A crise da violência na cidade do Rio de Janeiro já vem de longa data. Se alguma pessoa, por acaso (ou por pura sorte), ainda não testemunhou a violência pessoalmente, é só abrir o jornal que ela vai estar lá. O estado de apreensão dos moradores da cidade é constante e a descrença nos sistemas de segurança do estado é total, assim como na justiça.
Na semana passada, o debate sobre esse assunto foi intensificado e aprofundado pelo jornal O Globo, que assumiu seu papel no enfrentamento dessas questões. Depois de ter publicado fotos do assaltante Rafael da Silva Alves incólume ao ser preso e fotos posteriores à prisão que mostravam o assaltante cheio de hematomas faciais, o jornal recebeu diversas cartas sobre o fato.
Na quarta-feira (17/11), 22 cartas foram publicadas na seção ‘Cartas dos Leitores’, todas apoiando de alguma forma a ação violenta da polícia. O Diretor de Redação do Globo, Rodolfo Fernandes, disse ao Observatório que, por meio das cartas, pode-se identificar ‘uma grave questão de percepção sobre a segurança pública existente na sociedade do Rio’. Segundo ele, ‘como havia em todas elas uma crítica muito forte à decisão do jornal de dar a foto do preso espancado, houve a necessidade de fazer uma Nota de Redação na seção de cartas’. A nota dizia o seguinte:
‘O Globo respeita a opinião dos leitores que se sentiram contrariados com as fotos publicadas, mas entende que as polícias modernas do mundo não precisam se valer da tortura para solucionar crimes. As estatísticas mostram que a violência policial entrava no vácuo da falta de investimento em equipamentos, treinamento e inteligência. O Rio tem condições de sonhar com a redução da criminalidade sem que o Estado apele para a barbárie’.
Ainda de acordo com Fernandes, depois que saiu a nota foi publicada, choveram e-mails com manifestações de leitores com idéias opostas às publicadas anteriormente, provocando ‘um debate riquíssimo sobre como combater a violência na cidade’, nas palavras do jornalista. O resultado foi um artigo exemplar, com direito a chamada de capa acima da dobra, sob o título ‘Agressão a bandido provoca polêmica’ na edição de quinta-feira (18/11) do Globo. O texto da capa chama para o editorial ‘Ao lado da lei’, na página 6, e para a matéria da página 15. O artigo ‘Com os nervos à flor da pele’ dedica a primeira página do caderno Rio inteira ao debate e reflexão a respeito do medo da violência estar levando cariocas a colocar em xeque valores básicos do estado de direito.
Debate com leitores
A peça jornalística mostra a opinião de especialistas, uma entrevista com o sociólogo Cláudio Beato, Coordenador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais, e cartas de leitores elogiando ou criticando o jornal pela publicação das fotos fora do espaço tradicionalmente dedicado a elas, inserindo o leitor debate. Fernandes disse ao Observatório que o objetivo dessa decisão, também tomada pelo jornal em outros casos, seria de ‘dar visibilidade ao que um jornal pode ter de mais valioso, que é a discussão de idéias, franca e aberta, entre seus leitores. Isso é que dá vida a uma democracia, a possibilidade de ter um fórum permanente de discussão de valores, propostas e opiniões’.
Segundo Fernandes, ‘a idéia da matéria surgiu a partir da constatação de que a simples publicação das cartas na seção específica não esgotaria toda a reflexão sobre o assunto’. A partir daí, o assunto foi discutido com o editor da caderno Rio, Paulo Motta, e com articulistas como Zuenir Ventura e Elio Gaspari. Foi então que se optou por abrir a editoria com as cartas e pessoas especialistas que pudessem explicar e refletir o que elas expressavam. ‘Foi muito grave constatar que tanta gente pensa daquele jeito, isso é sinal de um grande desconforto na cidade com as políticas públicas em andamento e com as autoridades em geral’, disse.
Ao mesmo tempo, o editorial de Aluízio Maranhão foi publicado como ‘uma forma de colocar a questão em termos mais racionais e posicionar o jornal do lado da legalidade e do estado de Direito’, segundo explicou Fernandes.
Questionado se a imprensa no Brasil tem assumido o seu papel de reflexão e aberto espaço para a discussão de questões importantes para a sociedade, o diretor do Globo afirmou acreditar que ‘o jornal é o espaço para a reflexão dos problemas da sociedade’. E completou: ‘Aliás, atualmente, o jornal tem sido o último refúgio da cidadania, assumindo muitas vezes uma responsabilidade maior do que lhe deveria caber. Credito isso à falta de ação da Justiça no país, que remete ao jornal todas as demandas não atendidas do cidadão, fazendo crer que só o que sai na imprensa é resolvido. Infelizmente, na maioria das vezes, isso é verdade.’