No dia depois do referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia, um dos lideres da campanha a favor da saída surpreendeu ao admitir que tinha enganado o público sobre uma questão chave. Quando se lhe preguntou se os supostos 350 milhões de libras destinados semanalmente pelo Reino Unido à EU se canalizariam agora para o Serviço Nacional de Saúde, o ex-líder do UKIP, Nigel Farage, disse que “não”, que tinha sido “um erro” prometer tal coisa.
Numa entrevista com Susana Reid, a apresentadora do programa de televisão da ITV Good Morning Britain, Farage disse que não podia garantir o cumprimento desta promessa feita durante a campanha, e tratou de evitar o assunto afirmando que não se tratava de uma promessa oficial, apesar de que a publicidade da campanha do Leave anunciara a medida anteriormente.
Perante isto, cidadãos e jornalistas indignados, enviaram mensagens de Twitter com a foto dos anúncios – em lugares tao conspícuos como os laterais dos autocarros, desmascarando a mentira.
Este incidente reflete a necessidade de comprovar os dados na politica como serviço público, para permitir que os votantes possam tomar decisões mais informada e racionais sobre aqueles assuntos que afetam a sua via cotidiana.
A manipulação politica e mediática
É de supor que a comprovação de dados forma parte da prática jornalística habitual. Ao recolher informação, o jornalista deve verificar a sua veracidade. O seu trabalho é examinado então por um editor, quer dizer, por uma pessoa com mais experiência profissional, capaz de corrigir ou modificar aqueles pontos que assim o exijam.
Alguns meios têm departamentos especializados em comprovar o trabalho dos seus jornalistas e editores. Este tipo de atividade ficou conhecida popularmente através do filme Bright Lights, Big City, no qual Michael J. Fox desempenha o papel dum comprovador de dados “num grande semanário de Nova Iorque”.
Nas décadas posteriores aos anos 80, a maioria de empresas não se podia dar ao luxo de ter um departamento de comprovação de dados – ou simplesmente não o consideravam necessário – ou nem sequer contavam com a figura de um comprovador que fizesse o papel de advogado do diabo na redação.
Mas a necessidade de comprovar dados não desapareceu. Pelo contrário, com a chegada das novas tecnologias, que deram lugar a novos meios que recorrem a diferentes tipos de desinformação, a necessidade aumentou. Grande parte da informação que se partilha em linha, inclusive por parte dos meios de comunicação especializados, não se comprova, uma vez que estes meios simplesmente cortam e colam – ou nalguns casos, plagiam – conteúdos suscetíveis de ser “clicados” ou gerados por terceiros. Os políticos populistas, especialmente aqueles que se caracterizam pela sua tendência para usar táticas manipulativas, receberam encantados esta nova realidade aliando-se com magnates da imprensa sensacionalistas ou convertendo-se eles mesmos em proprietários de meios de comunicação.
Nos últimos anos, a necessidade de comprovar os dados da informação política recebeu um empurrão por parte de certos coletivos. Por um lado, os jornalistas que, depois de anos nas trincheiras da informação, se mudaram para a universidade e desde ali se esforçam por defender as normas da sua profissão. Por outro, organizações da sociedade civil cujo objetivo é o uso de novas tecnologias para a regeneração democrática, forçando os governos a uma maior transparência e a uma maior prestação de contas, combatendo desta forma a corrupção. Vários projetos deste tipo que combinam ativismo social e desenvolvimento mediático surgiram em vários lugares do mundo.
Mais de 100 comprovadores de dados de 40 países assistiram à recente Conferência Mundial de Comprovação de Dados em Buenos Aires, Argentina (#GlobalFact3, 9-10 de Junho). Organizado pelo Instituto Poynter dos Estados Unidos, a reunião serviu para reforçar a Rede Internacional de Comprovação de Dados de Poynter (eu mesmo assisti à cimeira como representante da Fundação Metamorphosis, que impulsa dois projetos na Macedónia: o TruthMeter e o Media Fact-Checking Service.)
As organizações que se dedicam à comprovação de dados começam por desenvolver uma metodologia como base e matriz para as suas analises. Um dos debates chave da Cimeira de Buenos Aures versou sobre a possibilidade de desenvolver um código compartilhado e princípios que ajudem os comprovadores a melhorar e aumentar a transparência do seu trabalho e a consolidar desta forma a confiança dos leitores na comprovação de dados.
A comprovação de dados na Televisão: a última fronteira
O público principal das atividades de comprovação de dados encontrasse em linha. Investigações realizadas na Macedônia sugerem que o público objetivo deste conteúdo é formado por jovens altamente educados. A nível mundial, contudo, esta categoria demográfica represente somente uma parte dos votantes. Com o intuito de chegar a um público mais amplo, os projetos de comprovação de dados em linha devem colaborar com outros meios de comunicação.
Alguns projetos de comprovação de dados adentraram-se no meio de comunicação que continua a ser hoje em dia o criador de opinião dominante entre a população mais velha e com menos educação formal: a televisão. Há alguns casos de êxito, como El Objetivo em Espanha, ou o Vírus em Itália. Quando dispõem de uma produção de alta qualidade, estas iniciativas demonstram que a comprovação de dados poder ser uma forma atrativa de edutainment.
Mas o que é mais importante: os implicados nestas iniciativas estão dispostos a partilhar os seus conhecimentos. Em maio de 2016, os produtores dos programas de televisão europeus que comprovam a veracidade do discurso público, juntamente com editores e jornalistas relacionados com iniciativas regionais de comprovação de dados, reuniram-se em Sarajevo para assistir a um seminário dentro da Conferencia anual Point. A ONG Why Not, que organizava a conferência (e que gere a versão bósnia de Truthmether), produziu um documentário em linha resumindo os diferentes aspetos da comprovação de dados na televisão.
Neste seminário, Alexios Mantzarlis, de Poynter, explicou que o objetivo é ajudar os comprovadores de dados “a traduzir o que fazem em linha em materiais interessantes para a televisão. Porque é importante fazer algo que não somente chegue aqueles que já tem curiosidade e procuram este tipo de verificação, mas também aqueles aos que, de outro modo, não teriam acesso a estas ferramentas”.
Patricl Worrall, do Fackt-Check no Channel 4, resumiu-o desta maneira: “Precisamos da comprovação de dados por várias razões. Primeiro, porque os políticos, infelizmente, mentem. Sempre o fizeram e sempre o farão. E as pessoas que estão em casa querem saber o que dizem os políticos. E se o que dizem é verdade. Mas não tem nem tempo nem os recursos necessários para poder averiguá-lo. Ou seja, somos nós que devemos efetuar as comprobações pertinentes. E sabemos, havendo provas disso mesmo, que quando se exige prestar contas com regularidade às pessoas públicas, que as mesmas se tornam mais honestas e mais cuidadosas em relação à res pública”.
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Filip Stojanovski é jornalista, editor da seção Europa Central e do Leste no site Global Voices e pesquisador em projetos de fact checking