Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O dossiê falso

O furo jornalístico que virou um pterodáctilo


A parceria de Veja com Daniel Dantas prosseguiu no decorrer de 2006. Várias matérias, dossiês, especialmente os mais improváveis, parecia terem sido fornecidos pelo banqueiro.


Na edição de 17 de maio de 2006, Veja fez sua aposta mais alta. 


O diretor Eurípedes Alcântara recebeu um dossiê de Dantas, sobre presumíveis contas no exterior, de altas autoridades do governo. O mesmo dossiê foi encaminhado a outro membro do quarteto de Veja, Diogo Mainardi.


A tarefa de ir atrás das pistas do dossiê coube a Márcio Aith, o mesmo jornalista que cobrira o caso do dossiê da Kroll para a Folha de S.Paulo.


Até então, Aith construíra uma sólida reputação de jornalista investigativo. Passou pela Gazeta Mercantil e Folha, tinha conhecimentos sobre mercado, balanços, economia, e caminhava para se transformar em um dos grandes repórteres da sua geração.


Saiu a campo e, em pouco tempo, constatou que o dossiê era uma falsificação. Tinha tudo para uma reportagem memorável.


O levantamento tinha sido feito por Frank Holder, ex-agente da CIA especializado em América Latina que, depois, largou o serviço secreto e montou uma firma de investigação – a Holder Associates – posteriormente adquirida pela Kroll.


Aith foi atrás de Holder na Suíça. Ouviu sua versão de que a lista tinha sido obtida no curso da investigação italiana sobre a parte brasileira dos escândalos da Parmalat. O repórter foi atrás de autoridades policiais de Milão – que investigavam o caso Parmalat – que afirmaram desconhecer a informação.


Holder, então, mudou a versão e informou que o dossiê tinha sido levantado pelo argentino José Luiz Manzano, ex-ministro e um dos símbolos da corrupção do governo Menen.


Aith foi atrás de Manzano que confirmou o dossiê e incumbiu assessores de passar mais dados. O material entregue apresentava inúmeras inconsistências. Estava configurado um novo dossiê Cayman.


Aith tinha conseguido juntar informações suficientes para lhe garantir a reportagem da sua vida, um quase certo Prêmio Esso de Reportagem.


Há um princípio básico de jornalismo: quando está configurado que a fonte tentou enganar o jornalista, é obrigação do jornalista denunciá-la. Eurípedes resistiu a divulgar o nome de Dantas. Houve discussão interna. Não havia como fugir do levantamento de Aith mas, por outro lado, Eurípedes queria defender o aliado.


Aith cedeu. De um lado, admitia-se que a fonte era Dantas. Mas foram tais e tantas as tentativas de salvar a cara do banqueiro, que a matéria transformou-se em um pterodáctilo, um bicho disforme e mal acabado.


O ‘prego sobre vinil’ era claro.


Aith cometeu o erro de sua vida, concordando em assinar a matéria. Ganhou um boxe especial, cheio de elogios, e a primeira mancha grave na sua até então impecável folha de serviços jornalísticos. Veja não se limitava a apenas a ‘assassinatos de reputação’ de terceiros, mas a destruir a reputação dos seus próprios jornalistas.


Começava pela capa. A chamada não mencionava dossiê falso. Pelo contrario, apresentava a falsificação como se fosse algo real:




‘Daniel Dantas: o banqueiro-bomba. O seu arsenal tem até o numero da suposta conta de Lula no exterior’


A matéria não tinha pé nem cabeça. As investigações de Aith já tinham confirmado tratar-se de uma falsificação preparada por Dantas.


Mas o ‘lead’ da matéria falava o contrario:




‘O banqueiro Daniel Dantas está prestes a abrir um capítulo explosivo na investigação sobre os métodos da `organização criminosa´ que se instalou no governo e o estrago causado por ela ao país’.


O primeiro parágrafo inteiro, em vez de realçar o furo de Aith – a descoberta de que era um dossiê falso – dizia que:




‘Na sessão, o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) revelou o teor de um documento no qual o banco Opportunity, controlado por Dantas, diz ter sofrido perseguição do governo Lula por rejeitar pedidos de propina de `dezenas de milhões de dólares´ feitos por petistas em 2002 e 2003. A carta, escrita por advogados de Dantas e entregue à Justiça de Nova York, onde o banqueiro é processado pelo Citigroup por fraude e negligência, é só o começo de uma novela que, a julgar pela biografia de Dantas, não se resume a uma simples tentativa frustrada de achaque’.


Prosseguia a matéria:




‘Para defender-se das pressões que garante ter sofrido do PT nos últimos três anos e meio, Dantas acumulou toda sorte de informações que pôde coletar sobre seus algozes. A mais explosiva é uma relação de cardeais petistas que manteriam dinheiro escondido em paraísos fiscais’.


Ia mais longe:




‘Além disso, Dantas compilou metodicamente não só os pedidos de propina como também as contratações e os pagamentos efetivamente feitos para tentar aplacar as investidas do atual governo sobre seus interesses. Se pelo menos uma parte desse material for verdadeira, o governo Lula estará a caminho da desintegração’ 


Esse tipo de menção ao poder terrível do banqueiro, era um convite ao achaque. Na mesma matéria, Veja justificava a publicação do dossiê como forma de prevenir achaques:




‘Ao mesmo tempo, isso (a publicação do dossiê) impedirá que o banqueiro do Opportunity venha a utilizar os dados como instrumento de chantagem em que o maior prejudicado, ao final, seriam o país e suas instituições’.


A conclusão final era risível:




‘Por todos os meios legais, VEJA tentou confirmar a veracidade do material entregue por Manzano. Submetido a uma perícia contratada pela revista, o material apresentou inúmeras inconsistências, mas nenhuma suficientemente forte para eliminar completamente a possibilidade de os papéis conterem dados verídicos’.


Só então entrava no conteúdo das apurações de Aith.


A entrevista armada 


Pior: em uma matéria em que Dantas era desmascarado como autor de documentos comprovadamente falsos, Eurípedes colocou um membro do quarteto ligado a Dantas – Diogo Mainardi – para permitir ao próprio banqueiro fazer sua defesa (clique aqui).


Não era uma entrevista normal. Sua leitura induzia qualquer leitor atento a concluir que as perguntas foram formuladas por quem respondeu. Cada pergunta levantava uma bola para o banqueiro bater em sua tecla de defesa: a de que seus problemas eram decorrentes de perseguição política – na mesma matéria em que se demonstrava que ele próprio recorria a dossiês falsos para achaques.


O nível do pingue-pongue era da seguinte ordem:




Por que o governo queria tirar o Opportunity do comando da Brasil Telecom?


Porque havia um acordo entre o PT e a Telemar para tomar os ativos da telecomunicação, em troca de dinheiro de campanha.


A Telemar acabou comprando a empresa do Lulinha. Por que vocês também negociaram com ele? Era um agrado ao presidente Lula?


Nós procuramos de todas as maneiras diminuir a hostilidade do governo.


O ex-presidente do Banco do Brasil Cássio Casseb disse ao Citibank que Lula odeia você.


Casseb disse também que ou a gente entregava o controle da companhia ou o governo iria passar por cima.


A entrevista assinada por Mainardi terminava apresentando Dantas como vitima de achacadores, e não como quem tinha acabado de produzir um dossiê falso, com o claro intuito de achacar:




‘Agora releia a entrevista. Mas sabendo o seguinte: Daniel Dantas cedeu aos achacadores petistas. Ele e muitos outros’. 


Pelas informações que correram na época, o máximo que Aith conseguiu, como contrapartida ao fato de ter concordado em assinar aquele texto, foi uma matéria na edição seguinte, contando em detalhes como o dossiê chegou à revista: entregue pelo próprio Dantas ao diretor Eurípedes Alcântara (clique aqui). Eurípedes só cedeu porque percebeu que a falta de limites o colocara na zona cinza que separa a legalidade da ilegalidade.


De nada adiantou o escândalo, de nada adiantou saber da capacidade do banqueiro em inventar dossiês. A mídia estava completamente anestesiada. Mesmo com o absurdo dessa matéria, o quarteto de Veja continuou com autorização para matar.


As referências a informações e dossiês de Dantas, ao seu poder ameaçador, passaram a ser freqüentes nas notas de Lauro Jardim e Mainardi.


A ponto de, na semana passada, em seu podcast no site da Veja, Mainardi continuar acenando com dossiês italianos para chantagear críticos. Minha série sobre a Veja estava ainda nos primeiros capítulos, mas já estava claro que Mainardi seria um dos próximos personagens.


No dia 7 de fevereiro passado, coloquei o seguinte post em meu blog:




Do último podcast de Diogo Mainardi


Clique aqui para ouvir. Ele me relaciona entre os jornalistas ‘quintacolunistas’ e enfatiza por duas vezes a palavra ‘dinheiro vivo’ para se referir às malas de dinheiro da Telecom Itália.


No final do podcast, manda um aviso:


‘Da próxima vez, antes de reclamar de mim, lembre-se: teimo em falar sobre o caso Telecom Itália porque ele pode revelar não apenas o destino das malas sujas de dólares, como o jogo sujo de sua escolta de jornalistas’.


Esse mesmo recado aparece com destaque na chamada do podcast, no portal da Veja.


O Houaiss descreve assim a palavra chantagem:


‘pressão exercida sobre alguém para obter dinheiro ou favores mediante ameaças de revelação de fatos criminosos ou escandalosos (verídicos ou não)’.


Do lado de outros grandes veículos, silêncio, complacência, aceitação conformada do estupro semanal a que o jornalismo estava sendo submetido.


***


O bookmark de Mainardi


De como as fontes italianas falavam o português


Terminei o capítulo anterior narrando a tentativa de chantagem de Diogo Mainardi, em seu podcast semanal na Veja. Nele, o colunista afirmava dispor de informações que comprometeriam jornalistas, mas não as divulgava. Apenas ameaçava quem se metesse com ele.


Na semana seguinte (atual edição da revista, nº 2048, de 20/2/2008), Mainardi avançaria alguns pontos em sua chantagem. Na quinta, em novo podcast que reiterava as ameaças. Ora, se possuía as informações, por que não as divulgava?


Três pontos chamavam a atenção:


Ponto 1 – Dizia que graças ao fato de ter morado na Itália tinha muitas fontes italianas. ‘Meus sete informantes italianos continuam a me mandar documentos referentes ao processo por espionagem contra a Telecom Italia, conduzido pelo Procurador da República Fabio Napoleone’. Informação falsa. [Para ouvir, clique aqui.]


Um pequeno detalhe liquidava com sua versão: o post-it do arquivo PDF.


122 – Grampos: De Marco e Angra Partners


Como se sabe, o arquivo PDF não pode ser editado. No caso do relatório, alguém pegou partes do inquérito (que é sigiloso), scaneou e imprimiu.


Fez mais. Anotou os comentários dos principais trechos com a ferramenta post-it. Depois, eliminou todos os post-its, mas esqueceu um: aquele que indicava, na página 122, ‘Grampos – De Marco e Angra Partners’, no mais puro português do Brasil.


É evidente que não era nenhuma das ‘sete fontes italianas’ que enviara a documentação para Mainardi, mas uma fonte brasileira. Por que a insistência em mentir sobre a origem da fonte?


[O arquivo pode ser encontrado no seguinte link, indicado na coluna dele, na última Veja (clique aqui). Para evitar alguma mudança no documento original, baixei o arquivo e o coloquei em outro endereço (clique aqui).]


Ponto 2 – ‘Assim que os documentos chegam aqui em casa, eu os encaminho à magistratura brasileira. Se o Brasil tem uma saída, só pode ser através das leis.’ A troco de que um jornalista ou parajornalista recebe informações e, em vez de divulgá-las, as encaminha ao judiciário? Isso é papel de advogado. Tenho algumas hipóteses que analisarei no próximo capítulo.


Ponto 3 – Mencionava o fato do empresário Luiz Roberto Demarco ter recebido US$ 1 milhão – salientando que tinha relações com os fundos e a imprensa. E dava detalhes da conta que mantinha em Miami, em nome de um sócio, e que teria recebido US$ 100 mil.


Lembrava as relações de Demarco com fundos e imprensa. Sugere, obviamente, que parte desse dinheiro veio para a imprensa. Mas não ousava uma acusação, nomes, detalhes, nada. Também será analisado no próximo capítulo.


Finalmente, dizia que o nome do Presidente da República tinha sido mencionado no inquérito.


Guarde essas informações, por enquanto. Para melhorar facilitar o entendimento, antes de avançar na análise vamos a uma pequena coleção de episódios jornalísticos, para explicar didaticamente – como estudo de caso – como ocorre a manipulação da notícia no mundo das disputas jurídico-empresariais.


Imprensa e Judiciário


Um dos pontos principais do manual de guerrilha nas disputas corporativas é o uso das notícias como ferramenta auxiliar – seja para ‘assassinar reputações’ ou ‘plantar’ matérias para influenciar (ou fornecer álibis) para as sentenças dos juízes.


** Episódio 1: o caso Lauro Jardim


Em agosto de 2000, por exemplo, os advogados dos fundos de pensão, liderados pelo ex-presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) Francisco da Costa e Silva, conseguiram realizar uma Assembléia Geral Extraordinária (AGE) do CVC-Opportunity – o fundo que controlava a Brasil Telecom. Foi a primeira vez que isso ocorreu, apesar de parte relevante do capital do CVC ser dos fundos. 


Com o controle da AGE, os fundos indicaram o advogado Fernando Albino para presidi-la. Albino autorizou que Costa e Silva retirasse as atas e documentos do CVC, para que pudesse xerocá-los. No dia seguinte, os documentos foram devolvidos, tudo de acordo com a lei e com as decisões da AGE.


A resposta de Dantas foi imediata, através da revista Veja.




Trombadas e trombadinhas


São cada vez menos elegantes as ações de certos advogados em defesa de seus clientes. Na semana passada, depois de uma tensa reunião entre os fundos de pensão e o banco Opportunity – que andam se estapeando em público há meses –, Francisco da Costa e Silva, advogado da Previ e ex-presidente da CVM, surrupiou a ata do encontro e se mandou. Supõe-se que ele saiba que o que fez é proibido pela legislação.’ 


A nota saiu na edição de 16 de agosto de 2000 (clique aqui). Seção: ‘Radar’. Colunista: Lauro Jardim, o mesmo jornalista que aproximou o quarteto de Veja de Dantas.


Costa e Silva precisou enviar e-mail para cada um de seus clientes, para reduzir o estrago provocado pela nota. Mandou uma carta de esclarecimentos para a Veja – que não foi publicada.


** Episódio 2: o caso Attuch-Rocha Mattos


Uma segunda manipulação da imprensa consiste na articulação entre diversos jornalistas, para dar foro de verdade a qualquer boato e, com isso, álibi para uma sentença favorável de algum juiz. Um jornalista divulga o primeiro boato ou notícia, verdadeira ou não, obtida por meios legais ou ilegais. Depois, outros jornalistas cooptados promovem a repercussão, garantindo o álibi para a sentença ou despacho do juiz. Esse modelo foi utilizado várias vezes no decorrer do último ano.


Em 8 de maio de 2002, despacho do notório juiz João Carlos da Rocha Mattos, da Quarta Vara Criminal de São Paulo para o delegado Ariovaldo Peixoto dos Anjos, Superintendente da Policia Federal em São Paulo determina o seguinte:




‘Senhor superintendente,


Pelo presente, encaminho a Vossa Senhoria, em anexo, matérias veiculadas nas edições 242, de 17.04.2002 e 244, de 01.05.2002, da revista `IstoÉ Dinheiro´, ambos os episódios (ilegível) o controle (ilegível) das empresas de telefonia celular Telemig Celular e Tele Amazônia, com menção inclusive a altos funcionários do Banco do Brasil e do Fundo de Pensão Previ, decorrentes de gravações de diálogos telefônicos mantidos entre as partes interessadas, envolvendo, em especial, o presidente da empresa canadense TIW, Bruno Ducharme.


‘Matérias jornalísticas semelhantes às mencionadas foram publicadas em outros órgãos de imprensa e, ao menos em princípio, constitui indício de credibilidade dos graves acontecimentos veiculados nas gravações das conversas telefônicas, se não se sabe se teriam ou não sido obtidas licitamente (…).’ (clique aqui). 


A matéria, em questão, era de Leonardo Attuch. Houve repercussão em alguns outros órgãos de mídia, o suficiente para garantir o álibi para o despacho do juiz.


Rocha Mattos tornou-se, anos depois, um dos símbolos máximos da corrupção do Judiciário em São Paulo. Está preso até hoje.


** Episódio 3: o caso Janaína Leite


Esse caso é relevante por estar inserido na atual onda midiática de Dantas. Antes de contar, algumas explicações para facilitar atos e conseqüências.


Primeiro, entenda qual é o objetivo jurídico do Opportunity quando articula sua rede de colaboradores em torno do inquérito sobre a Telecom Itália, que corre na justiça italiana. A partir daí ficará mais fácil compreender os movimentos de Diogo Mainardi e de outros jornalistas que trabalham de forma articulada em torno do tema.


Houve duas investigações sobre Dantas: uma legal, conduzida pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, com grampos, quebras de sigilo, tudo ao amparo da lei.


Paralelamente, aqui no Brasil, houve investigações da Telecom Itália – na gestão do cappo Marco Tronchetti Provera, no começo adversário, depois aliado de Dantas. Foram investigações ilegais, criminosas, sem autorização judicial.


É importante não entender a Telecom Itália como uma empresa com continuidade de ação. A empresa passou por vários controladores nos últimos anos. Todos os episódios relatados se referem à era Provera (que já foi afastado do seu comando), que começou combatendo Dantas e terminou se aliando a ele. 


O que os advogados de Dantas buscam é a chamada ‘contaminação do inquérito’ – isto é, trazer para o inquérito da PF o inquérito da Telecom Itália e as vinculações brasileiras. Fazendo isso, Dantas se livra. Qualquer juiz considerará que o inquérito se baseou em práticas ilegais. Daí o termo ‘contaminação’: as ilegalidades da Telecom Itália no Brasil (sob Tronchetti Provera) comprometerão os trabalhos legais da Polícia Federal e do MP, porque estarão ambos reunidos no mesmo inquérito. E tudo terminará em pizza.


Insisto: anote bem essas observações, porque ficará mais fácil entender os caminhos que Diogo Mainardi passou a trilhar.


No julgamento de 12/12/2006, a Segunda Turma do Tribunal Federal Regional da 3ª Região, acompanhou o voto da relatora – desembargadora Cecília Mello – e exigiu a incorporação do inquérito italiano ao inquérito brasileiro contra o Opportunity.


No seu voto, a relatora sustenta que o argumento dos advogados do Opportunity é que o inquérito da PF teve origem em prova ilícita, gravação de uma conversa entre Ângelo Jannone (chefe dos arapongas italianos) e Tiago Verdial (o português que tinha trabalhado na Kroll).


A desembargadora levou em conta reportagens jornalísticas que, segundo a desembargadora, noticiam ‘fatos gravíssimos’.


As reportagens são de Janaína Leite, da Folha de S.Paulo, repórter que ganhou espaço no jornal no longo período, na grande noite que acompanhou a agonia e falecimento do grande reformador do jornal Otávio Frias de Oliveira.


Até então, a área de telefonia e esses embates corporativos eram cobertos por Elvira Lobato – de longe a mais preparada e isenta repórter investigativa da área. De repente, o tema passa para a instância de Janaína Leite.


A matéria mencionada pela desembargadora é de 21 de setembro de 2006 (clique aqui), e diz o seguinte:




‘Segundo a Folha apurou junto a pessoas que colaboram nas investigações italianas, não está descartada a possibilidade de ramificações do caso acabarem no Brasil, onde a Telecom Italia participa de duas operadoras: a fixa Brasil Telecom e a móvel TIM Brasil.’


Reparem no modelo de atuação:


1. A repórter Janaína Leite publica uma matéria dizendo que há probabilidade das investigações sobre a Telecom Itália terem ramificações no Brasil. Diz que a Folha apurou.


2. Com base nessa matéria, os advogados do Opportunity pedem que os inquéritos italianos sejam anexados aos da PF. Com isso conseguiriam ‘contaminar’ o inquérito brasileiro.


3. A desembargadora Cecília Mello aprova o pedido, citando como elemento os ‘fatos gravíssimos’ que constam da matéria de Janaína.


4. Na semana passada, a Justiça (de primeira instância) tomou o depoimento de Rodrigo Andrade, que trabalha para o Opportunity. Pressionado a revelar seus contatos na imprensa, inclusive sob ameaça de prisão, Rodrigo informou que era Janaína Leite.


Não apenas Janaína, mas outros membros da rede se incorporaram ao tema. A orquestração era clara.


No dia 11 de outubro de 2006, Diogo Mainardi publicava a coluna ‘Notícias da Itália’, com o seguinte intertítulo (clique aqui ou clique aqui):




‘O caso estourou duas semanas atrás. Os promotores públicos milaneses descobriram que a Telecom Italia tinha um esquema de pagamentos ilegais a autoridades brasileiras. O lulismo realmente ganhou o mundo. Em sua forma mais autêntica: o dinheiro sujo.’


Na edição da IstoÉ Dinheiro de 4 de outubro de 2006 (da mesma semana), o enviado especial a Milão, Leonardo Attuch, bateu na mesma tecla (clique aqui).




‘Caso Kroll: foi armação? Investigação na Itália aponta que políticos e policiais podem ter recebido dinheiro para deflagrar ação contra o grupo Opportunity.’


A única diferença é que, para disfarçar sua atuação, Mainardi sempre trata de incluir Lula na história. Poderia lançar um segundo livro, Lula, Meu Álibi.


Attuch nunca teve esses cuidados.


Hoje em dia, Janaína não mais trabalha na Folha. Os demais jornalistas e parajornalista continuam atuantes em seus respectivos órgãos de imprensa. 


Esse modelo de articulação advogados-jornalistas ocorreu em todo esse período e continua a ocorrer, mas com novos personagens se incorporando ao círculo.


Como o capítulo está longo, deixaremos os detalhes para o próximo.


Uma dúvida fica no ar. Com toda a movimentação em cima do tema, com a série provocando repercussões no meio jornalístico, empresarial e na própria Abril, por que Mainardi insistiu no assunto, com a sutileza de um ‘prego sobre vinil’? Tenho hipóteses. A resposta quem tem é ele – e suas fontes.


***


Lula, meu álibi


A blindagem política para as jogadas comerciais 


Por várias razões, a coluna de Diogo Mainardi, na última edição de Veja, é exemplar para uma análise de caso, sobre a manipulação das notícias para propósitos de disputas empresariais.


Consiste em juntar um conjunto de informações detalhadas (número de contas, de cheques, valores) e compor uma salada, muitas vezes sem lógica, confiando na falta de discernimento dos leitores. Compensa-se a falta de lógica com excesso de detalhes. Depois, se confia que a complexidade do tema impedirá com que as afirmações sejam conferidas.


A coluna falava do inquérito que corre na Itália sobre operações fraudulentas da Telecom Itália. Mainardi alegou ter informações reservadas do inquérito, não as divulgou, mas aproveitou para lançar ameaças a jornalistas que ousassem criticá-lo.


O centro de suas acusações eram US$ 100 mil recebidos pelo advogado Marcelo Elias – que derrotou Daniel Dantas em um caso rumoroso na corte inglesa. Segundo Mainardi, esses US$ 100 mil teriam sido pagos a Elias, para que distribuísse entre autoridades e jornalistas brasileiros.


O primeiro furo foi a tentativa de atribuir o dossiê a fontes italianas. Conforme você conferiu no capítulo anterior, o bookmark deixava claro que era uma fonte brasileira.


O segundo engodo foi o álibi para a publicação da coluna. A única justificativa para publicar uma notícia é quando há um fato novo. Mainardi apresentou o dossiê como algo inédito, recém-chegado da Itália. Era notícia requentada. No dia 11 de outubro de 2006, na coluna ‘Notícias da Itália’ Mainardi já havia se referido a esses fatos (clique aqui).


Nessa coluna, um dos parágrafos chamava atenção:




‘A Business Security Agency era administrada por Marco Bernardini, consultor da Pirelli e da Telecom Italia. Ele entregou todos os seus documentos bancários à magistratura italiana. Há uma série de pagamentos em favor do advogado Marcelo Ellias: 50.000 dólares em 13 de julho de 2005, 200.000 em 5 de janeiro de 2006, 50.000 em 2 de fevereiro de 2006. De acordo com Angelo Jannone, outro funcionário da Telecom Italia, Marcelo Ellias era o canal usado pela empresa para pagar Luiz Roberto Demarco, aliado da Telecom Italia na batalha contra Daniel Dantas, e parceiro dos petistas que controlavam os fundos de pensão estatais’. 


Os tais US$ 100 mil já tinham sido mencionados ali.


No final da coluna, a mesma esperteza de sempre: incluir Lula de alguma maneira, no estilo ‘prego sobre vinil’, para conseguir o álibi político:




‘A revista Panorama reconstruiu também um caso denunciado por Veja: aqueles 3,2 milhões de reais em dinheiro vivo retirados da Telecom Italia em nome de Naji Nahas. Um dos encarregados pelo pagamento conta agora que o dinheiro foi entregue a deputados da base do governo, do PL, membros da Comissão de Ciência e Tecnologia.


‘Lula se orgulha de seu prestígio internacional. Orgulha-se a ponto de roubar aplausos dirigidos ao secretário-geral da ONU. O caso da Telecom Italia permite dizer que o lulismo realmente ganhou o mundo. Em sua forma mais autêntica: o dinheiro sujo.’ 


Há um vendaval de dinheiro jorrando por várias fontes, da Telecom Itália antes do acordo com Dantas; da Telecom Itália depois do acordo com Dantas; das empresas de telefonia quando controladas por Dantas; das agencias SMPB e DNA, de Marcos Valério, muito dinheiro jorrando de Naji Nahas. Dinheiro entrando para parlamentares, para políticos petistas e de outros partidos e para jornalistas.


No acordo celebrado com Tronchetti Provera, por exemplo, Dantas recebeu 50 milhões de euros; Nahas, outros 25 milhões. O dinheiro foi pago a Nahas de 2002 a 2006 – 7,2 milhões de euros em 2002, 11,3 milhões em 2003, 6,2 milhões em 2005 e 750 mil em 2006 (página 14 do documento). Provera e Dantas tornam-se aliados justamente em 2005, quando é retomado o pagamento a Nahas (depois de interrompido em 2004). Ou seja, toda atuação de Nahas, a partir de então, é feita obedecendo ao pacto Dantas-Provera. 


A matéria de Veja, de 14 de novembro de 2007, limita-se a dizer que a maior parte do dinheiro foi pago a Nahas entre 2002 e 2003 (clique aqui), modo esperto de ocultar que uma boa fatia foi entregue em 2005, no auge da disputa, e quando já tinha sido celebrado o pacto Provera-Dantas.


Em suma, há inúmeros dutos por onde vaza o dinheiro, inúmeros financiadores. Por que a insistência de Mainardi nos US$ 100 mil dólares de Elias e restringir as informações sobre Dantas e meras críticas pontuais, muito mais parecendo manobras de despiste, já que nenhuma contém informações concretas?


Ora, era sabido que Marcelo Elias era advogado contratado da Telecom Itália. Com ele trabalhavam mais dois advogados, um deles na Inglaterra. Como coordenador das ações, cabia a ele receber o pagamento e remunerar o trabalho da equipe.


Qualquer pessoa com um mínimo de discernimento saberia que, para ações desse tamanho, honorários de US$ 100 mil eram ridículos. Provavelmente Elias ganhou muito mais do que isso apenas como honorários, sem contar o que repassou para os demais advogados, por pagamento de serviço.


Além disso, como especialista em legislação internacional, Elias poderia tranqüilamente receber seu dinheiro em uma offshore, sem ser identificado. Mas preferiu receber em uma empresa registrada, com tudo declarado em seu nome, imposto pago, e registro dos pagamentos feitos para terceiros. Esse tipo de conta – onde o advogado recebe os pagamentos – é chamada de client account


Em seu podcast, Mainardi deu o número da conta e o valor recebido como se fosse fruto de uma investigação sigilosa que tinha identificado um crime. E não passava de um registro normal de pagamento de serviços advocatícios, registrado na contabilidade da Telecom Italia.


Tome-se o caso de Roberto Mangabeira Unger, que cumpria para Daniel Dantas o mesmo papel que Elias para os adversários de Dantas.


Teoricamente, seu trabalho era similar ao de Elias. Cabia a ele coordenar uma equipe de advogados para tratar de um conjunto de ações e pagar os honorários.


Os pagamentos foram efetuados em nome dele e de The International Strategies Group, em uma client account. Em 2005 foram US$ 900 mil dólares. Nos anos anteriores, mais US$ 1 milhão. Se juntar tudo, a conta aumenta substancialmente. Parte desse dinheiro era para remunerar advogados da equipe – tal e qual Elias, tudo legalizado, só que em valores muito maiores.


Mas havia muito mais. Na relação de pagamentos da Brasil Telecom (sob o comando de Dantas) a advogados, contam pagamentos de R$ 8,5 milhões a Carlos Alberto Almeida Castro, o notório Kakai, advogado de Brasília, com vinculações políticas óbvias. Desse total, R$ 5 milhões foram para uma causa da qual ele não tinha sequer procuração. O advogado Roberto Teixeira recebeu quase R$ 1 milhão; R$ 1 milhão para Oliveira Lima, atual advogado de José Dirceu.


Tudo isso sem contar quantias elevadas colocadas em assessorias de imprensa.


Só a FSB, assessoria de imprensa, tinha quatro contratos, um de R$ 30 mil mensais; outro de R$ 400 mil por ano, no total quase R$ 1 milhão, sem nenhuma evidência de serviço prestado. Muitas e muitas assessorias receberam somas milionárias muito mais do que os honorários normais de mercado. Para onde ia esse dinheiro?


Esses dados constam de processos na Justiça, em que a Brasil Telecom pede ressarcimento dos valores pagos. Na ação sobre gastos com assessorias de imprensa, lê-se:




Eurípedes e Mainardi poderiam alegar desconhecimento sobre esse universo de relações com advogados e jornalistas? Poderiam, em tese.


Acontece que, depois da primeira coluna de Mainardi, em 2006, o advogado Elias encaminhou carta protocolada a Eurípedes dando-lhe ciência de todos os honorários pagos pela Brasil Telecom (sob a gestão Dantas) a esses advogados. A desproporção de valores era enorme, em relação aos tais US$ 100 mil que teriam sido utilizados para corromper políticos e jornalistas.


Não era possível mais o álibi da ignorância ou a síndrome do ‘boimate’ – de supor que US$ 100 mil são suficientes para comprar a República.


Não ajudou em nada. O colunista continuava repetindo as mesmas afirmações (desmentidas), e Eurípedes garantindo a Roberto Civita que todas as afirmações eram fundamentadas. Era muita coisa para que Roberto Civita pudesse alegar desconhecimento.


E ambos usando dados falsos para intimidar jornalistas. A crença era de que, com o pacto de silêncio da mídia em torno do tema, com nenhum veículo se animando a denunciar esse esquema, todos os que fossem atacados ficariam intimidados, pela falta de espaço para se defender.


Não se deram conta do fenômeno da internet.


A possível fraude


No domingo (17/2), quando publiquei o capítulo sobre esse suspeito dossiê italiano, cujo link estava na coluna de Mainardi, alguns leitores fizeram o download, analisaram o documento e ajudaram a reforçar as suspeitas de fraude:


1. O documento não tem começo nem final. O documento tem duas numerações. Uma, aparentemente a numeração oficial do inquérito. Outra, uma numeração específica do documento. Por exemplo, a primeira página tem o número 1 (que é do dossiê entregue a Mainardi) e o número 136 (que provavelmente é do inquérito da polícia italiana). Significa que foram escondidas as 135 primeiras páginas do inquérito original. O que continham?


2. A diferença da numeração no inicio do arquivo é de 135 páginas. Já no final é de 140, indicando que foram suprimidas 5 páginas, sem motivo algum. Entre a penúltima e a última página estão faltando a 317 e 318.


3. Depois, a numeração do documento vai até a página 75 (que corresponde à página 210 do documento original). A partir daí, acaba a numeração original. É um claro sinal de que alguma coisa, que não interessava, foi suprimida do documento original.


4. É só conferir a página 97 do documento. Começa a falar de Motta Veiga (o principal contato de Dantas com a mídia) e, de repente, acaba.


Há indícios fortes de que Mainardi divulgou intencionalmente uma fraude.


Nos próximos capítulos vamos dar uma folga a vocês, sair de temas espinhosos, e mostrar outros campos onde o antijornalismo da Veja deixou rastros e impressões digitais. 

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Jornalista