Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Globo e a privatização da informação

Como é engraçada a mídia brasileira. No editorial ‘Privatização’, de 21 de abril de 2004, o jornal O Globo faz uma crítica obtusa, acusando o governo Lula de ‘lotear’ parte da máquina pública para alguns grupos que não fazem parte do rol de aliados estratégicos da poderosa empresa comunicacional. Diz que o Incra e o Ministério do Desenvolvimento Agrário foram entregues ao MST, que a Funai pertence a segmentos radicais ligados aos índios, que o movimento negro passou a ter linha direta com o Palácio do Planalto e, por fim, que o Ministério do Meio Ambiente foi ocupado por ecopolíticos.

No dia seguinte, 22 de abril, traz três artigos (‘Pepinos da República’, de Márcio Moreira Alves, ‘Esqueceram da soberania nacional’, de José Armando Falcão, e ‘A guerra na floresta’, de Lindberg Farias) que reforçam as opiniões esboçadas no editorial. No domingo (25/4), mais um editorial (‘A defesa do massacre’), com base em apenas uma afirmação do presidente da Funai, pede a sua ‘cabeça’.

Os leitores mais críticos devem estar se perguntando: onde está a imparcialidade deste veículo? Onde está o direito de defesa? Por que não é dado o mesmo espaço para que os acusados se defendam?

Coerção camuflada

O fato é que ‘o maior partido político brasileiro’ – como descreveu o sociólogo Florestan Fernandes nos idos de 1990, logo após o episódio que fez Fernando Collor de Melo se tornar presidente do Brasil –, pelo poder que tem e do qual usufrui, costuma confundir ‘opinião pública’ com ‘opinião do Globo‘, fazendo com que o ‘interesse nacional’ assemelhe-se sempre aos interesses dos grupos que o veículo representa e, principalmente, articula.

É por isso que a acusação de ‘loteamento’ e ‘privatização’ não alcança, por exemplo, o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central, que até agora têm feito muito bem o papel de exímios representantes das organizações multilaterais e, conseqüentemente, das corporações e Estados do capitalismo internacional.

O ataque indiscriminado que O Globo e parte de seus articulistas fazem ao ministro Miguel Rosseto e ao presidente da Funai, Mércio Gomes, é apenas um exemplo de que a pior privatização do Brasil é a privatização da informação, produto da centralização dos meios de comunicação nas mãos de apenas algumas empresas, constituídas – em geral – em histórias de privilégios políticos e financiamentos públicos, obtidos tanto em épocas ditatoriais quanto em tempos de ‘democracia restrita’ (que, na ciência política, é, entre tantos sentidos, sinônimo de regime político com sistema formal de eleição formal sem pluralidade de produção de informação).

É essa privatização que ameaça a democracia brasileira e que poucos ousam, no mínimo, criticar. E quando não há crítica não há diálogo. E se não há diálogo não há entendimento. O que há é só coerção camuflada de consenso. Amém.

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Jornalista, cientista político e doutorando em Educação Brasileira pela Universidade Federal Fluminense