Enquanto o establishment jornalístico, e mesmo progressistas como Bob McChesney e John Nichols, luta pelo que resta do declínio dos anúncios dirigidos ao jornalismo corporativo, os ativistas e jornalistas Tracy Van Slike e Jessica Clark escolheram contar uma história diferente, mais positiva, sobre o futuro da mídia nos EUA.
No seu livro Além da Câmara de Eco: reformulando a política através das redes de mídia progressista [Beyond the Echo Chamber: Reshaping Politics Throug Networked Progressive Media] (ed. New Press), os autores nos levam a uma jornada pela relativamente recente (dos últimos oito anos para cá) surgimento da mídia progressista e independente. A conclusão a que chegam é inegável: sob qualquer ponto de vista, o que conhecemos por mídia progressista e netroots, ‘alcança um público muito maior – milhões de pessoas todos os dias – e está decididamente mais influente do que nunca.
Os desafios do futuro
Antigamente, seria considerado um grande sucesso se uma revista progressista obtivesse mais de 200 mil assinantes por mês. Mas hoje há dúzias ou mais de blogs, revistas e sites de notícias on-line que têm mais de 1 milhão de leitores únicos por mês. A recém-formada rede Ad Progress, fundada por AlterNet, The Nation e Mother Jones, à qual se juntaram American Prospect, The New Republic e outros, tem mais de um milhão de leitores. E, a propósito, a mídia progressista não está em crise, principalmente porque não depende de uma única fonte de receita – os anúncios –, como acontece à mídia corporativa; em vez disso, é frequentemente financiada por uma mistura de subvenções, doações de leitores, vendas de anúncios e lista de parceiros do vasto setor do ativismo não lucrativo.
Lideradas por fazedores de mídia criativa agressiva, como Robert Greenwald, da Brave New Films, Markos Moulitsas, do The Daily Kos, Jane Hamsher, do FireDogLake, John Byrne, da Raw Story, e Mark Karlin, da BuzzFlash, a nova mídia progressista usa uma série de estratégias e táticas muitíssimo mais agressivas e orientada para o ativismo do que o pequeno universo das revistas impressas que dominavam a mídia progressista por longo período (Heck, a revista da The Nation, tem 145 anos).
Mas, antes que o establishment da mídia progressista se tornasse tão convencida do seu papel, há ainda fraquezas maiores e nuvens negras no horizonte. Clark e Van Slyke não se esquivam dos obstáculos, dedicando a melhor metade do livro a analisar os desafios do futuro com histórias de sucesso e promovendo modelos de redes sociais e colaboração que eles acham que podem fortalecer a influência recém-descoberta da mídia progressista.
O ‘mais engraçado de Hollywood’
O que é mídia progressista?
A mídia progressista é feita por um vasto conjunto de entidades de todos os tamanhos e formatos. Mas, com larga vantagem, sua maior audiência é on-line.
A mídia progressista é ideologicamente diversa, indo do liberal ao radical. Grosso modo, os milhares de pessoas que fazem mídia progressista acreditam em tornar o mundo um lugar melhor através dos seus esforços midiáticos. Elas estão lutando por uma sociedade mais igualitária e justa, pela democratização da informação, pela transparência no exercício do poder público e pela defesa de questões sociais, cobrando responsabilidades e prestações de contas aos responsáveis (para falar de alguns dos valores que os progressistas cultivam). Muitas das entidades de mídia progressista praticam o jornalismo de opinião e a reportagem investigativa, enquanto outras estão muito mais voltadas para a agitação e propaganda altamente bem sucedidas, organizando táticas para chamar a atenção para questões e causas.
E o termo progressista é um balaio de gatos. Há muitas diferenças entre esses grupos, na filosofia, no tipo de jornalismo praticado, na orientação ideológica e na estrutura de negócios. Algumas dessas diferenças podem não ser tão significantes para um não-iniciado, mas dentre os praticantes dessas mídias há alguns que merecem ser anotados. Por exemplo, há um abismo entre o imensamente visitado Huffington Post e entidades menores, com foco mais restrito, como o Grit TV de Laura Flander, ou o ColorLines Magazine [www.colorlines.com], ou ainda a reunião de alguns em portais de mídia progressista, como Mother Jones Magazine, The Nation e o influente programa de rádio e TV de Amy Goodman, Democracy Now!. O Huffington Post, que tem dez vezes mais visitação que os restantes (com exceção do Salon.com) está na liderança das mídias com visão progressista, desfrutando de uma equipe de qualidade escrevendo, e da voz influente de sua fundadora, Arianna Huffington.
A genialidade do Huffington Post é que, virtualmente, todo comentarista liberal progressista com algo a dizer ou uma idéia a comunicar sente que precisa ‘blogar’ no Huff Po, embora muita gente termine levando seus textos para o site, fazendo com que muito conteúdo fique disperso e seja perdido. Ainda, o Huffington Post é a carteira de uma grande quantidade notícias sobre celebridades, fofocas e coberturas desse tipo, como as infames votações em que leitores podem escolher o ‘mais engraçado de Hollywood’ ou o melhor decote na entrega do prêmio Globo de Ouro. Não surpreendentemente, essas coisas são sempre muito populares.
Ranço diabolicamente racista
Enquanto a influência da mídia progressista é crescente e a sua audiência seja maior do que nunca (eles chegam até a ter representação na TV corporativa, como é o caso de Rachel Maddow, Keith Olbermann e Ed Schulz), a defesa justificável em Beyond the Echo Chambers não é toda a história. O fechamento recente da rádio Air America nos lembra que nem tudo vai bem no universo da mídia progressista. De fato, há vários problemas fundamentais muito similares [nos veículos dessa mídia], em termos de um futuro de longo prazo.
A primeira questão é a demografia. Enquanto há algumas pequenas organizações de mídia tocadas por pessoas negras, a imensa maioria das organizações midiáticas com recursos tem audiência predominante de pessoas brancas, bem-educadas, quase sempre com mais de 60% de homens, com idades que abarcam a geração baby boomer [nascidos entre 1945-63]. Isso reflete a maioria da audiência que segue mais de perto as notícias da mídia corporativa, e a mídia de direita conservadora. Esse fato demográfico é o que se expressa na visitação de blogs, revistas de opinião e em sites de notícias. As consequências são duplas. Primeiro, a mídia progressista, a despeito de seus valores, reflete o universo masculino branco. (Há exceções óbvias de lideranças de audiência, como Katrina vanden Heuvel, no The Nation, e o time editorial feminino de Monika Bauerlein e Clara Jeffries no Mother Jones, enquanto o Women1´s Media Center – Centro de Mídia da Mulher –, sob a nova direção de Jehmu Greene, trabalha para melhorar a situação de um longo período de desequilíbrio quando se trata de articulistas mulheres.)
A esmagadora brancura não é um valor progressista; uma falta de diversidade embaraça a mídia progressista há décadas, como nas questões de classe, dado que a mídia progressista tem sido sempre o lar de elites, em sua maioria altamente educadas. Clark e Van Slyke enfrentam esse desafio no capítulo inteligentemente intitulado ‘Pale, Male and Stale’ (Pálido, Masculino e Batido). Focando sempre o lado positivo das coisas, os autores citam o crescimento da vida online da comunidade afro-americana, com alguns blogs populares. Então, há campanhas altamente bem sucedidas da Color of Change [organização cujo slogan é mudando a cor da democracia, em inglês]. No ano passado, a organização lançou uma campanha contra a cobertura racista da Fox News, pressionando dezenas de anunciantes a abandonarem o programa de Glenn Beck e o ranço diabolicamente racista do demagogo favorito de Rupert Murdoch. E, liderados por Roberto Lovato, um veterano da mídia progressista, a www.presente.org instrumentalizou a pressão para que o programa do anti-imigrante Lou Dobbs saísse do ar.
Marketing e promoção na internet
Essas conquistas dão uma dimensão da influência do setor progressista e da sua estratégia sofisticada nas questões de raça. Mas elas também sugerem que há uma mistura fundamental entre várias organizações e táticas de mídia online, que borram as fronteiras entre o jornalismo e o puro ativismo. Se essa mudança é o melhor para a evolução da mídia progressista é um debate que eu deixo para depois, mas é claramente verdade que os nossos maiores sucessos foram alcançados via esforços que muitos não chamariam de jornalismo, ou mesmo mídia, mas uma nova forma de organização que usa os dispositivos da mídia na internet.
Um segundo desafio é o financiamento. Enquanto a mídia progressista vai melhor das pernas que a sua contrapartida, a mídia corporativa, porque não é dependente de anúncios, a mídia independente nunca foi bem financiada por fundações ou indivíduos ricos (embora a sobrevivência de veículos mais antigos da mídia progressista dependam da lealdade e da estada no poder de alguns doadores individuais-chave). E a grande recessão está encolhendo somente as doações das fundações.
Um caso de grande sucesso em financiamento é a história do Media Matters, que acompanha as transgressões da mídia corporativa e de direita. Empreendimento importante na mídia ecológica em geral, Media Matters beneficiou-se muito de doações de parte da Democracy Alliance, um grupo de doadores progressistas com muito dinheiro.
Mas, no maior financiamento pessoal recente de mídia independente, as bilionárias Herb e Marion Sandler escolheram criar o ProPublica, com 10 milhões de dólares por ano, pondo um ex-editor do Wall Street Journal ao custo de 550 mil dólares por ano. ProPublica tende a ser fóbico quanto a todas as coisas progressistas.
Propublica emprega alguns bons jornalistas e produz um trabalho de qualidade. Mas a organização é constituída no antigo modelo de: ‘Produzir trabalho investigativo e, de alguma maneira, magicamente, o problema descoberto será resolvido.’ Falta-lhes investimento substancial em marketing, promoção e organização na internet. Todos esses elementos são essenciais para que se consiga uma mudança política numa era dominada por milhares de lobistas e de relações públicas propagandistas e centenas de milhões de dólares protegendo o interesse de todos e qualquer interesse imaginável.
Um estágio de luta de longo prazo
O terceiro desafio é provavelmente o mais fundamental. A despeito desses sucessos recentes, a mídia progressista ainda não está pronta para chegar aonde pode travar uma batalha real com a mídia de direita. Muitos estão familiarizados com o poder da Fox e de Rupert Murdoch, com a imensa audiência de Rush Limbaugh e dezenas de outros jogadores de direita. E há muito mais direitosos on-line e nas revistas.
Os conservadores sempre investiram muito dinheiro na mídia e nas comunicações, enquanto muito do dinheiro progressista se destina a uma miríade de questões da preferência de doadores individuais. É como se eles de alguma maneira contassem com a mídia establishment para fustigar a mídia de direita. Bem, nós sabemos como isso tem funcionado. Muitas questões liberais são recepcionadas por conservadores, e negligenciadas por uma aparentemente super-tímida administração Obama.
Uma série de números ilustra o problema. Enquanto progressistas vibram felizes com o sucesso da MSNBC e de Rachel Maddow, e cada vez mais estejam grudados na TV todas as noites, o domínio continuado da Fox News na TV a cabo é acachapante. Eis como os números da audiência comparados no dia 27 de janeiro, quando Obama falou à nação, de acordo com o site TV by the Numbers: Bill O´Reilly marcou 4.067 000 espectadores, Glenn Beck alcançou 3.140 000 espectadores, e Sean Hannity obteve 3. 636 000 espectadores – audiências gigantescas, aproximadamente três vezes o tamanho de Keith Olbermann (1.159.000 espectadores) e Rachel Maddow (883.000 espectadores). Clark e Van Slyke tratam do problema no capítulo ‘Luta contra a Direita’, destacando o sucesso da Brave New Films perturbando a Fox News. Mas, como sabemos muito bem, a avassaladora mídia Murdoch continua a bradar, chafurdando na lama.
O capítulo 8 do livro Além da Câmara de Eco, intitulado ‘Assembléia do Coro Progressista’, analisa as características do trabalho do FireDogLake e inclui elementos de uma entrevista comigo, na qual tento descrever o pensamento por trás da AlterNet.org.
Se você quiser uma visão compreensiva de muitas mídias progressistas bem sucedidas ao longo dos últimos oito anos, por favor compre uma cópia de Beyond the Echo Chamber. Há desafios imensos pela frente, os quais Van Slyke e Clark conhecem muito bem. Porém, os autores insistem que há muito mais resultado em construir alternativas e, usando as novas ferramentas online – Facebook, Twitter e muitas outras – os progressistas podem se mover para um estágio de luta de longo prazo por uma sociedade melhor.
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Nota: Media Consortium é uma rede de mídias alternativas que criaram uma espécie de associação, nos moldes da recém-criada Altercom, no Brasil, da qual a Agência Carta Maior faz parte.
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Da AlterNet