O programa da oposição para o horário eleitoral obrigatório no rádio e na TV que vai ao ar de 17 de agosto até 30 de setembro já tem os ingredientes necessários para criar a versão Regina Duarte 2010. Quem os criou foi O Globo, em seu editorial do dia 1º de julho. O medo difuso da atriz em relação a um possível governo Lula é, na nova versão, mais concreto: a candidata da situação, se eleita, importaria para o Brasil o ‘modelo chavista’ de governo.
O Globo não consegue nem ser original ao levantar essa hipótese. Há pouco mais de um ano esses mesmos argumentos foram usados para derrubar, com um golpe de Estado, o presidente Manoel Zelaya, de Honduras. Com sua histórica tradição golpista, o jornal carioca oferece de bandeja à oposição os elementos necessários para que, nos programas eleitorais, ela possa assustar os eleitores – como tentou, sem sucesso, a atriz global em 2002.
O mote inspirador do editorial foi uma das respostas dadas pela candidata Dilma RoussefF no programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo. Ela simplesmente defendeu a necessidade de uma reforma política no Brasil, tema que há muito tempo faz parte do debate nacional na sociedade e no Parlamento. Curiosa é a posição de jornais como o Globo, sempre sequiosos de denunciar falcatruas envolvendo parlamentares e administradores públicos, condenando-os junto à sociedade sem nunca chegar às raízes desse problema, fincadas justamente no sistema político em vigor no país. Sua modernização é urgente, como salientou a candidata.
Centro das decisões
O jornal ataca, por exemplo, o financiamento público de campanha, um dos temas centrais de uma possível reforma política. Sem se dar ao trabalho de lembrar que esta é uma das principais distorções do processo eleitoral brasileiro, o qual reserva aos mais afortunados – no sentido literal do termo – o direito de acesso a cargos eletivos com muito mais facilidade que os demais. Ou seja cria cidadãos de primeira e segunda classes. Mas como os representantes do Globo nos parlamentos fazem parte do primeiro grupo, não interessa ao jornal defender o princípio básico de que os direitos políticos são iguais para todos.
O editorial é pródigo em referências negativas aos governos democráticos e populares da América Latina. Além de Hugo Chávez, cita os presidentes Rafael Correa, do Equador e Evo Morales, da Bolívia, como inspiradores da candidata petista. Somando-se tudo isso às declarações beligerantes do candidato da oposição ao presidente boliviano é possível fazer algumas conjecturas sobre o que veremos nos programas demotucanos de rádio e TV.
A esta altura, inspiradas pelo editorial de O Globo, as equipes de produção desses partidos já devem estar revirando arquivos em busca de imagens de manifestações de rua em Caracas, Quito e La Paz. Elas serão cuidadosamente editadas para assustar, especialmente a classe média brasileira, com a ‘bagunça’ existente nos países onde reformas políticas – ainda que distintas das propostas para o Brasil – foram implantadas.
Claro que diante da solidez da candidatura Dilma essas imagens não deverão causar grandes estragos à campanha. O perigo maior está na persistência desses arautos do golpismo em tentar, há várias gerações e por todas as vias, obstruir o processo de aprofundamento da democracia no país. Para enfrentá-los, vitórias eleitorais talvez não sejam suficientes. É necessário que venham acompanhadas de reformas políticas capazes de trazer para o centro das decisões nacionais amplas camadas da população, hoje chamadas a se manifestar apenas no momento do voto.
******
Sociólogo, jornalista, professor de Jornalismo da ECA-USP e autor, entre outros, de A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão (Summus Editorial).