A cobertura do tradicional café da manhã de final de ano do presidente com os 37 jornalistas que cobrem o Palácio do Planalto revela aspectos interessantes sobre o relacionamento de Lula com a imprensa. Tanto de parte da Presidência, quanto de parte dos jornalistas. Em clima descontraído, o café da manhã durou uma hora e meia, na quinta-feira (20/12). Não foram permitidas gravações nem blocos de anotações, apesar de uma gravação feita pela Secretaria de Comunicação da Presidência ser disponibilizada posteriormente. Este ano, além do presidente, só o ministro Franklin Martins participou do café da manhã.
Em primeiro lugar, a cobertura revela a importância que os veículos atribuem a uma iniciativa que é da Presidência, não dos jornalistas. O Estado de S.Paulo e a Folha deram a notícia na página A-4, a página mais importante da editoria de política dos dois jornalões. Mas O Globo preferiu escondê-la na página 15, dando muito maior importância ao roubo dos quadros do Museu de Arte de São Paulo e outros assuntos.
Isso revela certo provincianismo de parte da imprensa, que despreza entrevistas de iniciativa de políticos, mesmo quando ele é o presidente da República. Pensam, equivocadamente, que isso é autonomia ou independência. Não é, é pequenez.
Entrevistas e coletivas
Embora a Folha tenha dado duas páginas para o café da manhã, o Estadão foi o que mais informações revelou sobre a relação jornalistas-presidente. O conteúdo das matérias principais dos jornais foi dedicado a temas políticos e econômicos abordados pelo presidente, obviamente. Mas o Estadão trouxe matéria de Lisandra Paraguassú sobre o relacionamento entre a mídia e o presidente e um box de Leonêncio Nossa, embaixo, na mesma página A4. Box revelador do ambiente do café da manhã. A Folha também trouxe dados sobre o número de entrevistas do presidente para a imprensa, mas com menor destaque.
A propósito, o hábito de explicar com certo destaque o contexto das entrevistas, como fez o Estadão, é muito saudável e deveria ser adotado como regra pelos jornais para as notícias mais importantes do dia. Esses dados ajudariam o leitor a contextualizar as informações e interpretar as notícias. E proporcionaria aos jornais a oportunidade de revelar claramente para o leitor, sem submissão, que o jornal é um mediador entre os fatos e o leitor, não puro ‘reflexo objetivo da realidade’, como costumam alardear em seus editoriais. Se a moda pega, jornal e leitores só têm a ganhar.
Fica claro na matéria do Estadão o desejo de maior proximidade entre o presidente e a imprensa. Enquanto o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, alardeava que o presidente deu 152 entrevistas à imprensa este ano (60 a mais que no ano passado), o jornal reclamava, na matéria de Lisandra Paraguassú, que entrevista coletiva normal aos jornalistas que cobrem o Palácio do Planalto, o presidente só deu mesmo uma. E na matéria de Leandro Nossa, que ‘os jornalistas passam o ano entre empurrões e tapas para arrancar dele entrevistas.’
Atenção, Franklin Martins, se alguns veículos desprezam entrevistas por iniciativa de políticos, outros reclamam maior freqüência e maior proximidade, especialmente com o presidente.
Governo aprendeu a lição
O café da manhã e sua cobertura proporcionaram também uma compreensão de como o ministro da Comunicação Social pretende lidar com a imprensa. Profissional experimentado, Franklin Martins distribuiu dados sobre o aumento da relação entre o presidente e os jornalistas. Ele sabe que esta proximidade é boa para ambos. É um princípio básico de qualquer manual de formação de imagem que o político ocupante de cargo público precisa de proximidade com a imprensa. O texto do sisudo Estadão é revelador: diz que o clima de descontração do café da manhã permitiu ao presidente servir-se junto com os jornalistas, posar para fotos e tirar ele mesmo algumas fotos. A Folha foi menos explícita, mas repetiu essa afirmação nas entrelinhas. Por que não repetir esse contato pessoal do presidente com a imprensa mais vezes ao ano?
Nos primeiros dois anos do primeiro governo Lula, a responsabilidade pelo trato com a imprensa ficou na mão do bancário Luiz Gushiken e a Presidência da República praticou o inverso deste princípio. Escondeu o presidente e apostou em longos discursos e improvisos de Lula. Gushiken irritou os jornalistas e a imagem de Lula sofreu desgastes públicos desnecessários. Cada fato positivo se transformava inevitavelmente em fato negativo. Um desastre, gente inexperiente em tarefa da qual não entende.
Ainda que a relação presidente-imprensa possa ser manipulada em momentos negativos ou positivos pelo governo, a imagem do presidente só tem a ganhar se ele tiver o hábito democrático de praticar o contato freqüente com jornalistas. E a imprensa também. A posse de um jornalista experimentado no cargo ajudou muito. Demorou anos, mas o governo do PT aprendeu a lição.
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Jornalista e professor da Universidade de Brasília