarações, promessas e iniciativas do governo federal, cobrando informações mais precisas e submetendo as propostas a uma discussão maior.

******

Jornalista