Sempre é importante lembrar que ao observarmos o comportamento ético em relação às práticas jornalísticas estamos tratando de algo essencial e central para o jornalismo. A partir do alicerce ético as ações jornalísticas ganham legitimidade e conservam o que tem de mais importante: a credibilidade. A sensação permanente de mudança gerada especialmente pelos avanços tecnológicos provocam reflexões fundamentais relacionadas ao comportamento ético do futuro. Diante da velocidade extraordinária das formas de produção e disseminação do conteúdo jornalístico, particularmente nas mídias sociais, novos dilemas evidenciam um conjunto de novas preocupações e desafios ligados à ética jornalística.
Atualmente a ética jornalística não é mais um assunto restrito aos jornalistas ou aos veículos de comunicação. A participação cada vez mais ativa dos públicos nos processos de comunicação dentro do espaço público tornou-se um elemento decisivo para distinguir o que é ou não é aceitável, o que é ou não é correto, o que é ou não é respeitador da dignidade humana (Christofoletti & Fidalgo, 2014). Esses fatores apontam um caminho onde os jornalistas terão que balizar as suas ações por critérios que demonstrem transparência. Sem dúvida esse é um desafio para profissionais, que até pouco tempo atrás, detinham o acesso a uma “área restrita” de disseminação de informação em larga escala.
Diante desse contexto nos deparamos com a necessidade de revisitar as normas fundadoras da ocupação em um sentido crítico, repensando valores e as razões para preserva-los, reavaliando o papel do jornalista na sociedade e a sua relevância. Períodos de transição de uma forma geral e as transições contemporâneas em especifico, não tornam a ética menos importante para os jornalistas. O compromisso com uma prática eticamente exigente é mais importante do que nunca em um tempo onde estamos imersos em informações de todos os tipos e de todos os níveis de qualidade.
Algumas ameaças éticas que permeiam o jornalismo nesse novo contexto dizem respeito às pressões que advêm da falta de dinheiro e da redução de efetivos. “Não surpreende que esta seja uma receita propícia ao surgimento de erros, ao aligeiramento das práticas de verificação e à transferência, para os utilizadores, da produção de notícias que os jornalistas já não têm tempo ou meios para garantir” (Singer 2014, p.62). As diretrizes éticas perpassam várias etapas e filtros relacionados a convenções estabelecidas pelo segmento, porém, cabe ressaltar que os parâmetros pessoais de cada profissional tem relação direta com a sua postura ética diante da sociedade.
Como boa parte das interações entre os indivíduos é permeada pelo jornalismo, o ambiente social acaba imerso em relações que envolvem conflitos de poder, disputas por hegemonia e disputas entre representações sociais e políticas opostas. Esses fatores exigem a adaptação dos parâmetros éticos diante das novas situações que se apresentam.
Rumo à cultura da transparência
O professor Derrick de Kerckhove, da Universidade de Toronto, esteve recentemente em um importante congresso de comunicação no Brasil (XIV Congresso Ibero-Americano de Comunicação – Ibercom 2015 – 29/03/2015 a 02/04/2015) e afirmou que estamos rumando para uma cultura de transparência. Ele destacou a relevância do Big Data (informações armazenadas nas mídias sociais e em meios eletrônicos) como um grande fator de mudança da civilização, pois define uma nova configuração social, destacando a potencialidade que estas informações possuem em relação à liberdade individual das pessoas e na obtenção de vantagens econômicas, sociais e políticas.
Outro aspecto observado é a inversão entre os âmbitos públicos e privados que impulsionam o retorno de uma “cultura da vergonha” onde a reputação adquire um valor ainda mais importante. “Transparência traz o problema de que, enquanto nós somos investigados pelas informações, ocorre uma descontextualização espacial, social e temporal. Há uma completa descentralização da informação relacionada as pessoas. Não há contexto” (Kerckhove, 2015). Kerckhove é conhecido por seu trabalho de assistência e coautoria com Marshall McLuhan, autor que desenvolveu o conceito de aldeia global na década de 60 para explicar os efeitos da comunicação de massa sobre a sociedade. Os apontamentos do discípulo de McLuhan ratificam que a transparência vai definir o comportamento ético do futuro dos jornalistas e da sociedade de uma forma geral.
Nessa realidade em que é permitido o acesso a uma escala global, as feições envolvendo a transparência geram a necessidade de ações construtivas que possibilitem o aprendizado e a exploração das consequências desse contexto.
“Modificaram-se radicalmente a educação e a sociabilidade, a comunicação e os cenários ao nosso redor. Se a tecnologia modifica as relações interpessoais, também muda os valores morais e as éticas” (Christofoletti, 2008, p.94). Essa mutação na comunicação está atrelada a processos midiáticos que não se enquadram mais na denominação de “mídias de massa”.
No entender de Shirky (2011) as novas ferramentas não provocaram novos comportamentos, mas permitiram a possibilidade de mudança. “Uma mídia flexível, barata e inclusiva nos oferece agora oportunidades de fazer todo tipo de coisas que não fazíamos antes” (p. 61). As ferramentas tecnológicas não determinam as condutas dos usuários, são os usuários que formatam as funcionalidades de acordo com as suas necessidades, valores e interesses.
Referências
CHRISTOFOLETTI, Rogério. Ética no jornalismo. São Paulo: Editora Contexto, 2008.
CHRISTOFOLETTI, Rogério; FIDALGO, Joaquim. Ética na Comunicação: Nota introdutória. In: Comunicação e Sociedade, vol. 25, 2014. p.7-10.
SINGER, Jane B. Sem medo do futuro: ética do jornalismo, inovação e um apelo à flexibilidade. In: CHRISTOFOLETTI, Rogério; FIDALGO, Joaquim. Ética na Comunicação. Comunicação e Sociedade, vol. 25, 2014. p.49-66.
SHIRKY, Clay. A cultura da participação: Criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro, Zahar, 2011.
PESSUTTI, Gustavo. “A transparência vai definir o comportamento ético do futuro”. 01/04/2015. Escola de Comunicações e Artes: Universidade de São Paulo. Disponível: http://migre.me/pD2OZ. Acesso em: 26 de abril de 2015.
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Ricardo José Torres é mestrando em Jornalismo no POSJOR e pesquisador do objETHOS