Houve um tempo em que não havia internet. Seria isso possível? Sim, já houve um mundo sem twitter. E houve um tempo também em que para ser bem informado era necessário esperar a noite chegar para comprar o Jornal do Brasil, nosso querido JB, na banca do Joel, na Praça Pedro, ou na banca do Tomaz, na Praça João Luis Ferreira. Eram as únicas que recebiam ‘jornais de fora’ em Teresina. O jornal só chegava no Piauí pelas asas da Vasp ou da Varig.
Era um tempo romântico em que queríamos ser jornalistas tão bons quanto os do JB, escrever bem e entrevistar com a mesma segurança dos repórteres do JB. Era um tempo em que o dinheiro era mais que curto e o luxo do jornal de fora era permitido somente aos finais de semana. Era assim que o cinema, o teatro, a política e a economia chegavam até nós. Isso para não falar do Caderno B. Se tivesse um altar para cadernos de jornais, o Caderno B do Jornal do Brasil deveria ser entronizado porque já foi sublime com o seu bonequinho sentado, em pé ou batendo palminhas.
Eram tardes mornas ou quentes em que Francisco Magalhães, Ângela Ferry, Samária Andrade, Mônica Lopes, Cláudia Brandão, Maria Helena Oliveira, Neulza Bangoin, entre outros tantos novos jornalistas ou aspirantes na década de 1980, liam, comentavam e se entusiasmavam com textos e fotografias.
Do jornal, comentávamos tudo: o ângulo da foto, a profundidade de campo, o modo de escrever a legenda, a manchete, a quantidade de colunas, a diagramação, o texto… Ah, a beleza do texto… o lead… a disposição de cada caderno. Isso sem falar no cheirinho de tinta que ficava nas mãos.
Só nos resta dar um enter
Era somente o JB. O JB cantado pelo Chico Buarque. O JB que eu juntava dinheiro para pagar. Tinha dias em que eu saía do meu bairro e pegava um ônibus só para chegar ao centro da cidade e comprar o jornal pelo puro prazer do manuseio de suas páginas de inesquecível leitura.
O Jornal do Brasil não foi só um ícone para o Rio de Janeiro. Foi um símbolo de várias gerações. Chegou a vender mais de 250 mil exemplares aos domingos. Agora é decretado um fim da edição impressa seguindo a onda mundial da redução dos grandes jornais diários.
Para não ser totalmente passional, há quem defenda ou veja com bons olhos essa nova fase do JB agora somente em versão digital. A própria equipe do JB fez algumas ponderações sobre o novo formato ao afirmar que ‘a cada dia em que um jornal como o JB não é impresso em papel, 72 árvores deixam de ser cortadas. Dado o maior ou menor número de cadernos durante a semana, ao longo de um ano são mais de 30 mil árvores poupadas’. Afirmam ainda que ‘uma única edição de domingo corresponde a cerca de 200 árvores que levam anos para crescer e ocupam 40 mil metros quadrados de florestas. Isto equivale a quatro campos e meio de futebol. Em um ano, com a versão digital, são preservadas áreas florestais correspondentes a mais de 1.200 Maracanãs’. Mas será que a versão online não será somente a véspera do epitáfio?
Com sensibilidade ecológica ou não, o fato é que as diretas, a seca, a fome, o desemprego, enfim, as mazelas de um Brasil dos anos 80 chegaram por aqui nas páginas do JB.
Ainda bem que Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade e Carlos Castello Branco não estão vivos para ver. A nós, pobres mortais leitores, só nos resta lamentar, isto é, nos adaptarmos e darmos um enter.
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Jornalista e professora da UFPI.