Feriado nacional em homenagem à padroeira do Brasil, Nossa Senhora da Aparecida, em passado recente costumava ser também lembrada pela descoberta da América por Cristóvão Colombo. Mas o que vale em 12 de Outubro é ter sido escolhido como o Dia da Criança. Já foi dia campeão de vendas no comércio, agora é Dia da Decepção. Há um mês a publicidade vem martelando com insistência a mensagem de que pais relapsos podem limpar sua barra adquirindo lindos presentes (de preferência digitais) para filhos rebeldes e exigentes.
Nas edições desta segunda-feira, os anoréxicos ex-jornalões esqueceram os devidos registros. Para que? Todo brasileiro sabe perfeitamente que em 12 de Outubro de 1743 pescadores acharam num rio de Guaratinguetá (SP), uma imagem da santa negra, sem cabeça e ao jogar a rede novamente veio a cabeça da santa e em seguida montes de peixes. Ao que consta, seria o primeiro milagre brasileiro, mas como estamos numa república estritamente laica, secular, convém não provocar a ira dos evangélicos que abominam santos e santas.
No fim da tarde do feriado os portais começaram a calcular o número de romeiros que acorreram a Aparecida (141.000), os participantes da procissão que percorreu o santuário (cinco mil) e os preparativos para a Missa Solene a ser oficiada em seguida. Os leitores não deveriam ser lembrados pela manhã? Não era o que se fazia antigamente quando os jornais eram efetivos prestadores de serviço? Caiu em desuso, às redes sociais é que cabe difundir tal tipo de informação.
E o pobre do Cristóvão Colombo, não merecia algumas linhas e novas hipóteses sobre sua biografia no transcurso dos 523 anos da sua façanha? Não: os Departamentos de Dogmas das nossas sábias universidades decretaram que a descoberta do chamado Novo Mundo não é para ser festejada, lembrada, sequer discutida. mas lamentada — em 1492 começou o genocídio dos nativos e a escravidão dos cativos na África. Como se a humanidade até então não tivesse conhecimento de massacres e da escravidão dos vencidos em bárbaras guerras de conquista.
Notícia: Um serviço facultativo
O 12 de Outubro de 2015, pelo menos no Brasil teve o mérito de consolidar a ideia de que o jornalismo deixou de ser um serviço essencial. Agora é facultativo. Saber ou não saber, discernir ou não discernir deixou de ser crucial. Entramos para valer no território do faz-de-contas.
Quem o comprova é a brava ombudsman da “Folha”, Vera Guimarães Martins, que na sua coluna , deste domingo (11/10) esboça sua oposição ao novo e colossal retrocesso macaqueado dos EUA: o jornal prepara-se ativamente para produzir conteúdo pago com a criação de um núcleo especializado em disfarçar informação de interesse comercial em matéria de interesse público.
Enquanto exige absoluta transparência na esfera governamental chegando a admitir a impugnação da presidente da República e do seu vice por malfeitorias nos gastos das últimas eleições e/ou “pedaladas fiscais” na execução do orçamento, o jornal assume que doravante algumas de suas notícias não serão neutras nem objetivas conforme exigência do seu contrato social com o leitorado. Serão eventualmente pagas.
Sob o ponto de vista moral equivale a considerar que propinas para vencer licitações, devidamente disfarçadas podem ser admissíveis. Não podem. A caracterização das matérias patrocinadas para facilitar a sua identificação é uma balela, hipocrisia padrão-FIFA ou padrão-Facebook. O grosso da audiência jamais será treinado suficientemente para perceber as sutis diferenças visuais e gráficas. A não ser que o jornal publique diariamente, com destaque, uma cartilha com os exemplos da matéria jornalística, neutra e insuspeita, da matéria promíscua com passagem pela tesouraria. A ombudsman-ouvidora está convencida de que este tipo clareza e limpidez está longe de garantida. A torcida do Flamengo também.
Como a “Folha” é uma competente emplacadora de modas & manias, lícito imaginar que a experiência será logo consagrada pelas entidades corporativas e adotada pelo país afora. Lícito imaginar igualmente que esta véspera do aniversário da descoberta do Novo Mundo equivale ao Fim do Mundo em matéria de credibilidade e confiabilidade da imprensa.