A histórica desconfiança mútua entre a academia (*) e as empresas jornalísticas tem um prazo para acabar, gostem ou não as partes envolvidas nesta complexa relação. A rápida evolução do jornalismo digital empurra pesquisadores e executivos para a busca da sustentabilidade financeira de projetos noticiosos. Sem alternativas estáveis de faturamento, fica ameaçada a sobrevivência, tanto das iniciativas autônomas de jornalismo, como da maioria das empresas que vivem da venda de notícias.
Não é de hoje que o pessoal das redações faz lindos discursos para destacar o papel da academia no desenvolvimento do jornalismo, mas na hora de tomar decisões o que prevalece é o corporativismo das empresas. Isto acontece porque, em geral, a academia encastelou-se num purismo teórico, ao considerar o jornalismo praticado nas redações como uma atividade menor, mais preocupada em garantir o emprego e os lucros do que com o rigor informativo.
Por seu lado, as empresas jornalísticas usam o brilho de articulistas mestres e doutores em jornalismo como marketing para ganhar credibilidade e respeitabilidade, mas não disfarçam que veem a academia como uma espécie de reino do diletantismo intelectual. As faculdades de jornalismo ficam no meio do caminho. Nas atividades de pesquisa cientifica, elas seguem a lógica de superioridade acadêmica enquanto na prática do ensino priorizam a formação de profissionais para o mercado, ou seja, para as corporações jornalísticas.
Este “divórcio” amigável foi perturbado pela chegada da internet, quando a academia se mostrou mais bem preparada para explorar a complexidade informativa da internet, enquanto as redações e corporações patinavam na busca de alternativas para o fracasso tanto das rotinas, regras e valores do jornalismo profissional quanto do modelo convencional de negócios que sustentou lucros obscenos dos grandes conglomerados midiáticos mundiais, durante mais de 200 anos.
Ficou muito claro desde meados dos anos 90 do século passado que a academia apostou no futuro enquanto as corporações valorizaram mais o passado esticando ao máximo possível a agonia do velho modelo analógico de faturar com a venda de notícias. Agora, as duas partes começam a se dar conta de que a sobrevivência mútua na transição da era analógica para a digital aponta para um inevitável esquecimento de velhas desconfianças.
A exigência da sustentabilidade
A busca de soluções para a sustentabilidade econômica do jornalismo na era digital é hoje o problema que começa a impor uma revisão drástica de comportamentos, regras e valores tanto no lado acadêmico como no profissional. A sociedade precisa cada vez mais do jornalismo como ferramenta para lidar com as incertezas da avalanche informativa, com a onipresente mediatização na comunicação humana e com a comercialização inescrupulosa dos dados pessoais fornecidos gratuitamente pelos usuários de redes sociais.
Mas para que o jornalismo atenda a esta demanda (e terá que atendê-la), é preciso que ele seja sustentável financeiramente de forma estável. É nesta busca de sustentabilidade que se encontra o ponto de convergência entre academia e a imprensa (conjunto de empresas jornalísticas) pois a sobrevivência de ambas as partes depende de uma integração entre prática e teoria. Quanto mais tempo durar esta desconfiança entre as duas partes, maior o custo que todos nós teremos que pagar para não sermos enganados por fake news.
A academia já acumulou um considerável estoque de pesquisas e estudos sobre a questão econômica no jornalismo digital, mas enfrenta uma enorme dificuldade para entrar no microuniverso financeiro dos projetos jornalísticos autônomos. Por seu lado, as empresas consideram uma intromissão indevida as tentativas de pesquisadores universitários de estudar as finanças corporativas. A cultura predominante na imprensa (expressão usada aqui como sinônimo de empresas jornalísticas) é a de que seus executivos sabem melhor do que ninguém o que deve ser feito.
A parceria obrigatória
O problema é que os modelos de sustentabilidade desenvolvidos no ambiente empresarial ou fracassaram ou seus resultados, na maioria dos casos, podem não durar muito, como ocorre com o polêmico paywall (muro de pagamentos) e com o acesso pago por assinaturas. As empresas resistem a admitir que a sobrevivência do seu negócio jornalístico depende hoje, mais do que nunca, do envolvimento com o leitor.
Não se trata mais de uma mera transação comercial em que o indivíduo compra um jornal livro ou revista, paga pelo acesso a um site ou assina um canal de jogos, filmes ou notícias. A relação acaba quando a conta é paga. Hoje, as pessoas querem se sentir participantes no negócio, ou no projeto, o que implica uma enorme mudança no relacionamento tradicional entre as empresas e seu público. E isto ainda enfrenta enormes resistências dentro das empresas e muitas redações.
Já na academia, o tema engajamento com o público está sendo amplamente pesquisado e discutido em boa parte do mundo, especialmente na Europa, Estados Unidos, Australia e Nova Zelândia. Já existem manuais e teses acadêmicas sobre o tema, bem como publicações universitárias especializadas na nova relação entre público e jornalismo. Mas o que falta à academia é o contato direto e diário com a produção de notícias, um trabalho que tende a se tornar cada vez mais específico de cada realidade. Os pesquisadores universitários já sabem que a diversidade informativa na era digital cria realidades específicas em matéria de necessidades e preferências noticiosas, tornando inevitável o desenvolvimento de estratégias editoriais e financeiras próprias para cada caso.
A questão da sustentabilidade financeira de projetos jornalísticos na era digital depende da aptidão investigativa e conhecimentos teóricos dos pesquisadores universitários, mas a solução do problema se baseia também nos dados e fatos gerados pela experiência prática de profissionais e executivos de empresas jornalísticas.
(*) O termo academia é usado aqui para designar de forma genérica o conjunto de instituições de ensino superior no país.
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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.