O blog da Petrobras continua sendo foco de um interessante debate. Um dos pontos mais quentes é a forma como a atitude da empresa (de publicar perguntas feitas por jornalistas à sua assessoria de imprensa e suas respectivas respostas, mesmo antes de as reportagens serem publicada) está se transformando em uma marretada nos pilares da já combalida práxis jornalística.
Independente de que haja ou não irregularidades na empresa, ou que ela tenha respondido as perguntas a contento ou não, a reação da imprensa merece uma análise mais específica.
Ao se antecipar aos veículos de comunicação, divulgando as perguntas feitas pelos jornalistas e as respectivas respostas a elas, a Petrobras demole uma instituição que move grande parte do jornalismo: o furo de reportagem. Sem o sigilo por parte da empresa, fica impossível averiguar assuntos sem alertar a concorrência. Terror nas redações…
A reação dos jornalões foi imediata. O Globo, Folha de S.Paulo e Estadão – apoiados pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) – sustentaram que a estratégia da Petrobras atenta contra a liberdade de imprensa, fere o que chamam de direito autoral sobre as perguntas dos jornalistas e rompe um suposto compromisso de confidencialidade entre a fonte e o veículo de imprensa.
Interesses escusos
O matemático e filósofo Claudio Weber Abramo, diretor executivo da Transparência Brasil, desmontou algumas destas premissas ao dizer que este compromisso de confidencialidade ‘nunca existiu’ e que ‘o que existe é o princípio de resguardo da fonte por parte de jornalistas’. ‘Não existe dever subjetivo da fonte de resguardar o jornalista’, completa. A partir deste raciocínio simples, caem por terra as demais suposições dos jornalões e da ANJ.
Gente séria – como os jornalistas Marcelo Soares e Sergio Leo, além do próprio Abramo – apontou para os perigos que a prática da Petrobras trará ao jornalismo, em especial no que se refere à apuração do contraditório. O que farão os jornalistas que apuram um tema espinhoso e que precisam ouvir os alvos de acusações periclitantes se estes alvos resolverem divulgar as suas perguntas e as respectivas respostas antes de as matérias serem publicadas? O consenso é que jornalistas e jornais serão desencorajados a escarafunchar assuntos polêmicos.
Sergio Leo resumiu o temor em seu blog:
‘Um dos produtos fundamentais para a imprensa é a informação exclusiva, o furo de reportagem. Em geral, exige investimento de tempo, experiência, dinheiro, expectativas. O furo atrai leitores, e dá prêmios jornalísticos. Muitas vezes esse furo é resultado de jornalismo investigativo e, do outro lado, há um acusado, alguém sob suspeita. E, ao lado, um monte de concorrentes atrás da mesma informação que você. Evidentemente, muitos furos partem de interesses escusos, gente com interesses contrariados; por isso você tem sempre de checar a informação que recebe. De preferência, com o acusado.’
O furo e a informação
Na reflexão ‘O blog da Petrobras e o desespero da mídia‘, no entanto, Idelber Avelar arranhou a ferida, expondo a crítica à grande imprensa, que está por trás da estratégia da Petrobras: ‘É óbvio que não há nada ilegal no que fez a Petrobras. Ela simplesmente revelou quais eram as perguntas feitas e apresentou as suas respostas. Isso, no Brasil de hoje, é motivo de compreensível júbilo para a maioria e desespero agônico para os últimos defensores que montam guarda às portas da moribunda fábrica de lingüiças.’
Dizer que este novo cenário colabora para inibir os jornalistas e jornalões a desenvolverem e bancarem material de qualidade é dizer que eles se importam mais com o furo do que com a própria informação (reflexão propositalmente ingênua de minha parte) e se for assim (mantendo a ingenuidade), trata-se de mais um sinal de que o jornalismo precisa se reinventar.
Argumentos estapafúrdios
As jornalistas e pesquisadoras Cremilda Medina e Marcia Blasques apontaram a necessidade de debater estas novas fronteiras que se apresentam ao jornalismo: ‘A publicação das entrevistas pelo petroblog antes da finalização da reportagem não diminui, dificulta ou altera o trabalho e a responsabilidade do jornalista. É só lembrar que a identidade do repórter – seja ele do meio impresso, eletrônico ou digital – vai muito além da mera divulgação dos fatos: o fazer jornalístico passa pela questão da autoria da reportagem, ou seja, pela capacidade de criar narrativas que articulam os significados da realidade vocalizados por fontes diversas. O papel intransferível do jornalismo se consagra quando os profissionais são capazes de apurar informações, muitas vezes ocultadas, colher interpretações e só então compor a reportagem digna da autoria.’
O fato é que, diante da possibilidade que a internet oferece de comunicação imediata entre a ‘fonte’ e o ‘público’, o próprio processo de criação no jornalismo está se transformando. A postura adotada pela Petrobras atinge diretamente o modus operandi do jornalismo e isso é problema nosso (dos jornalistas), não da Petrobras. Da mesma forma, a relação entre jornalistas e assessores de imprensa deveria ser melhor esclarecida. A mistura entre os dois ofícios faz com que se espere de ambos posturas éticas idênticas similares, o que é impossível.
De nada adianta apelar para argumentos estapafúrdios – como o conceito de que a fonte deve sigilo ao entrevistador – ou acusar a empresa de ameaçar a liberdade de imprensa. Se esta mudança de postura vai gerar situações constrangedoras e inesperadas, cabe ao jornalismo encontrar novas fórmulas de atuação.
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Jornalista e edita o blog Escrevinhamentos