Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O futuro está no passado

Em 1º de fevereiro, o jornalista Eucimar de Oliveira assumiu o cargo de ‘diretor editorial de Mídia Impressa’ (como consta do expediente) do jornal carioca O Dia. A chegada de Eucimar deixou em tensão máxima os profissionais da Rua do Riachuelo, onde fica a sede do jornal, no Rio: antes mesmo da posse ele pedira o afastamento do editor-executivo Oscar Valporto. Antes ainda, sua decisão de ir para O Dia deixara atônitos, a poucos quarteirões dali, na Rua Irineu Marinho, os executivos da Infoglobo, empresa-editora do Globo e do Extra – diário popular que Eucimar criou em 1997 e elevou à condição de maior jornal do Brasil em circulação, pelo menos aos domingos (veja os números mais adiante).

Por fim, a mudança deixou o próprio Eucimar com os ‘nervos em frangalhos’, além do ‘coração apertado’ e da ‘alma enevoada’, como ele mesmo escreveu em 28 de janeiro no e-mail de despedida da redação do Extra, publicado por Ivson Alves no blog Coleguinhas, Uni-vos (www.coleguinhas.jor.br/picadinho.html): a difícil negociação da transferência, sigilosa, levou um mês, sob o comando de advogados.

Mas o convite do Dia era irrecusável, e Eucimar voltou ao jornal que anos atrás ajudou a transformar num dos maiores do país em circulação – ultimamente, estava ladeira abaixo. Em 17/2, ele demitiu 25 jornalistas, 17 do Rio e oito nas sucursais de Petrópolis e Volta Redonda. Os boatos diziam que Eucimar foi contratado para transformar O Dia em jornal ‘popularíssimo’. No livro O desvio nosso de cada dia – A representação do cotidiano num jornal popular (Dois Pontos Editora), Antonio Serra identificou o jornal, que estudou nos anos 1970 para sua dissertação de mestrado, como de linha editorial que privilegiava matérias de polícia e dava ênfase ao grotesco e ao escatológico. O próprio Eucimar, no início dos anos 1990, suavizou esta linha. Mas foi a diretora Ruth de Aquino, anos depois, que mudou de vez esse perfil. Sofisticou a diagramação, coloriu o jornal e enfatizou matérias de política e economia, além das de serviços, esportes e cultura, para distanciar o diário da imagem sensacionalista.

O domínio do Extra

Não deu certo. O jornal perdeu público e anunciantes. A entrada do Extra no mercado carioca, em 1997, com Eucimar à frente, selou a queda. A mudança no Dia foi tão malsucedida que, ao apontar o responsável pelo sucesso do Extra no Rio, alguns analistas atribuem o mesmo peso a Ruth e a Eucimar. Os números consolidados do IVC de janeiro 2005 sobre a circulação dos dois jornais são claros:

Extra  
  Dezembro/04 Janeiro/05
domingo 409.132 400.607
segunda 239.733 206.479
terça 243.600 229.546
quarta 257.404 254.075
quinta 235.365 228.738
sexta 218.060 221.234
sábado 203.754 206.606

O Dia
  Dezembro/04 Janeiro/05
domingo 234.490 235.455
segunda 135.153 123.424
terça 137.004 134.635
quarta 148.069 143.202
quinta 159.111 159.577
sexta 132.064 132.248
sábado 125.335 122.550

Tanto Extra quanto O Dia perderam em janeiro. Mas o Extra mantém uma dianteira que alcançou há uns três anos e que, em alguns dias da semana, significa a circulação de 100 mil jornais a mais que o concorrente. Nesse janeiro de 2005, deve-se levar em conta que o Dia estava com uma promoção (sorteio de um apartamento), e o Extra, não. A queda de ambos pode ser explicada em parte pela horrível fase do futebol carioca. Esporte, como se sabe, é ingrediente forte na receita de jornal popular.

Vê-se, pelos números abaixo, que o Extra domina amplamente o mercado de populares, no Rio ou em São Paulo (os paulistas parecem ter preconceito forte com jornal popular). E, além do segmento popular, o Extra já é o jornal que mais vende aos domingos no país. O Globo passou a Folha de S.Paulo no fim do ano passado: é o segundo aos domingos.

Jornais populares – Totais em janeiro de 2005
** Rio
Extra
7,8 milhões de exemplares
O Dia
4,6 milhões de exemplares
 
** São Paulo
Agora
2,5 milhões de exemplares
Diário S.Paulo
2,3 milhões de exemplares
Jornal da Tarde 
1,8 milhão de exemplares

Média dos domingos em janeiro de 2005
Extra 400 mil
Globo
381 mil
Folha
365 mil
Estado
297 mil

O leitor foi embora

Mudar essa realidade é o grande desafio de Eucimar de Oliveira. Em entrevista por telefone ao Observatório, na quarta-feira [23/2], ele negou que pretenda voltar à fase sensacionalista do jornal, em detrimento da ‘qualidade’. ‘Não vou fazer um jornal popularíssismo, vou fazer O Dia‘, disse. ‘Leve, bem-humorado, útil, com a cara do Rio, responsável, conseqüente, como sempre foi. Mas tinha perdido essa identidade.’

Para ele, o leitor do Dia ‘é [das classes] B e C, sempre foi e continua sendo’. E lembrou que em 1992 levou para escrever no jornal Nélida Piñon, Dias Gomes, Millôr Fernandes, Geraldinho Carneiro. ‘O jornal vendia e não envergonhava ninguém, até foi case internacional em congresso.’

Eucimar usou uma metáfora para descrever o processo de desgaste que o jornal enfrenta: O Dia era o Seis e Meia, uma série de shows às 18h30 que ficou famosa nos anos 1980, no Teatro João Caetano, centro do Rio, com MPB, samba, chorinho – música de qualidade. E lotava. ‘Um dia o público chegou e encontrou a Filarmônica de Berlim tocando Rachmaninoff. Levantou e foi embora. Como no Dia: o leitor não se viu mais no jornal dele. O que quero é recuperar esse leitor, que comprava um milhão de exemplares. O Dia não tem que ser nada, tem que ser ele mesmo.’

Mortadela do sanduíche

O novo diretor do Dia falou abertamente: desativou a Editoria do Interior, que tinha faturamento ‘irrisório’, uns 300 mil reais, e gastava, com escritório, papel, carros e pessoal, 1 milhão e 400 mil reais. ‘E não atraia leitor. Assim, nem a quitanda dá certo. Jornal também é negócio, tem que se sustentar.’ Reduziu a Editoria de Política, que tinha 12 pessoas ‘para meia página de jornal’. Mas a Política continua, a repórter em Brasília continua, os setores essenciais também. ‘Nada vai ficar desatendido’, afirmou. ‘Não se pode é manter uma estrutura enorme que não atenda ao perfil do leitor. O Globo tem três páginas de Política, mas o leitor do Dia não quer política muito forte. Quando houver um impeachment, um fato importante de política, vamos fazer a cobertura necessária.’

‘Falaram muito das demissões, mas ninguém comentou que no mesmo dia promovi 28 repórteres na redação’, reclamou. E contratou oito, que trabalhavam com ele no Extra – ‘não trouxe mais porque o Extra, legitimamente, cobriu a proposta’. E vai continuar contratando – ‘gente qualificada’, fez questão de ressalvar. Na semana passada caíram outras cabeças. A onda de demissões – algumas, nada elegantes – já entrou para o folclore com o apelido de ‘Eucinami’.

O novo editor não está para brincadeiras. Aos 50 anos, nascido em Campos (RJ) e formado na PUC do Rio, foi repórter (Última Hora, Globo, Jornal dos Sports), depois editor, editor-chefe do Dia, editor-executivo do Jornal do Brasil, editor-chefe do Extra, além de chefe de redação da TV Globo em duas oportunidades. ‘Quero que O Dia volte a ser desejado – pelo leitor e pelos jornalistas’, disse. ‘Vai continuar sendo a mortadela do sanduíche, entre o Globo e o Extra, mas um recheio consistente, não mais um recheio fininho.’ Sobre a máquina do Grupo Globo, cujos jornais anunciam de graça na TV, Eucimar reconhece que é batalha árdua. ‘Vamos ter que encarar, com realismo e serenidade.’

Popular de gravata

Um especialista em mercado midiático carioca avalia: Eucimar sabe fazer jornal popular, mas a tarefa é mais do que árdua. O Extra, que ele próprio construiu, está consolidado. E consolidou-se roubando público do Dia, que há cinco ou seis anos, quando decidiu partir para cima do Globo, vendia entre 250 mil e 300 mil exemplares diários.

Segundo este especialista, a grande desvantagem do Dia em relação ao Extra é realmente a TV Globo. Para se promover na TV, o Extra não paga (eles juram que os anúncios do Globo e do Extra na TV Globo são pagos, mas na prática é uma operação contábil). E o Dia, se quiser sair na Globo, terá que pagar muito. Foi assim quando Ruth de Aquino convenceu Ari Carvalho (o então dono do jornal, morto em 2003) de que dava para peitar o Globo. Ari colocava anúncio no horário nobre da Globo, gastava um dinheirão. Aumentava a venda do Dia, claro, mas não compensava. E isso sem falar nas táticas comerciais de atração de anunciantes para os veículos impressos.

Alguns apostam que Eucimar na verdade fará um ‘popular de gravata’, um pouco mais refinado do que o jornal estilo ‘povão’. Morderia parte do público do Globo e do Extra. Mas todos concordam: o problema do Dia hoje é mesmo a venda. Que precisa crescer, e rápido. Não está nos planos de Eucimar, porém, um sacolejo brusco no jornal. As mudanças virão de ‘maneira sutil e gradativa’, disse. Nos últimos dias, entretanto, as capas do jornal já se destacavam na banca. A manchete de segunda-feira (28/2) dizia: ‘Rocinha cria a sexta-cheira’. ‘Uma história muito boa, mostrando o conluio entre traficantes, maus policiais e até líderes comunitários aparentemente acima de quaisquer suspeitas’, nas palavras de Eucimar. Em destaque, imensa foto de Daniela Cicarelli chorando no Faustão: ‘Tive uma lua de melda’. O mercado vai conferir.