Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O Estado de S. Paulo

MERCADO EDITORIAL

Carlos Marchi

Literatura científica é setor que mais cresce

‘Não espere encontrar o livro Paciente Crítico – Diagnóstico e Tratamento, que reúne a experiência de quatro médicos amigos no atendimento de doentes graves no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, na prateleira de best-sellers de uma badalada livraria. Apesar disso, em oito meses de carreira, o livro vendeu 1,5 mil exemplares (confira na reportagem abaixo) e se destaca na área da literatura científica brasileira, o setor livreiro que mais cresceu nos últimos anos. De 2004 a 2005, o setor aumentou em 32,9% o número de títulos editados e em 18,2% o de exemplares impressos.

A Câmara Brasileira do Livro (CBL) ainda não fechou os números de 2006, mas o diretor-executivo Armando Antongini diz que os indicadores do primeiro semestre apontam para um novo crescimento, entre 8% e 10%. Esses números são duplamente promissores: por um lado, atestam a maturidade do pensamento científico brasileiro; por outro, mostram que a produção científica nacional já é capaz de confrontar o pensamento importado que antes imperava aqui e, mais que isso, impor-se na América Latina.

A literatura técnico-científica brasileira começou a ganhar corpo nos anos 60, quando surgiram as primeiras editoras universitárias – a Editora UnB, em 1961, e a Edusp, em 1963. Gradualmente, o pensamento acadêmico brasileiro, até então alimentado pela produção estrangeira, começou a criar escola própria e a ter produção própria. Hoje ainda há muitas traduções, mas em várias áreas prevalece uma produção científica genuinamente nacional, que já começa a se aventurar pela América Latina.

FASE DE CRESCIMENTO

A árvore cresceu e deu frutos. Só em 2005, o setor científico, técnico e profissional (CTP, na sigla da Câmara) imprimiu mais de 20 milhões de exemplares, depois dos 17 milhões de 2004; em 2006, deverão ser contabilizados uns 22 milhões, garante Antongini. Metodologia do Trabalho Científico, uma obra seminal do professor Antônio Joaquim Severino, já vendeu 450 mil exemplares, diz José Xavier Cortez, diretor da Editora Cortez. As obras de Florestan Fernandes e Milton Santos vendem muitíssimo bem.

Os exemplos surpreendentes se reproduzem. No País das novelas de televisão, O Desafio do Conhecimento, da socióloga Maria Cecília de Souza Minayo, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vai para uma garbosa 10ª edição, frisa Flávio Aderaldo, diretor da Editora Hucitec. História do Brasil, de Bóris Fausto, lançado há 12 anos, está na 12ª edição, com mais de 100 mil exemplares vendidos, registra Marilena Vizentin, editora-assistente da Edusp. A Importância do Ato de Ler, de Paulo Freire, da Cortez, já vendeu mais de 300 mil exemplares.

Por enquanto, esses números exponenciais refletem apenas o consumo interno, mas algumas editoras começam a desafiar a secular barreira do idioma para semear o pensamento científico brasileiro na América Latina, que até agora vivia mais ou menos como o Brasil de antes dos anos 60: aprendendo ciência em inglês. A Cortez começou sua saga freqüentando as feiras de Guadalajara e Buenos Aires, as maiores do continente; fez contatos, ofereceu produtos em espanhol e agora vende o pensamento científico brasileiro para México, Colômbia, Porto Rico, Guatemala e até para a Espanha.

‘A pequena produção científica da maioria dos países latino-americanos está voltada para áreas muito específicas. Com nossos livros, eles estão deixando de aprender em inglês e recebendo a ciência traduzida, já em espanhol’, observa Cortez, um ex-marinheiro, sócio número 19 da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil, entidade-estopim do golpe de 1964, que veio fugido para São Paulo, montou uma banca para vender livros na PUC-SP e acabou editor.

CIÊNCIA A CONTA-GOTAS

Os livros científicos – sejam de Medicina, Filosofia, Serviço Social, Direito ou Engenharia – quase nunca têm capas atraentes. Em geral, as edições têm entre 1,5 mil e 3 mil exemplares; e nem poderiam ser maiores, porque as atualizações periódicas são obrigatórias. Em alguns setores, como Medicina e Arquitetura, devem, obrigatoriamente, ser bem ilustrados.

Raramente são postos à venda em livrarias tradicionais; eles são vendidos em quiosques de universidades, em eventos e congressos, via encomenda de livrarias, por reembolso postal e, mais recentemente, pela internet. Os lançamentos ocorrem, de preferência, no início de anos letivos, épocas mais atrativas aos compradores potenciais, e não às vésperas do Natal, como acontece com as obras gerais.

Entre eles, o best-seller não é o que vende milhares de exemplares na largada, mas o que sai regularmente – algo como 2 mil a 3 mil exemplares por ano. As editoras do setor são, em geral, fundadas por velhos cultores do pensamento científico, não raro esquerdistas tradicionais. Vibram com o que fazem: ‘Isso é que é livro!’, brada Aderaldo, ao mencionar seus lançamentos históricos – Formação da Literatura Brasileira, de Antonio Cândido, e Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado.

Os editores estão satisfeitos com o surgimento continuado de novos autores. Mas se queixam de dois grandes adversários que enfrentam em seu dia-a-dia. Um é a ausência de uma política oficial de incentivo ao livro CTP, principalmente para estimular exportações. Quem se aventurar no mercado externo vai ter de navegar sozinho ou se agrupar com parceiros, como fez a Cortez.

Outro é o mais letal inimigo – a famigerada cópia xerográfica, horror dos autores e editores. ‘O livro científico é o que mais sofre com os efeitos da pirataria’, diz Antongini, ‘embora não devesse, porque é consumido nos escalões mais cultos’. Os sinais se avolumam: o quiosque na PUC-SP em que o ex-marinheiro Cortez começou a vender livros científicos nos anos 60 virou uma livraria tempos depois. Mas fechou há anos e, em seu lugar, instalou-se justamente o inimigo: uma loja de cópias xerográficas.’

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Editoras técnicas começaram em plena ditadura

‘As editoras de livros científicos cresceram no regime militar, época não muito propícia à edição de livros sobre filosofia e ciências políticas, embora editoras como a Civilização Brasileira tenham sido dizimadas. A Hucitec sobreviveu. Quando a censura caiu sobre a revista Debate & Crítica, Aderaldo mandou imprimir 5 mil exemplares de Que fazer?, de Lenin. Em menos de um mês os 5 mil números evaporaram. As livrarias pediram nova edição, mas Aderaldo não correu riscos. Hoje, se arrisca pelo desafio de disseminar fundamentos científicos. Brevemente, na nova coleção de arquitetura e vida urbana, lançará De Architectura, de Marcus Vitruvio Pollio, traduzido diretamente do latim, e De re aedificatoria, de Leon Battista Alberti – as obras que conceituam a arquitetura moderna e que inspiraram o Renascimento italiano.’

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Livro de Medicina é exemplo do potencial da área

‘Lançada por quatro médicos amigos, obra planeja desbravar o mercado da América Latina

O cardiologista Luiz Francisco Cardoso, chefe da unidade cardiológica do Hospital Sírio-Libanês, queria consolidar num livro sua experiência com a elaboração de protocolos para o atendimento de pacientes cardiopatas. A Editora Manole, forte na área da Saúde, lhe sugeriu ampliar o livro para o paciente grave em geral. Cardoso convidou três colegas de hospital – o pneumologista e intensivista Guilherme Schettino, coordenador da UTI do Sírio, o endocrinologista e clínico Jorge Mattar, coordenador do pronto atendimento, e o clínico e geriatra Francisco Toggler, ex-autor de protocolos no Sírio.

O autêntico ‘protocolo geral’ de emergências que os quatro organizaram fez carreira rápida. Em oito meses, vendeu 1.500 exemplares, a meio caminho de se tornar uma obra de ‘fundo de catálogo’, os livros que se tornam referência básica de determinadas áreas científicas, no jargão das editoras. Na segunda edição, mais atualizada, Paciente Crítico – Diagnóstico e Tratamento vai iniciar uma carreira nova, em espanhol, para ocupar o mercado que a Editora Cortez desbravou.

Cardoso explica que a maioria dos países latino-americanos não tem literatura médica própria e os médicos têm de aprender em inglês, em livros importados dos EUA. O nicho percebido pela editora é que muitos médicos argentinos, uruguaios e paraguaios não lêem inglês. ‘Temos condições de produzir uma literatura médica de primeira qualidade e inspirada por nossas realidades’, observa Cardoso.

Os quatro levaram um ano para escrever e organizar o livro. ‘Não queríamos produzir um livro muito complexo, nem muito longo. Por isso, o mais difícil foi selecionar temas e desenhar o livro’, explica Mattar. Desde o início, a idéia era construir um livro-referência para a Medicina – tanto para os médicos que atuam no pronto atendimento dos hospitais quanto para os que fazem residência médica.

Já Classificação Internacional de Doenças, da OMS, editado pela Edusp, vendeu quase 200 mil exemplares desde 1991, conta Marilena Vizentin. Mas nem só medicina inspira os livros científicos. O historiador Bóris Fausto, da USP, um dos campeões de venda com sua História do Brasil (sintetizada depois em outra edição, História Concisa do Brasil, ambas da Edusp), ficou feliz com o que recebeu de direitos autorais. ‘Não poderia viver do que recebi, mas não posso dizer que estou insatisfeito’, comenta o professor.’



MEMÓRIA / CAIO PRADO JR.
Laura Greenhalgh

Intelectual, político, editor e escritor

‘Quem é o quarteto bizarro da fotografia? No jogo das adivinhações, alguém poderia arriscar: hóspedes de um sanatório ou hospício. Vestem pijamões amarfanhados. Posam com cerimônia. Lançam olhares afirmativos para a máquina, mesmo sob o sol de meio-dia ou quase. O que se vê mais na imagem: um quintal de terra, uma árvore frondosa e outra mirrada, uma cerca de arame de três ou quatro metros de altura. E só.

Poucos historiadores bateram os olhos nesta bela fotografia carcomida pelo tempo. E os que o fizeram costumam apenas identificar um dos integrantes do grupo. Precisamente o rapaz de óculos, vestido com um roupão que cobre o mesmo modelito ‘duas-peças listrado’ dos demais. Nos últimos dias, o discreto ocupante da fila de trás tem sido alvo de celebrações. Trata-se de Caio Prado Jr., historiador, geógrafo, economista, filósofo, político, editor e um dos mais profundos intérpretes do Brasil, ao lado de nomes como Euclides da Cunha, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Antonio Candido. Autor de Formação do Brasil Contemporâneo, de 1942 , livro pelo qual tem que se passar para entender o País, Caio completaria 100 anos hoje – 11 de fevereiro. Rendam-lhe as homenagens.

De volta à fotografia do grupo. Estariam fantasiados? Fariam parte de um bloco carnavalesco? A história da página oito do Aliás desta semana faz um recuo no tempo, com informações e documentos que vêm pela primeira vez a público. O quarteto em questão posou para um fotógrafo (quem terá sido ele?) provavelmente entre 1936 e 1937, com o uniforme que se dava a presos políticos num Brasil em estado de sítio, perto de iniciar a travessia para o Estado Novo. Os quatro estão no Presídio do Paraíso, na rua do mesmo nome, em São Paulo. Antes, passaram pelo Maria Zélia, centro de repressão improvisado pela polícia de Getúlio Vargas, para trancafiar envolvidos na Intentona Comunista de 1935.

FATOR HUMANO

Por razões que até hoje não se explicam, a fotografia ilustra um dos períodos menos estudados da trajetória de Caio Prado Jr.. Ainda há muito por descobrir sobre sua vida nestes dois cárceres, embora tais passagens rendam uma página singular da história contemporânea brasileira – basta antecipar, desde já, que um grupo desses ‘empijamados’conseguiu fugir do Presídio do Paraíso por um túnel, cavado sabe-se lá como, em 1937. Para Caio, foram quase dois anos de prisão que mudaram radicalmente a cabeça do intelectual de perfil marxista, filho da mais abastada aristocracia paulista, criado para gerenciar heranças e não para se envolver com comunistas. Vejamos o que diz desse período o historiador Paulo Teixeira Iumatti, do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, autor da primeira biografia de Caio Prado Jr., a ser lançada nas próximas semanas:

‘Temos que investigar melhor esta primeira prisão do Caio. O que eu posso afirmar é que o fator humano, elemento do qual ele se dá conta nesse tempo, muda o sentido das suas buscas teóricas. Mostra-lhe que as coisas não são tão simples nem tão esquemáticas. Criado em ambiente requintado, na prisão Caio também experimenta um certo obreirismo. Dorme no chão. Divide comida. Despoja-se. Isso vai marcá-lo, tanto que continuará a se corresponder com alguns companheiros de cárcere, em liberdade. Mas é na cadeia que constrói os pilares de sua obra.’

Na última quarta-feira, Danda Prado, 77 anos, única filha do historiador e desde 1992 à frente da empresa que o pai fundou – a Editora Brasiliense – permitiu que viesse a público, pela primeira vez, parte da correspondência trocada por Caio e sua primeira mulher, Hermínia Cerquinho da Silva Prado, conhecida por Baby. São cartas que ele envia das masmorras getulistas. O IEB, que hoje guarda a maior parte dos documentos e a biblioteca que Caio constituiu em vida, tem milhares de cartas assinadas por ele. Mas não as que endereçou à mulher num dos períodos mais duros da vida. São páginas afetuosas, cúmplices, às vezes em linguagem cifrada. Revelam a ebulição de idéias do intelectual que ainda estava por vir.

Por mais de meio século estas cartas foram mantidas fora de circulação por Baby, guardadas em seu belo apartamento no Rio até 2000, ano em que ela morreu – folhas e folhas em papel creme, com escrita de mão. Este material tem o poder de revirar as lembranças de Danda, uma meninota de 5 anos quando o pai foi preso, em 27 de novembro de 1935. ‘Nós morávamos numa casa na rua Itacolomi, em Higienópolis, que fora presente de casamento do meu avô materno, Alfredo Cerquinho, para Baby e Caio. E também morávamos perto do casarão de meus avós paternos, Antonieta e Caio Prado, na esquina da rua Sabará com a avenida Higienópolis. Meu pai, que anos antes apoiara Getúlio, havia reformulado suas posições políticas e comandava a Aliança Nacional Libertadora (ANL) em São Paulo, contra o governo. Com as crianças, Caio Graco, meu irmão, e eu, não se falava da prisão. Vivíamos a rígida rotina das governantas alemãs. Mas minha mãe, vez ou outra, fazia questão que eu fosse com ela visitar papai no presídio. Passávamos horas na fila, ao sol. Antes, eu ganhava guarda-chuvas de papel comprados numa lojinha de artigos japoneses, no bairro do Paraíso.’

Para a prisão levaram homens ligados às insurreções em quartéis contra Vargas, membros do Partido Comunista Brasileiro (ao qual Caio se filiara em 1931) e ativistas ligados à ANL, uma espécie de agremiação de correntes de esquerda. Caio já havia escrito dois livros antes de ser preso – Evolução Política do Brasil, onde analisa a exclusão das classes inferiores do processo político, e URSS, um Novo Mundo, relato de viagem a partir da incursão que fizera ao mundo soviético. Como diz Iumatti, ‘ao visitar regimes totalitários e sangüinários, naquela época, ele não conseguiria vislumbrar o exato oposto daquilo por que mais ansiava e lutaria ao longo da vida inteira.’

CRUZES DE FOGO

Caio e Baby se casaram com repique de sinos no Mosteiro São Bento, em 1929. Eram jovens, belos, ricos. Baby tinha fortuna própria e uma certa vocação para desafiar os cânones sociais da época. Quando prenderam Caio no Rio Grande do Sul e o trouxeram para o Maria Zélia, ela não se deixou abalar com os gritos de ‘comunista!’ ouvidos à porta de casa ou as cruzes incandescentes que arremessavam no jardim. ‘Minha família, que nada tinha a ver com a militância comunista de meu pai, prestou solidariedade a ele na prisão’, confere Danda. Antonieta, a mãe de Caio, costumava mandar de casa as refeições para o filho no presídio. Comida bem-feita, em quantidade suficiente para fazer a alegria dos presos. Destaque para o cuscuz e o bolo de coco, altamente apreciados pela turma do pijamão. E mais: quando não ia pessoalmente entregar a comida para o filho, vestida como se fosse para um grande evento social, Antonieta despachava o motorista enluvado.

Se os maus bofes da carceragem prevaleciam, suspendia-se a comida de casa para substituí-la por marmitas recheada de uma gororoba inesquecível. Em carta de 24 de abril de 1936, Caio escreve: ‘Minha Baby muito querida, depois da inesperada suspensão das refeições vindas de fora, tivemos felizmente uma boa notícia. Obtivemos que fosse restabelecido o antigo regime. Assim, segunda-feira já poderá vir o almoço. (…) Obrigado pela roupa de cama, que recebi e estranhei muito. Cinco meses deram para me desabituar dessas coisas. Estou impaciente para rever as crianças. Segundo v. me disse, estão corados e fortes.’

Nas cartas dirigidas à mulher, Caio Prado Jr. mescla o dia-a-dia no cárcere e preocupações políticas. Reclama quando o tempo esfria e do incômodo chão de cimento. Fala dos companheiros que adoecem. Conta como faz para aproveitar o tempo que custa a passar. Mesmo se protegendo no tom evasivo, suas cartas eram previamente lidas pela direção do presídio – lidas, carimbadas, rubricadas e censuradas. Quando o trecho incomodava a autoridade de plantão, tascava-se uma tinta preta sobre o trecho ‘perigoso’ ou inadequado. (Especialistas do IEB querem recuperar o que Caio escrevera por baixo das tarjas pretas.) Carta de 28 de abril de 1936: ‘Minha Baby muito querida, depois da interrupção de alguns dias, recebi hoje novamente o almoço vindo de casa. Estava ótimo…’. Seguem-se duas linhas pintadas de preto. Caio deve ter completado a frase com algo como ‘muito diferente da porcaria que temos.’ Na mesma carta, ele diz: ‘Não sei se v. leu nos jornais (O Estado de S. Paulo) uma matéria…’ e seguem-se oito linhas censuradas. O trecho continua: ‘Mas não importa, porque algum dia chegará…’. Mais seis linhas censuradas. A coisa era nessa base.

Danda discorda dos pesquisadores quando dizem que o pai dela teve regalias na prisão por ser da elite. ‘Os demais presos também podiam receber comida de casa. A regalia que meu pai teve, se é que se pode chamar assim, foi a de passar dias fora da prisão para visitar meu irmão, que estava com escarlatina, doença séria naquele tempo. Mas veio com escolta, ficou vigiado e logo voltou para a cela. Mamãe reclamava dos policiais que fumavam o tempo todo e cuspiam no chão’, conta Danda. Caio procurava se manter ativo na prisão: ‘Restabeleceram o antigo regime de tabiques fechados, com hora para banho, passeio, etc. Estes vaivéns são bons, porque dão o que falar, discutir e sobretudo reagir. (…) Mas não tenho perdido tempo. Estudo bastante, já habituado com o ruído e as interrupções contínuas. Alguma coisa se aproveita na prisão.’

A ESCAPADA

E como. São destes anos alguns escritos fundamentais, como os primeiros volumes dos Diários Políticos e o ensaio Zonas Tropicais da América, no qual Caio Prado Jr. questiona o sentido da colonização brasileira. ‘Ali ele explica a colônia voltada para o mercado externo, às voltas com fluxos transnacionais’, reitera Iumatti.

O tempo ia passando e nem uma fresta de liberdade. Pelas cartas de Caio, percebe-se que havia desencontro de informações, que ora os presos achavam que sairiam da cadeia, ora perdiam as esperanças. Humores vacilavam. Foi quando os detentos resolveram radicalizar: cavariam um buraco, sairiam em algum lugar nas redondezas e, adeus, Paraíso dos infernos. Sobre o plano de fuga, alguma coisa se sabe por esparsos relatos de Paulo Emílio Salles Gomes (1916-1977), o grande teórico do cinema brasileiro, na época um jovem militante comunista, companheiro de prisão de Caio. A turma do pijama cavou pelo menos dez metros até sair na garagem de uma casa na rua Vergueiro. Como burlaram um aparato policial que não hesitava em reprimir e torturar?

De uma coisa se sabe: Caio pode ter cavado, mas não fugiu pelo túnel. Enfraquecido por uma infecção que o fez baixar hospital, acabou sendo transferido para um quartel no Rio, antes do dia D. De outra coisa tem-se quase certeza: a projetista do túnel foi, nada mais, nada menos, Baby. ‘É o que se diz’, admite Danda. ‘Mamãe teria feito o levantamento da vizinhança e projetado a rota de fuga. Não sei onde foram parar seus croquis, mas ela os fazia bem. Há pouco tempo, num evento cultural, fui abordada por uma mulher que disse tê-la conhecido nos idos de 37, nas seguintes circunstâncias. Baby tocou a campainha da casa da mulher, ali no Paraíso, e pediu para olhar o presídio pela janela do banheiro, dizendo que queria ver meu pai no pátio. Conversa…’

Ninguém passou ileso por esse tempo. Caio chegou a ser anistiado por Getúlio. Livre, mas sentindo o bafo do autoritarismo crescente, deixou o Brasil em um navio de carga. Na escala marítima em Casablanca, tomou um avião para Paris. Lá se exilou por alguns anos. Baby pegou os filhos e foi encontrar o marido na Europa. O casamento, no entanto, não durou. Voltaram para o Brasil separados, cada qual com suas cartas.’



MÍDIA & RELIGIÃO
Aureliano Biancarelli

Deus quer você rico

‘Deus quer ver você rico, carros na garagem, negócios prosperando, dívidas quitadas, a família unida, todos com saúde. De quebra, você leva a garantia de uma relação mística com o Espírito Santo. E ainda ganha o céu. Basta que você acredite, abra a carteira e ofereça a seu Deus tudo o que puder. Seja generoso, sincero, nada de desvios ou caixa dois, pois Deus vê tudo.

A fórmula mágica, irresistível, foi desenvolvida pela igreja neopentecostal Universal do Reino de Deus e vem sendo exportada para os EUA, Portugal, América Latina e África. No Brasil, onde nasceu, o número de fiéis da Universal cresceu 681,5% entre 1991 e 2000, segundo os números do IBGE. É o maior salto dado por uma igreja no País, possivelmente no mundo. Significa 278 vezes mais do que cresceram os católicos nesse período, e quase três vezes mais que os fiéis da Assembléia de Deus, a mais numerosa das igrejas evangélicas desde o início do século passado.

Se estiver mantendo o mesmo ritmo de crescimento, a Universal terá hoje mais de 8 milhões de seguidores, ‘colando’ na Assembléia de Deus que em 2000 tinha 8,4 milhões de fiéis. A Renascer, do casal de bispo Hernandes, reunia oficialmente menos de 300 mil fiéis em 2000, hoje já fala em 2 milhões.

O Brasil é hoje, de longe, o maior país pentecostal do mundo, 24 milhões de seguidores contra 5,8 milhões do segundo lugar, os EUA. O sociólogo e professor da USP Antônio Flávio Pierucci, 62 anos, especialista em religião, decifrou os números dos últimos censos e chegou a uma constatação ainda mais significativa: a maior taxa de crescimento vem se dando com as igrejas que pregam a teologia da prosperidade, como a Universal, e aquelas que pregam o milagre da cura, como a Deus é Amor – que cresceu 357,6%.

‘É a primeira vez na história que uma igreja valoriza o dinheiro, a tal ponto que o fato de seus líderes exibirem mansões é visto como sinal positivo’, diz Pierucci. ‘Também é a primeira igreja onde os fiéis são incentivados a cobrar de Deus, ‘eu dei tudo o que tinha, agora você terá de me ajudar’.’ Com essa pregação, os pastores ‘ganharam o direito’, também inédito, de transformar doações de fiéis em mansões para si próprios.

Boa parte das incontáveis denominações de igrejas pentecostais vem sendo ‘contaminada’ pela pregação do enriquecimento e da cura das neopentecostais. Com o catolicismo patinando – cresceu 2,5% entre 1991 e 2000 -, o Brasil caminha para uma ‘cara pentecostal’, mais conservadora e sem nenhuma preocupação ambiental. Ao valorizar o indivíduo e não o grupo, os neopentecostais crescem sem nenhuma voz importante na sociedade civil, diferentemente dos católicos que têm atores como D.Evaristo Arns e dos judeus, que têm Henry Sobel.

Para Pierucci, ‘religiões vivem de promessa e se nutrem da sua autopromoção. Não adiantam nada quendo eu preciso de emprego. Não interferem nas grandes decisões que tocam nossas vidas, como as mudanças econômicas’.

Abaixo, trechos do depoimento que o professor Pierucci deu ao Aliás:

TEMPO DAS CATEDRAIS

O pentecostalismo cresce principalmente na América Católica. No México,já há etnias indígenas inteiras convertidas. É provável que a vinda do papa ao Brasil e sua participação no Celam, a conferência latino-americana dos bispos, tenha a ver com o avanço do pentecostalismo, quem sabe uma conclamação para que os católicos sejam mais agressivos com relação aos pentecostais, especialmente os neopentecostais. Mas não acredito que sua vinda mudará a tendência de crescimento dessas igrejas. O arcebispo da Paraíba (dom Aldo Pagotto) alertou os católicos de que estariam sendo enganados pela teologia da prosperidade. O arcebispo se assustou com o ritmo e a grandiosidade do templo da Universal do Reino de Deus em João Pessoa, quando a basílica de Aparecida, por exemplo, vem sendo construída há 50 anos. Quando o Edir Macedo inaugurou o grande templo da Universal no Rio, moderníssimo, disse que sua igreja estava entrando no tempo das catedrais, assim como o catolicismo já teve o seu tempo. Ele está dizendo que sua igreja está bastante consolidada para sair das capelas e que agora construirá catedrais.

A TERCEIRA ONDA

Os neopentecostais são certamente a corrente que mais preocupa os católicos. Eles fazem parte do que se chama a terceira onda evangélica, representada principalmente por Edir Macedo, da Universal do Reino de Deus, e pelo casal Hernandez, da Renascer. Pregam a teologia da prosperidade. As primeiras evangélicas são chamadas de ‘históricas’, a Luterana, a Batista, Adventista, Metodista. Em 1901 nasce nos EUA o pentecostalismo, que chega ao Brasil em 1910 com a Assembléia de Deus e a Congregação Cristã do Brasil. É a primeira onda pentecostal, bastante conservadora. Os fiéis não se envolviam em política, eram proibidos de participar dos sindicatos, as mulheres usavam roupas longas, os homens, terninhos. A segunda onda surge nos anos 1950, com a Evangelho Quadrangular e a Cruzada de Evangelização Nacional, que passam a usar o rádio e ações públicas para se propagar de forma mais visível nas grandes cidades. Mas a grande novidade da segunda onda foi a cura, o milagre, ‘Jesus cura a doença de seu corpo, não apenas salva sua alma’. A partir daí o ritmo de crescimento do pentecostalismo no Brasil e na América Latina se acelera loucamente. David Miranda, à frente da Deus é Amor, é o principal representante dessa corrente. A terceira onda vem nos anos 70, com a teologia da prosperidade pregada por Edir Macedo, à frente da Universal, e pelos bispos Sonia e Estevam Hernandes, da Renascer. Com esses neopentecostais, há uma valorização positiva do dinheiro, e isso é uma grande novidade no mundo religioso cristão. Todas as denominação evangélicas oferecem os dons do Espírito Santo, uma experiência mística na qual o fiel mergulha numa esfera sagrada, rompendo parcialmente o seu estado de consciência. Oferecem também uma vida eterna depois da morte. A segunda onda, além da experiência mística e da vida eterna, oferece também a cura das doenças. E a terceira, mais do que o misticismo, o céu e a cura, também garante a prosperidade. É a corrente pentecostal que vem crescendo mais rapidamente. O protestantismo do século 17 dizia que Deus iria coroar de sucesso o fiel que trabalhasse. O trabalho era recompensado. Já o neopentecostalismo valoriza o dinheiro. Você dá dinheiro para a igreja e quanto maior a tua generosidade, maior a tua recompensa. Isso nunca houve. É como se fosse uma aplicação, você investe na igreja e aguarda um retorno de Deus. Isso é uma invenção dos neopentecostais, uma grande mina de ouro. Eles descobriram uma maneira de fazer as coisas de uma forma que dificulta dizer que as pessoas estão sendo enganadas. Porque vão dizer que estão dando o dinheiro porque querem, o advogado vai dizer, ‘as pessoas estão dando livremente o dinheiro, ninguém está sendo coagido fisicamente, as pessoas abrem sua carteira porque querem’. Há muitas ações na Justiça, mas quando se trata de religião, fica difícil provar que as pessoas estão sendo enganadas.

COMO UMA EMPRESA

A teologia da prosperidade é americana, mas foi processada aqui e hoje é exportada. O Brasil inovou pregando em grandes espaços, ocupando a mídia e criando uma igreja-empresa. A Renascer partiu para a imagem de mídia social, tentando ganhar a classe média, os jovens, o bispo Estevam é dono da marca gospel. A Universal do Reino de Deus tem um líder extremamente carismático, que é o Edir Macedo. Tudo ali é programado como uma empresa, de cima para baixo, o soldado raso não manda nada. É bem o oposto, por exemplo, da democracia de uma igreja Batista, pequena, local, autônoma, onde os pastores e os fiéis decidem até os hinos que vão cantar. Isso é impensável na Universal, onde todos os dias o pastor presta contas online do movimento de sua igreja. Se não cumpre as metas, é mandado para uma igreja menor, se vai bem, é promovido. É todo um esquema de prêmio, promoções. David Miranda, da Deus é Amor, partiu para o espetáculo do milagre. Reúne multidões em estádios para dizer que todos ali que tiverem câncer na perna, que dêem um passo à frente, pois serão curados. E as pessoas acreditam.

COBRANDO DE DEUS

Além dos ‘desafios’, que são as ofertas em dinheiro quando você precisa de uma ajuda especial, uma cura, um negócio que vai mal, as igrejas cobram o dízimo, exatos 10% do que você declara que ganha. Como Deus vê tudo, você vai ficar morrendo de medo de estar mentindo. Esse é outro trunfo das religiões, você pode mentir para a receita, mas quem crê não mente para Deus. Na Deus é Amor do David Miranda, o dízimo é cobrado com um carnê de 12 prestações. Antes de participar da santa ceia (que é a comunhão, para os católicos), um obreiro confere se você está quites com o dízimo. Se não estiver, você não recebe a comunhão. Mas quando você dá, seja o dízimo, sejam as ofertas, você explicita a sua cobrança. Essa é outra diferença do neopentecostalismo, o fiel é levado a ser exigente com Deus, a cobrar de Deus. ‘Eu dei para você tudo que eu tinha no banco, você é fiel, você não vai me abandonar, você vai fazer isso que estou pedindo’. É um jeito de orar cobrando, nada parecido com as orações tradicionais, que pedem com humildade. E os pastores fazem essas cobranças em voz alta, para que os fiéis aprendam como se dirigir a Deus de uma forma mais reivindicante, mais altiva. E eles sempre vão cobrar de Deus, não dos pastores. Nem que você veja seu dinheiro transformado em uma mansão em Miami, isso não vai tirar de você o direito de cobrar de Deus. Também não levará você a culpar seus pastores, pois o sucesso reforça a idéia de que Deus de fato recompensa aqueles que oram, e que o dinheiro é uma coisa positiva, desejável. Por outro lado, os neopentecostais exploram a crença de que são uma minoria perseguida por uma igreja majoritária, que são discriminados pela sociedade, que a universidade brasileira tem preconceito contra eles. E quando acontecia de o Edir Macedo, por exemplo, ser acusado de lavagem de dinheiro ou sonegação de impostos, ou era mostrado atrás das grades, se dizia que era perseguição, como Cristo foi perseguido. Com isso conseguem a solidariedade daquelas igrejas evangélicas menos críticas. Os neopentecostais aprenderam a transformar doações dos fiéis em riqueza pessoal. Não se sabe ainda como isso será explicado para a receita. A Igreja Católica também tem muitos bens e as congregações têm propriedades, mas aqui se faz uma distinção entre o que é da pessoa jurídica e o que é da pessoa física. A Cúria Metropolitana, as congregações, podem ter muitos bens e imóveis, mas o arcebispo e os monges são pobres .

AVANÇO PREDADOR

O neopentecostalismo é muito mais pelo indivíduo do que pelo grupo. É assim que são feitas as conversões, por ‘contaminação’. Se um taxista de um ponto é convertido, dentro de algum tempo outros motoristas serão convertidos. A idéia é retirar o indivíduo do grupo onde ele se encontra e oferecer a ele um outro grupo, onde se sentirá inserido e valorizado, passará a acreditar e se empenhará em converter outros. O neopentecostalismo não respeita tradições nem culturas. É impiedoso com as religiões menores, como as afro-brasileiras, age como se estivesse numa guerra, disputando fiéis. Isso explica seu rápido crescimento, especialmente na periferia das grandes cidades e nas regiões onde o catolicismo não avançou. Seus pastores seguem os novos espaços onde a floresta vem sendo derrubada e novas fronteiras sendo abertas. Eles não avançam para conter, avançam porque a abertura de novas fronteiras rompe as tradições, e onde as tradições se rompem é sempre mais fácil prometer ‘nada do passado e tudo do futuro’ A idéia de preservação não combina com esse tipo de empreendedorismo evangélico. Eles são predadores, não são preservacionsitas, são uma igreja capitalista.

SEM LIDERANÇAS

É uma religião que optou por colar nos mais pobres, não como uma opção pelos excluídos, como fez a Igreja Católica, mas para convertê-los.Talvez por conta desse foco no indivíduo, não no grupo, os pentecostais e os neopentecostais não têm lideranças na sociedade civil, como a Igreja Católica tem d. Evaristo Arns. Os judeus são pouco mais de cem mil (segundo o censo de 2000) e o rabino Henry Sobel é uma estrela; a monja Cohen (os budistas são cerca de 250 mil no país) dá um grande peso aos movimentos que participa. Os pentecostais não têm isso. Há pastores evangélicos intelectuais, engajados, mas nada que venha no sentido de uma simpatia para o socialismo, uma idéia coletiva de que você tem quer solidário com as populações mais pobres.

Entre os anos de 1991 e 2000, os neopentecostais da igreja Universal tiveram um crescimento de 681,5%. As várias igrejas ou denominações evangélicas, juntas, cresceram 98,5%. Nesse período, os católicos aumentaram 2,5%, bem abaixo da taxa de crescimento da população brasileira, que foi de 15,7%. Em 2000, segundo o censo daquele ano, os católicos eram 124,9 milhões e os evangélicos, 26,2 milhões.

Se as tendências de crescimento permanecerem, o Brasil será um país com uma cara cada vez mais pentecostal. Essa sociedade será mais conservadora nas questões de moral sexual. Nas relações entre o casal, o homem ficará mais respeitoso com a mulher, como acontece em todo as igrejas protestantes. Mas esse respeito não será um respeito erotizado, portanto, viveremos em um país mais conservador.’



INTERNET
Ana Paula Lacerda

Empresas brasileiras entram no Second Life

‘O Credicard Citi montou um novo posto de atendimento, onde trabalha a recepcionista Tati Gentil. Das 18h às 24h, ela tira dúvidas sobre os produtos Credicard Citi e, principalmente, sobre os arredores do posto, que fica em um local novo, pouco conhecido pelos brasileiros.

O tal posto de atendimento não fica no mundo real. Está no Second Life, um mundo virtual que pode ser acessado pela internet e cuja versão brasileira estará disponível a partir do fim deste mês. Tati Gentil é um ‘avatar’, nome pelo qual são chamados os personagens que representam as pessoas no jogo.

Por trás da Tati Gentil há uma pessoa que a controla, contratada especialmente para fazer esse serviço de atendimento. ‘Acho que é o primeiro posto de trabalho de atendente de cartão de crédito virtual do Brasil’, brinca a diretora de comunicação e marcas do Credicard Citi, Paula Abramovicz.

‘O Second Life está crescendo muito, e criar um espaço lá dentro é uma maneira de se aproximar de jovens que podem se tornar consumidores e também abrir mais um canal de comunicação com aquelas pessoas que já são clientes Credicard Citi’, explica a diretora. Quem vai só ao posto do Credicard Citi ganha uma camiseta virtual que vai para o guarda-roupa do avatar. ‘As maiores empresa do mundo já estão no Second Life.’

Lá fora, Microsoft, Dell, Versace, Edelman e Toyota (entre outras) já montaram seus virtuais no Second Life. Há cerca de 15 mil negócios rentáveis no jogo. A Adidas vende tênis virtuais para os avatares que vão à loja ou tênis reais para quem fizer o pedido e quiser receber em casa. Os produtos são pagos em lindens (L$), moeda corrente do mundo virtual. Cerca de L$ 300 valem US$ 1. Mas qualquer pessoa criativa que entenda de programação (ou conheça um programador) pode criar algo no Second Life. Pela regra, aquilo que um usuário criar é dele e pode ser comercializado.

Na sexta à noite, US$ 1,25 milhão haviam sido gastos dentro do ambiente virtual nas 24 horas anteriores. Dos 3,4 milhões de usuários cadastrados, 70 mil são brasileiros.

A MTV brasileira anunciou que investirá R$1 milhão na criação de sua sede virtual dentro do Second Life – segundo o diretor de marketing da emissora, José Wilson, é mais que 10% da verba anual de marketing da empresa. ‘Numa primeira fase teremos apenas nossa marca lá dentro. Depois, teremos uma programação de atividades para os usuários, assim como a MTV real. O público da MTV é muito ligado à internet, não poderíamos deixar de estar entre os primeiros a aderir ao Second Life.’ Para ele, o sucesso deste mundo paralelo deve se assemelhar ao do Orkut e do Youtube.

VERSÃO NACIONAL

A invasão brasileira às novidades da internet motivou o Internet Group (iG) e a Kaizen Games a trazerem para cá o jogo. O Brasil é o primeiro país a ganhar uma versão. ‘Várias empresas estão montando projetos’, diz o diretor de conteúdo do iG, Alexandre Barreto. ‘Já acontecem negócios lá dentro, e no Brasil essa tendência deve continuar.’ Na sexta-feira, a agência DM9DDB levou lá para dentro o DJ inglês Fat Boy Slim. A TudoEventos e Conteúdos marcou show da Banda Eva para a Quarta-Feira de Cinzas.

Segundo Barreto, se a pessoa for apenas passear e papear naquele mundo, não paga nada. Para construir coisas, porém, ela paga uma mensalidade cujo preço ainda está em estudo. E se ela ganhar dinheiro lá dentro, o valor será creditado em seu cartão de crédito. Ficou famosa a história da alemã Ailin Graef, que circula com o avatar Anshe Chung, uma ‘corretora’ do mundo virtual. Após comprar e revender diversos terrenos no Second Life, ela obteve mais de US$ 1 milhão.

‘Talvez no futuro seja necessário haver áreas da Fecomércio só para comerciantes do Second Life’, brinca o presidente do conselho de tecnologia da Fecomercio-SP, Renato Opice Blum. A instituição criou uma réplica do prédio de São Paulo dentro do jogo, onde serão realizadas reuniões e palestras virtuais. ‘A médio prazo, alguns serviços podem ser acrescentados, como emissão de documentos.’ Se alguém tiver alguma dúvida, o avatar FecomercioEun (apelidado de ‘Feco’ por outros usuários) está lá das 9h às 18h para dar informações.’

Shaonny Takaiama

Terapia online para TPM

‘As mulheres foram à luta, queimaram sutiãs, conquistaram cargos melhores no mercado de trabalho e blá, blá, blá. Mas tanto esforço mostrou que a TPM às vezes é um monstro, que um dia de trabalho pode ser pior do que uma competição de vale-tudo e que os homens, sim, eles são quase todos iguais. Com tantas preocupações na cabeça, as luluzinhas fizeram da web a sua válvula de escape: inauguraram blogs, portais e sites para meter a boca no trombone, mas com muito humor e estilo.

Alguns sites, como o Banheiro Feminino e o 02 Neurônio já se tornaram referência no gênero ‘humor calcinha escrachado’. Vença seus infortúnios com boas doses de deboche, é o que eles pregam. O Banheiro Feminino, por exemplo, conta com uma seção dedicada aos nossos dilemas estéticos, de etiqueta e afins, a S.O.S Baranga. A coluna, escrita por Laura Chanel, combate pecados femininos como o uso das botas brancas que fazem qualquer uma se sentir paquita (com exceção da Wanderléia), as alças de sutiã à mostra (só Julia Roberts, que abusou da cafonice no filme Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento pode cometer este pecado porque ‘ela é a Julia, ela é Roberts e aquilo é Hollywood’, segundo a autora) e a desconcertante maquiagem azul-metálica para o dia.

Na mesma linha de tirar sarro do chamado ‘universo feminino’ segue o 02 Neurônio, que se mantém firme e forte há dez anos e cuja temática, antes dirigida ao público adolescente, hoje também aborda questões como filhos, casamento e separação, por conta do amadurecimento das autoras. ‘Como a gente fala sobre essas questões femininas com humor, há um público que vai se renovando, porque esses temas não envelhecem nunca (risos)’, diz a jornalista Raq Affonso, uma das criadoras do site.

Feminista, mas sem preconceito, um dos textos da seção A Moça e Seus Problemas prega a emancipação das mulheres em tarefas ainda consideradas exclusivamente masculinas como conectar cabos, matar baratas, trocar lâmpadas e pneus e fazer uso da furadeira. Jô Hallack, a autora, conseguiu conectar a antena externa de sua TV a cabo e concluiu, maravilhada: ‘Não há mal nenhum em ligar alguns fios. Pelo contrário! É muito bom ser capaz de executar tarefas de homem!’

Os caçulas da web

A cartunista curitibana Pryscila Vieira publica no site www.amely.com.br as tirinhas de sua personagem Amely – Uma Mulher de Verdade. A grande sacada de Pryscila é que Amely nada mais é do que uma boneca inflável, mas com alguns diferenciais. A boneca lê Arthur Shopenhauer, tem dores de cabeça na hora do sexo e gosta muito de falar, ou melhor, discursar. Tais comportamentos, não condizentes com o que se espera de uma boneca inflável, ainda vão além, pois discrição também não é o seu forte. Quando seu homem/proprietário brocha, Amely vai correndo ligar para as amigas (Barbie, Suzy e Polly) só para contar a novidade.

‘A mulher muitas vezes se sente assim, como um objeto, um pedaço de carne à mercê da vontade do marido ou do namorado’, justifica Pryscila, sobre sua personagem.

Se a vontade de acabar com os homens, mesmo que só virtualmente, for muita, há ainda o site ‘Não saia com ele’, cujo objetivo é denunciar os ‘palhaços’ (termo utilizado pelas usuárias) que existem por aí. O Não Saia Com Ele cadastra perfis de ex-namorados, ex-maridos e ex-ficantes que se comportaram mal diante de suas parceiras, e já recebeu 400 denúncias (mas publicou 150) e tem cerca de 3 mil visitantes por dia, na maioria adolescentes. ‘A mulher madura tem uma capacidade maior de passar por cima dessas situações do que as adolescentes porque ela já tomou mais pauladas na cabeça’, teoriza a advogada Amber Filgueiras, criadora do site.

Há ainda quem prefira o universo da ficção para discutir temas femininos. No site ‘A escrevinhadora’, da escritora Dóris Fleury, há contos divertidos e irônicos sobre assuntos que rondam a vida de qualquer mulher: relacionamentos com professores; o dia-a-dia de uma mulher que trabalha, cuida dos filhos, do marido, dos cachorros, da casa e ainda tem de ser bonita; a primeira experiência lésbica de uma mulher; a arte de agüentar os chatos de plantão, entre outros assuntos que só mesmo sendo de Vênus para entender.

Os temas discutidos no site do Banheiro Feminino podem agora ser conferidos no livro ‘Eu Sento, Rebolo e Ainda Bato um Bolo’, de Andrea Cals e Marcela Catunda. Matrix Editora. Preço: R$ 18′



TELEVISÃO
Leila Reis

Beijo, e não sangue

‘O amor tomou o lugar do pânico nas tardes da TV. Até bem pouco tempo atrás, os shows policialescos – travestidos de jornalismo – eram a tônica na programação vespertina. Felizmente esse filão foi definhando até sobrar alguns poucos resquícios.

Como a televisão vive de ondas, a de agora são os programas de namoro. Esta semana, a Record colocou no ar o Jogo do Namoro, apresentado às 17 horas por Maria Cândida, que faz as vezes de cupido. Jogo do Namoro é um formato comprado da Sony (Dating Game) no qual uma garota ou um rapaz escolhe entre três pretendentes depois de uma entrevista ‘às escuras’.

Logo depois no SBT, Celso Portiolli apresenta o Namoro na TV e Etc., que tem mais ou menos o mesmo formato, com uma diferença. Se o escolhido ou escolhida não gostarem muito do pretendente dá um beijinho fraternal e os dois ganham R$ 50,00. Se trocar um beijo cinematográfico, o casal embolsa R$ 250,00 cada. Não se sabe se por interesse amoroso ou financeiro, a maioria tem levado sempre o prêmio maior.

Aos domingos, Márcio Garcia faz o mesmo dentro do Melhor do Brasil (Record), só que em escala maior. Forma uma espécie de banca de garotas para avaliarem jovens no quadro Vai Dar Namoro. Eliana faz algo parecido em Saindo com a Sogra, em que o candidato escolhe a parceira amorosa por meio da visão que a mãe dela lhe passa. Este formato também foi importado pela Record. Aos sábados, Luciano Huck é outro que mexe com o assunto no quadro Operação Cupido.

Logo depois do carnaval, Daniela Cicarelli volta à MTV com edições inéditas do Beija Sapo, o programa de maior audiência da emissora mesmo em temporada de reprise. Em abril, Penélope Nova também retorna com novas edições do A Fila Anda, também presente no ranking dos cinco melhores ibopes da MTV.

Isto quer dizer que o público, por romantismo ou sadismo, gosta de testemunhar encontros ou foras amorosos. Da mesma maneira que diante dos reality shows, a platéia se diverte com a cara-de-pau dos que vão à TV para arranjar namorado e torcer por algum dos concorrentes. E não é de hoje. Esse é um gênero que vira e mexe retorna ao vídeo com uma pequena recauchutada.

E não é só aqui. Na Europa e Estados Unidos há vários programas nessa linha e, como inovar é difícil, às vezes se resvala para o esdrúxulo. Na Holanda (o país que exportou o Big Brother para o mundo), uma emissora está anunciando um programa – batizado de Amor à Segunda Vista – do qual só podem participar pessoas com deficiências físicas aparentes, mesmo depois de pesquisa indicar que 85% dos holandeses não estão gostando da idéia.

Promover encontros de corações solitários – e muitas vezes nem tão solitários, porque há grandes suspeitas de que o real objetivo da massa dos participantes desse tipo de show é mais aparecer do que se arranjar – pela TV é um filão que tem história no Brasil.

Nos anos 70, Silvio Santos explorou o namoro e até o casamento na TV. Os mais maduros lembram-se de casamentos coletivos promovidos para as câmeras de SS. E como sempre rende, O Namoro na TV foi reeditado nos anos 80 e nos 90 – com o título Em Nome do Amor.

Enfim, é um gênero revivido sistematicamente porque por inúmeras razões mexe com o telespectador. E aqui entre nós, é mais saudável entreter-se com a puerilidade do namoro do que com a truculência dos shows policiais.’




Cristina Padiglione

Classificação passa a considerar fuso horário

‘As emissoras de televisão têm até 90 dias para cumprir os termos da nova portaria para a classificação indicativa na TV. Assinada pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, na quinta-feira, a portaria foi encaminhada para publicação no Diário Oficial de amanhã. A portaria traz duas grandes mudanças em relação à que está em vigor (de número 796, assinada pelo então ministro José Gregori, em 2000): as emissoras passam a cumprir a classificação horária considerando o fuso horário local (e não mais o de Brasília), impedindo assim que uma novela indicada para as 21 horas vá ao ar às 18 horas, como acontece hoje em Estados como o Acre; e as emissoras passam a informar, antes do início de cada programa, o conteúdo que justifica sua indicação para aquele horário.

Os programas também deverão manter na tela, durante toda a sua exibição, símbolos-padrão criados pelo Departamento de Classificação Indicativa, do Ministério da Justiça, com design que lembra placas de trânsito: ER (Especialmente Recomendado para crianças e adolescentes), L (livre para todos os públicos), 10 (não recomendado para menores de 10 anos, mas sem restrição a faixa horária), 12 (não recomendado para menores de 12 anos, às 20h), 14 (às 21h), 16 (22h) e 18 (Não recomendável para menores de 18 anos, às 23h).

Nos debates pela elaboração da nova portaria, o respeito à classificação por fuso horário era o item que mais incomodava os representantes das emissoras de TV. Em compensação, os radiodifusores serão contemplados, na nova portaria, com a autoclassificação, como defendia a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (que abrange Globo, Record, SBT e MTV). Pelas novas regras, é a emissora que defende por que determinado programa pode ir ao ar em determinado horário. À concessionária, também cabe informar as razões de tal classificação ao telespectador. O Ministério da Justiça irá monitorar o programa, a fim de constatar se a autoclassificação faz jus ao horário. Se assim não for, o MJ irá sugerir sua reclassificação.

Nesse sentido, a nova portaria promete mais agilidade e menos burocracia nos trâmites que permitem ao MJ fazer uma advertência à emissora, bem como sua contra-argumentação ou acato. Pelas regras em vigor, um processo de reclassificação demorava quase o prazo de duração de uma novela para ser solucionado – foi o caso de Cobras & Lagartos, folhetim das 19 horas, na Globo, que ignorou as advertências do MJ para abuso de cenas de violência e, quando foi reclassificada para exibição mais tardia, já estava no último capítulo.

A classificação permanece sobretudo como ‘indicativa’, não punitiva. Diante de suspeitas de conteúdos inadequados, fica a cargo do Ministério Público submeter à Justiça ações que resultem em punições, como aconteceu no caso da entrevista forjada pelo Domingo Legal com falsos membros do PCC, no SBT. Já os noticiários, em respeito à Constituição, são livres de classificação.’

Renata Gallo

‘Estou em uma boa safra’

‘Estatura mediana, magra, cabelos encaracolados, pele bem clara. Esta é a parte fácil. Descrever a personalidade de Débora Bloch, no entanto, é tarefa ingrata. Alguns dizem que ela é uma pessoa difícil, ela se diz uma pessoa exigente. Faz sentido. Mas não é só isso. A cada frase Débora impõe um tom diferente à sua voz: ora cômica, ora irônica, ora sedutora, ora frágil, na maioria das vezes, auto-suficiente e segura.

Isso tudo em uma conversa de pouco mais de uma hora. Com encontro marcado para as 18 horas, Débora ligou cerca de 40 minutos depois para dizer que iria se atrasar – bastante. A foto, pré-agendada, foi desmarcada. Fotografar depois de passar a tarde no estúdio chorando por Beatriz, de Amazônia, definitivamente, não estava em seus planos.

Na entrevista, falou sobre como foi crescer com um pai artista, do bem que o teatro lhe faz, da vontade que já teve de desistir da carreira e da frustração que é ser classificada na TV como atriz de comédia. Agora, em um papel dramático, aos 43 anos – conservadíssimos -, a TV parece ter lançado um novo olhar sobre ela. Mais madura, sabe que está em ótima fase, diz que aprendeu que não pode falar tudo o que passa por sua cabeça e que está mais tolerante. Comigo, ao menos, ela foi.

O que você tem de mineira?

Sou muito desconfiada (séria). Estou desconfiadíssima de você! (risos) Olha, nasci em Belo Horizonte mas saí de lá com 6 anos, depois morei em São Paulo. Vim para o Rio aos 13 e há 30 vivo aqui. O Rio é a minha cidade.

Você foi muito influenciada pelo seu pai?

Ah, sim. Passava meus fins de semana em ensaios de teatro, na coxia. O teatro sempre esteve dentro da minha casa. E desde muito cedo eu ia ver espetáculos não infantis, espetáculos adultos. Muito garota assisti Antunes, Macunaíma, Pina Bausch, Peer Gynt, de Ibsen… Lembro que meu pai fez Sonho de uma Noite de Verão e, com 9, 10 anos, sabia a peça de cor. Lembro do meu pai treinando esgrima no quintal com o Walmor Chagas, ensaiando Hamlet…

E daí para você virar atriz?

Sempre me interessei, mas não tinha certeza se queria fazer teatro como profissão, tanto que fiz vestibular para História e Comunicação. Aí meu pai me sugeriu um curso no Teatro Ipanema com o Rubens Corrêa e Ivan de Albuquerque. Fui fazer. Também dançava nesta época, meu pai era casado com uma bailarina, e tinha vontade de ser bailarina. Mas quando fui fazer vestibular já tinha estreado, tinha sido picada e acabei nem fazendo faculdade.

Quando estreou, vislumbrava viver do teatro?

Comecei a trabalhar cedo. Tinha 17 anos quando estreei no Rasga Coração (de Oduvaldo Vianna Filho) e era um espetáculo profissional. Passei no teste e assinei um contrato, tinha salário! (risos) Então muito garota já comecei a viver do teatro. E sou filha de ator. Sempre vi meu pai fazendo três trabalhos ao mesmo tempo para a gente sobreviver. Acho que deve ser diferente para uma pessoa que não tem isso na família, fica sempre uma coisa não vista como profissão. Mas na minha casa meu pai sempre me sustentou com o teatro.

Você também leva seus filhos para a coxia?

O teatro é muito fascinante para uma criança, é um espaço das idéias, do texto, é lúdico. Gosto de levar meus filhos porque me lembro de muito garota ter contato com estes textos e acho que o teatro abre muito a nossa cabeça. Agora, acho que meu pai era mais hippie (risos). Quando meus pais se separaram, fui morar com ele e na casa não tinha um esquema de organização. Então, muitas vezes ia ao teatro porque não tinha com quem ficar. Sou mais organizada.

Além de desconfiada, li que você disse uma vez que você tem um olhar bem-humorado em relação à vida. Isso é exemplificado na quantidade de papéis cômicos que você já fez?

É, na TV é o seguinte: você faz um papel e daí eles só te chamam para aquilo. É uma loucura. Por isso estou tão grata a Glória Perez, você nem imagina. Sempre sou chamada para fazer a engraçada, que adoro, porque acho que sou uma pessoa que tenho um ponto de vista bem-humorado das coisas. Gosto de fazer rir, gosto de pessoas que me fazem rir. E acho o humor uma virtude, transgressor, que requer perspicácia, inteligência. Porém, é aprisionante para um ator fazer sempre o mesmo papel. Mas a TV tem um pouco isso: ela te classifica, o que é muito chato. O legal do ator é poder ser vários.

Você atribui isso ao ‘TV Pirata’?

Para mim foi muito interessante fazer o TV Pirata porque até então eu só tinha feito heroína em novela, só era chamada para isso. E, a partir dali, foi a primeira vez que passei a fazer outros personagens. Aprendi muito, trabalhei com atores incríveis. Ali encontrei minha turma, meu espaço na TV, antes não me sentia muito encaixada. Foi uma faculdade.

Este rótulo que você recebeu na TV justifica os períodos que você esteve ausente d ela?

É, você fica lutando contra esta classificação sempre, buscando trabalhos que te desafiem. Por isso muitas vezes faço a opção de ir para o teatro porque acho que é meu caminho e onde vou crescer. Na TV você depende do convite, no teatro você escolhe seu personagem. É por isso mesmo que produzo as minhas peças. No teatro você consegue experimentar outras zonas de interpretação, tem o processo. Na TV você não tem, é indústria, você tem que chegar pronto, apresentar resultado.

Você já pensou alguma vez em parar, desistir?

Já, já… É uma profissão difícil, às vezes. Já pensei, penso, é uma profissão que tem as safras – como acho que agora estou numa boa safra, num bom trabalho – e as entressafras, que não são fáceis. É onde você tem que recomeçar, se reinventar, se redescobrir e ver para onde vai. E são momentos difíceis. Mas com o tempo, quando você fica mais madura, você aprende que é assim e passa melhor pelas entressafras.

Você se acha uma pessoa difícil?

Não, acho que eu sou fácil. Mas tenho esta fama e acho que é porque sou exigente com a qualidade do que eu faço. Tenho um rigor com o meu trabalho: seja para fazer uma foto ou para uma cena. Tenho uma exigência na qualidade do que faço que quem está do lado, se não tem, me acha difícil. Você não vai me ouvir dizer: ‘Dane-se, está bom assim mesmo’. Não é uma frase que tenho na minha boca. Sempre acho que podemos fazer melhor e acho que é assim que as coisas ficam boas! Se o trabalho está bom é porque as pessoas trabalharam para ficar bom. Mas estou melhorando, no sentido que agora não faço um trabalho quando acho que ele vai ser malfeito.

Você tem recebido convite para o cinema?

Fiz em 2006 o Jogo de Cena, do Eduardo Coutinho. Foi um negócio dificílimo. Ele colocou um anúncio no jornal convocando mulheres para irem contar a sua história. Filmou várias mulheres e chamou algumas atrizes para fazerem estas mulheres. Foi uma missão impossível porque quando você tem um texto você cria a sua personagem, mas com uma pessoa real é uma coisa inalcançável. Não sei o que deu… Até falei para a Nanda (Fernanda Torres): ‘Acho que no final ele vai achar melhor tirar a gente e deixar só as mulheres de verdade’. (risos)

Você leva algo seu para seus personagens?

Eu acho que um personagem não é fora de você, o material é você. Eu sou o meu material, a minha vivência, a minha emoção, meu sentimento, minha inteligência, minha opinião… Isso será o personagem. A maneira como vou fazê-lo depende da minha visão de mundo. Por isso acho que um ator fica melhor com o tempo. Não só porque ele exercitou mais, mas porque como pessoa você fica mais interessante.

E você leva para você algo do personagem?

Olha, não existe isso de ficar tomado por um personagem, personagem não é santo que baixa. Existe essa idéia que acho que é equivocada. Mas, por exemplo, hoje passei o dia chorando no estúdio tendo que buscar em mim uma tristeeeza, uma raiva, para vir este sentimento. Quando terminou, estava exausta.

E você chora por quem?

Não penso em mim. Mas tem que ter em mim aquele sentimento. Não é o meeeeu sentimento, mas ‘o’ sentimento, que é universal. Não sou ‘eu’, Débora, não é a minha tristeza, é ‘a’ tristeza, genérico. A tristeza que tenho certeza que eu tenho, que você tem, que todas as mulheres têm. Aquele sentimento da Beatriz de estar apaixonada por um homem e ser abandonada… Posso não ter vivido exatamente isso, mas de alguma maneira vivi isso, um amor, um abandono… Para isso serve um ator.

Tem saudade de algum personagem?

Bom, quando termina uma novela você já está loooouca para terminar. É, acho bom quando você está fazendo um trabalho que está curtindo, como este, mas não tenho isso não. Vai acabar a Beatriz, vai ter sido uma delícia, mas quero saber do próximo. É como gravidez, no final você já está muito cheia, com as costas doendo, louca para aquele filho nascer.

Você está bonita na minissérie. Fez alguma coisa?

Ai, obrigada. Minha filha, o negócio é uma boa luz, um bom diretor de fotografia, uma boa maquiagem e um bom figurino. Isso é tuuuudo para uma atriz. Não acordo daquele jeito não, minha filha. Às vezes fico pensando: vou levar aquele fotógrafo lá para a minha casa para eu já acordar no meio daquela luz! Mas faço ioga, corro na Lagoa. Este sanduíche aqui (pão ciabata, mussarela de búfala, rúcula e tomate seco, que ela comeu pouco mais que a metade) é uma exceção! Levo minha marmita para a gravação. Cuido da minha alimentação e faço exercício, não tem outro jeito. É isso, sem intervenções cirúrgicas – por enquanto (risos).

Débora, muito obrigada pela entrevista.

Ah, só sobre quando você comentou que sou difícil, acho que você não trabalha sozinho, por isso é importante a equipe de trabalho. Sempre penso nos meus parceiros. É um time, igual a um jogo. Um tem de passar a bola para outro para fazer o gol. É isso. E aí, me achou difícil?’

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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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