Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O destino de Lula, o show de Duda e o vício do aspismo

Está certo que política é palavra. Saliva, gostava de dizer um dos pais da matéria, o doutor Ulysses Guimarães. Gogó, se vangloriava o professor Fernando Henrique. Está certo também que, quanto mais a política embica para a crise, mais a mídia tem a obrigação de contar ao público o que os políticos falam.

O problema é que, desde que Duda Mendonça depositou de vez o escândalo na soleira do Palácio do Planalto, com a história de como teria sido pago pelos seus serviços ao PT na campanha de 2002, parece haver aumentado exponencialmente nos jornais o espaço ocupado por declarações for the record de políticos sobre o lameiro.

Mas o que os políticos dizem para ser divulgado pode ser qualquer coisa entre o que pensam de verdade e o que querem que se ache que eles pensam. Se é de rigor publicar as aspas de pelo menos os principais entre eles, isso não exime a mídia de ir atrás do que dizem uns aos outros a portas fechadas – as palavras que, como é próprio da política, dão corpo às suas iniciativas e expressam as suas articulações.

Em relação a isso, a dívida da mídia está ficando impagável. Na hora em que o termo impeachment saiu da clandestinidade e caiu na boca do povo, o leitor sabe muito pouco do que os políticos estão fazendo de verdade para preparar, atrasar ou impedir a instalação da guilhotina que 13 anos atrás decapitou o collorido – e quais são os cálculos de conveniência embutidos em cada alternativa.

À falta de reportagens quentes a respeito, o leitorado precisa socorrer-se junto aos colunistas políticos. Ainda bem que no domingo (14/8) Tereza Cruvinel, Merval Pereira e Miriam Leitão, todos do Globo, tinham a oferecer fatos e análises de gente grande.

De seu lado, na pele de repórter e olhando pelo retrovisor, o colunista Josias de Souza, da Folha de S.Paulo, ofereceu uma preciosidade: a frase que, segundo uma testemunha, Lula teria dito em maio de 2000, numa reunião de petistas, depois de ouvir que a operação que ele gostaria de ver montada para daí a dois anos, com Duda na cabeça, não existiria ‘sem dinheiro’. Lula mandou fazer ‘o que fosse necessário’.

Versão mendoncina (ou mendaz)

Mas essas são exceções. Padecendo do vício do aspismo, como se pode chamar o nunca por demais criticado jornalismo declaratório para consumo externo, ainda mais quando as aspas são institucionais – depoimentos numa CPI, para aproveitar o exemplo do momento – e quando, além disso, são novas e manchetosas, os jornalões fazem o jogo dos aspeados.

Compraram pelo valor de face e de bate-pronto a versão mendoncina (ou mendaz, na imediata contraversão de Marcos Valério) de que ele, o marqueteiro, foi obrigado pelo outro a abrir uma conta no exterior, em nome de uma offshore com sede nas Bahamas, se quisesse ver a cor do dinheiro pelos inestimáveis serviços prestados a Lula e ao PT na última eleição nacional.

Duda e sua sócia Zilmar deram o seu show na quinta-feira (11/8). (E foram tratados pela oposição como portadores da verdade revelada. Repetindo o vexame do tratamento de herói dado ao deputado Roberto Jefferson no Conselho de Ética da Câmara e na CPI do Mensalão, só faltou aplaudi-los em cena aberta. Parêntese dentro do parêntese: em entrevista ao Estado de S.Paulo de domingo, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Velloso, não só não se recusou a comentar as declarações de Duda, como conviria a um juiz, mas disse que foram ‘um depoimento sincero de um homem que me parece honesto’.)

Ou muito se engana este leitor ou a nenhum órgão do primeiro time da imprensa ocorreu levantar de imediato a hipótese de que o ex-marqueteiro de Paulo Maluf já teria de há muito empresa(s) de fachada, conta(s) e depósito(s) no exterior.

No sábado – sob o significativo lide ‘Passado o efeito psicológico do depoimento do publicitário Duda Mendonça…’ – o repórter Sérgio Gobetti, do Estado, informou que técnicos da CPI detectaram ‘vários furos’ na história. Mesmo assim a detecção dizia respeito antes ao percurso dos 10,6 milhões de reais que foram parar na conta Dusseldorf, de Duda, no BankBoston de Miami, do que à data de sua abertura.

Também naquele sábado (13/8), outras matérias, no Estado, no Globo e na Folha, deram como líquido e certo o que Duda disse da Dusseldorf na comissão de inquérito. No domingo, Andrea Michael e Valdo Cruz revelaram na Folha que a Polícia Federal ‘investiga a existência de outras contas no exterior do publicitário’. Registros da CPI do Banestado indicam que ele e a sócia movimentaram no exterior 2 milhões de dólares entre 1998 e 2000.

Mas só na segunda-feira a mesma Andrea Michael começou a ligar o nome à p’ssoa na matéria ‘Offshore de Duda recebeu de firma atribuída a Maluf’. Enquanto Diego Escosteguy e Rosa Costa, no Estadão, informavam que o que na CPI se chama ‘Conexão Duda’ é considerado ‘a linha mais explosiva de investigação’, por causa da sua proximidade com Lula e o Palácio do Planalto. Já não sem tempo, o infográfico que acompanha o texto relaciona os ‘pontos obscuros’ do depoimento do criador do Lulinha, paz e amor.

P.S. Sem querer desmerecer os repórteres Thomas Traumann e Gustavo Krieger, da Época, pela radiativa matéria na qual o presidente do PL, ex-deputado Valdemar Costa Neto, diz que ‘Lula sabia’ do acerto de 10 milhões de reais pelo apoio do partido à candidatura presidencial do petista, é de justiça lembrar que o primeiro jornalista a contar como, onde e quando se fechou o negócio foi Bob Fernandes, na CartaCapital, ainda em 2002.

[Texto fechado às 16h25 de 15/8]