Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O dia em que o smartphone ficou burro

O bug era esperado na virada de 2000 – nada aconteceu. Entrou o novo milênio e tudo seguiu na mais perfeita ordem. Vibraram os mecanicistas, tecnofilistas, futuristas: a tecnologia era imbatível, o novo Bezerro de Ouro estava pronto para ser endeusado.


Exatamente dez anos depois, seguindo implacável e caprichoso roteiro, a maçã dos apressadinhos entrou em pane. O sistema da Apple que regula os despertadores do iPhone, iPod e de outras maquinetas very smart da grife deixou de funcionar precisamente na véspera do primeiro dia útil de 2011.


Vingança dos velhos despertadores, do sol nascente, do raiar do dia, revanche dos passarinhos e dos bravos galos que acordavam o mundo para uma nova jornada.


Aleluia! Chips são falíveis, tanto quanto os dogmas religiosos. Pior (ou melhor) do que isso: a crença nas infalibilidades sofreu sério abalo.


Gosto pela História


Terminou uma década sem nome, talvez comece outra igualmente anônima, clandestina. O mais provável é que doravante as décadas sejam abolidas. É tempo demais para ser encapsulado num nome, é muita disparidade para ser homogeneizada numa única etiqueta.


Mais inventiva do que as congêneres de todo o mundo (incluindo o G-1, G-2, G-4 e G-20), a imprensa brasileira já havia decretado a aposentadoria das décadas. Por tédio, naturalmente. As poucas tentativas de balanço da década foram frustrantes. Veja, como semanário, conseguiu ao menos fazer uma ponte filológica entre retrospectiva e perspectivas. Os balanços anuais foram melancólicos, sem saldo.


Para entender os desenlaces da história recente, imperioso conhecer os enlaces anteriores, folhear alfarrábios, sujar os dedos com o pó das coleções de antigos jornais. Gostar deste espetáculo chamado História.


Descortinar para os leitores as marcas de uma década recém-encerrada exige uma percepção temporal que vai além dos fios grisalhos e das calvas. Não é preciso ser velho para entender e fascinar-se com o tempo. Para sentir o passado, cumpre apreciá-lo (em todos os sentidos que o riquíssimo verbo comporta).


Aposta errada


Nossa imprensa desistiu de ser informativa, delegou a tarefa aos meios digitais que sequer tentaram o desafio. Não foram inventados para isso. Cansou de ser reflexiva e analítica. Acrítica, porque assim dribla o estresse. Coerência, como se sabe, incomoda – como cisco no olho. Colírios ajudam, lágrimas também.


Este final conjugado (ano, mandato presidencial e década) produziu uma imensa modorra graças ao vácuo deixado pelo principal medidor do tempo – a imprensa. Deixamos que mergulhasse no atoleiro do conformismo certos de que a trepidação ideológica-tecnológica seria suficiente para produzir novos valores e melhores conteúdos.


Não foi.


***


Sete anos


O brilho narrativo do filme A Rede Social (Social Network) flagra o nascimento de uma colossal e acelerada onda indutora que hoje abarca parte substancial da humanidade: o Facebook. Aquele delírio existencial acoplado à exuberância cibernética aconteceu há apenas sete anos (fevereiro de 2004), num templo do saber, a Universidade Harvard, fundada há quase 372 anos. Estes são tempos impossíveis de comparar.