Ninguém de bom senso tem dúvidas de que a atitude atabalhoada do governo brasileiro ao cassar o visto de permanência do jornalista Larry Rohter, mesmo voltando atrás depois, foi um grande erro que simplesmente deu amplitude a seu polêmico artigo no New York Times. Após o episódio, entre rumores e boatos, é preciso distinguir onde há indícios concretos de abuso e o que existe de fundamentado nas notícias que correm.
Entre mensagens e textos, especulativos ou não, que têm brotado por todos os lados sobre a real face do jornalista, sobretudo na internet, surge agora uma versão fidedigna, materializada em livro e que envolve nada menos do que quem foi por 25 anos o maior, mais eficiente e premiado agente secreto norte-americano na luta internacional contra drogas: Michael Levine.
O livro Into the Buzzsaw, sem versão em português, editado pela ex-produtora da CBS Kristina Borjesson, sobre a liberdade de imprensa nos EUA, contém um depoimento de Michael Levine em que o agente confessa ter sido obrigado a abandonar seu trabalho como agente ‘undercover’ [sob disfarce] na América do Sul após contestar por carta matéria de fundo duvidoso de Larry Rohter para a Newsweek sobre o chamado ‘golpe da cocaína’ em 1980 na Bolívia. A matéria de Rohter, segundo Levine, fiel à política da CIA, mentia sobre os bastidores do golpe, encobrindo as obscuras atividades dos agentes norte-americanos e suas relações com o crime organizado. Na carta Levine denunciava a verdadeira face da história, oferecia-se como testemunha e fonte ao jornalista e desmascarava a cumplicidade dos órgãos de repressão dos EUA com cartéis da droga sul-americanos para alcançar objetivos políticos. Fez isso talvez ingenuamente, sem saber a quem estava se dirigindo.
Em vez de resposta, demissão
Para certificar-se de que a missiva chegaria exclusivamente às mãos de Rohter e ao co-autor do artigo, Steven Strasser, Levine registrou a postagem, com certificado de recebimento.
Três semanas após, o agente recebia, ao contrário de uma resposta ou telefonema dos jornalistas, como relata, o comunicado de que estava sendo suspenso de seus serviços e responderia a processo interno com base num rol de acusações as mais estapafúrdias, como perturbar o ambiente de trabalho ouvindo música em alto volume e fazer sexo com uma colega de trabalho casada.
Levine descobriria de dura forma não apenas o envolvimento das forças destinadas a combater o crime com os próprios criminosos, mas sobretudo a simbiose entre os serviços de informação e uma boa parte dos jornalistas da grande imprensa norte-americana.
O livro Into the Buzzsaw revela de forma direta e indireta como a opinião pública norte-americana é ‘preparada’ e manipulada por jornalistas da imprensa ‘mainstream’ a serviço do governo, seja através da propaganda falsa, seja através do silêncio.
Carreira inabalada
O texto de Michael Levine no livro, que foi publicado antes do ‘artigo da cachaça’, de Rohter, implica o jornalista de forma irrefutável, tanto sobre as reais intenções de seu trabalho, como desabona-o como profissional. Na verdade ele não responsabiliza Rohter por seu destino. Apenas relata os fatos e sua experiência pessoal num livro sobre a mídia norte-americana e seu envolvimento com o aparelho de inteligência dos EUA. Para bom entendedor, poucas palavras bastam.
Levine, cujas atividades já inspiraram cenas de filmes como Scarface, com Al Pacino, além de convicto paladino contra as drogas tem motivos de família para tal: seu irmão foi vítima de uma overdose de heroína.
Abandonando o emprego, publicou diversos livros denunciando as práticas corruptas de órgãos como a CIA, entre eles o best-seller Deep cover, e trabalha hoje como consultor para agências privadas de segurança.
Larry Rohter continua sua carreira, inabalado, e é hoje correspondente do New York Times no Brasil.
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Editor da ABKnet News (www.abknet.de/), Alemanha