Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O escândalo definitivo

Parece ironia, mas o último grande escândalo da atual campanha eleitoral não vai atingir a candidata do governo, mas seu principal adversário. Segundo a Folha de S.Paulo, foi após um telefonema do ex-governador José Serra que o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes decidiu pedir vistas do processo e interromper a votação da Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pelo Partido dos Trabalhadores contra a obrigatoriedade de o eleitor apresentar dois documentos na hora de votar.


Tanto o ministro como o ex-governador negam ter conversado por telefone, mas um repórter da Folha testemunhou a ligação, e foi capaz até mesmo de reproduzir a introdução da conversa.


Segundo o jornal paulista, José Serra ligou para Gilmar Mendes pouco antes das 14 horas de quarta-feira (29/9). Algumas horas mais tarde, Mendes pediu vistas do processo, interrompendo o julgamento, quando o pedido de suspensão da nova norma já tinha sete votos favoráveis à eliminação da exigência e nenhum contra.


Relações impróprias


O que está em julgamento é a determinação, criada por lei do ano passado, de que o cidadão tenha que apresentar, na hora da votação, além do seu título eleitoral, outro documento com fotografia.


A direção da campanha da ex-ministra Dilma Rousseff concluiu, recentemente, que essa norma pode prejudicá-la, pois as pesquisas mostram que ela conta com os votos da maioria da população mais pobre e menos escolarizada, que tem mais dificuldade para obter documentos. Além disso, segundo o partido governista, muitos cidadãos de cidades do Nordeste atingidas por inundações e deslizamentos perderam seus documentos, o que os impediria de exercer o direito de voto.


Até ser interrompido pelo pedido de vistas do ministro Gilmar Mendes, o julgamento estava 7 a 0 em favor da extinção dessa exigência. Mendes alegou que o caso não era de urgência, uma vez que os interessados tiveram um ano para contestar a lei.


Teoricamente, sua alegação poderia ser justificada, mas a reportagem da Folha sugere que a decisão do ministro foi tomada sob influência de um dos candidatos.


A suspeita de relações impróprias entre um ministro do Supremo Tribunal Federal, ex-presidente da corte, e um candidato em disputa eleitoral, é o escândalo da hora.


O jornal por testemunha


Os jornais O Estado de S.Paulo e O Globo também noticiaram a suspensão do julgamento, e o Estadão chega a citar especulações sobre um eventual telefonema de José Serra ao ministro Gilmar Mendes, mas acaba optando por valorizar a declaração dos dois personagens, negando a ocorrência do telefonema.


Sabe-se, agora, que houve realmente a conversa telefônica antes da decisão do ministro porque os repórteres da Folha de S.Paulo puderam testemunhá-la. Além disso, se a polêmica se estender, a qualquer momento pode-se confirmar a ocorrência dessa conversação, por decisão judicial, consultando-se a empresa de telefonia celular utilizada.


Esse é o valor crítico do jornalismo presencial, no qual o repórter se coloca junto ao local dos acontecimentos, em vez de fazer a cobertura por telefone ou pela internet.


A informação bancada pela Folha equivale a uma denúncia de tráfico de influência e pode afetar a imagem do Supremo Tribunal Federal, que vem sendo criticado por não haver tomado uma decisão clara no caso da Lei da Ficha Limpa.


O Estadão publica na edição de quinta-feira (30/9) um comentário sobre a politização do Supremo, afirmando que a corte ‘há muito perdeu sua característica essencialmente constitucional’.


O ministro Gilmar Mendes não tem certamente uma imagem pública favorável desde que mandou soltar o banqueiro Daniel Dantas. A suspeita de que toma decisões sob influência de um candidato configura escândalo de proporções republicanas, agravado pelo fato de que o ministro usou como justificativa para interromper o julgamento um argumento utilizado por José Serra na segunda-feira (27) – a de que o PT pretende mudar a regra do jogo na última hora.


Um presente


Diante dos números contraditórios das últimas pesquisas eleitorais, os analistas de campanha vêm afirmando que apenas um fato novo poderia alterar o equilíbrio de forças nas eleições de domingo, 3 de outubro.


Apesar de toda a imprensa estar forçando, nos últimos dias, para que esse fato seja a discussão em torno da legalização do aborto, que em tese prejudicaria a candidata governista, o acontecimento envolvendo o candidato da oposição e um ministro do Supremo Tribunal Federal pode ser o elemento que faltava para definir se teremos ou não segundo turno.


Para os marqueteiros da candidata governista, a reportagem da Folha é um presente dos deuses.