O repórter sugere as pautas da reconstrução: a escola da criatividade, a casa aberta, o papo na calçada, os limpos ambientes em verde, as águas para beber e nadar, o valor do trabalho e outros vícios saudáveis quando se fala de gente(s). Logo percebe que é difícil propor novidades. Precisa do emprego. Quando possível, sempre faz matérias que o modificam. Nelas, reconstrói o mundo possível que enxerga nas falas e nas ações do cotidiano. Algumas entram no jornal do patrão, muitas chegam pelos canais de jornalistas alternativos que, como ele, têm outros assuntos para dividir com as pessoas.
Duas correntes de pensamento parecem predominar nas redações e na academia quando assunto é a condição operacional do jornalismo brasileiro. A primeira corrente festeja a grande imprensa, com seus atores mantendo a hegemonia pela padronização, e a segunda denuncia ou se coloca na posição lateral de luta por espaços, conquista que a legitima diante da corrente anterior. Uma oferece o que ‘o público quer’ e a outra determina o que ‘o povo precisa’.
Ambas mantêm o discurso da imposição, como se as pessoas não escolhessem, pensassem e questionassem o pacote de informações oferecidas como notícias. Mesmo assim, predominam nas escolas pela tradição, servindo de exemplos e questionamentos. Conservam os debates e os textos pela semelhança entre passado e presente.
O discurso do contra
O ensino do jornalismo é, geralmente, construído conforme o modelo instituído pelas empresas tradicionais e com apelo comercial, sendo notória a influência tanto nos alunos quanto nos professores. Frases como ‘Onde você trabalha?’ e ‘Quem você conhece?’ são destinadas aos docentes, sendo a experiência na empresa de renome mais valorizada que os estudos ou o planejamento pedagógico.
Muitas faculdades ainda preferem um ator a um professor de jornalismo. O aluno sai feliz com a receita de bolo e tudo bem. A experiência criativa é esquecida, sendo a crítica diante do fazer um atributo ou delírio passageiro dos professores das disciplinas como as relacionadas às teorias da comunicação. O reflexo é a atual condição do jornalismo determinado pela semelhança do conteúdo e pelo plágio e vulgarização do formato. O emprego já não é mais de quem reporta, mas de quem copia, sendo a função destinada ao custo do sujeito mais barato.
Da mesma forma, o paralelo da oposição é dominado pelo discurso do contra, fomentado por instituições e personagens solidificados pela bandeira da democracia na comunicação. Conquistam espaços, sem saber ao certo o que fazer com eles. Observam nos excluídos uma forma de impor idéias e modelos. Transformam os fracos em celebridades por possuir alguns momentos frenéticos de liberdade.
O grito e a mímica
A televisão de qualidade, o culto ao impresso e ao universo on-line é o discurso pronto dos estudiosos que optaram por esquecer que as grandes corporações ainda dominam o jornalismo brasileiro, dizendo que tudo mudou com o digital e com as pequenas conquistas como as das rádios comunitárias.
As facilidades modificaram as ações dos jornalistas, que preferem a distância ao contato e à convivência. Ficam sentados com seus canais (telefones e internet) como observadores do mundo. Justificam a preguiça pelo contemporâneo ao utilizarem palavras de impacto como interatividade, convergência e outras excentricidades. Do literário advêm os bons contadores, mas é pela reportagem que saem os jornalistas. Ir a campo virou um sacrifício, com jornais sendo produzidos em gabinetes.
O que sobra é uma pequena parcela de jornalistas infiltrados, com boas intenções, que não diferenciam o analógico do digital. São pessoas cansadas da imprensa com cara de júri privado, baseada na credibilidade imposta pelos exemplos constituídos pelas celebridades e pelos especialistas. Fogem do mundinho e alertam os futuros repórteres sobre a possibilidade do diferente, que busca na simplicidade a origem do jornalismo para todos.
Os alternativos estão presentes nas duas correntes assim como ficam escondidos, espalhados. Utilizam a nova tecnologia assim como as fitas-cassete, os murais, os rádios amadores e o vídeo. Fazem da peça o movimento em busca da originalidade, e do corpo, o instrumento da reportagem. Câmeras, gravadores, telefones e papéis reproduzem o mesmo que o grito e a mímica.
Limites da cobertura jornalística
Independentes no sentido de questionar o porquê das pessoas morarem ainda em favelas e sem saneamento básico, das esperas em hospitais públicos, da qualidade de trabalho, da falta de fiscalização, da escola sucateada pela ignorância de números que falseiam a desmotivação dos professores e alunos, da desonestidade entre os políticos, dos assuntos trágicos dos jornais que substituem a vida pela morte.
Originais por combaterem o falso discurso do politicamente correto que padroniza por enxergar sempre o ser escroto e não humano. Se uma imagem é vista com desprezo, para o alternativo é a possibilidade de revelar o cotidiano dos que trabalham, estudam e se divertem. O jornalismo caracterizado pela rotina dos que fazem a sua parte, algo que os repórteres ultimamente esquecerem em troca da vaidade.
Criativos pela variedade de pautas diversificadas que valorizam a multiplicidade, com o conjunto possibilitando a escolha, sem determinar a preferência na mesma direção, condição que limita a cobertura jornalística. O instrumento da notícia como processo de transformação da linha editorial, condicionando o pensamento plural como as políticas, economias, ciências, tecnologias, culturas.
Meio de impossibilitar acessos
Alimentados por desafios, surgem a cada dia os jornalistas facilitadores, que transformam as personagens em sujeitos, os objetos em ações, materializando os sonhos e pensamentos que estão ocultos. Toleram sem determinar quem está com a razão. Diante das propostas individuais ou coletivas, valem as matérias transmitidas pelos internautas assim como o barulho dos alto-falantes. A novidade é a característica dos que margeiam o já instituído.
Lá vêm esses loucos querendo fazer o comum. Ganham seu tempo correndo atrás de notícias que confortam, enobrecem e modificam. São chatos porque estão presentes. Multiplicam-se porque são anônimos. Não desejam ser estrelas, nem fazer nome. Estão aqui para divulgar o que, para alguns, é apenas supérfluo e batido. A virtude é a honestidade e não o dinheiro no bolso.
Querem ser chamados de jornalistas pelas reportagens vistas de fora. Não precisam mais repetir o que a cegueira já disse. Preferem revelar a realidade do mundo imperfeito. Tornam-se românticos e lunáticos por transgredir os padrões.
Mas como é difícil correr atrás da verdade! Querem ouvir elogios, como se tudo estivesse perfeito. Mentem uns aos outros como meio drástico de impossibilitar acessos. Se falar do poder é notícia, então a informação é de poucos. Sobra ao excluído apenas o jornalismo.
Profissão que alimenta e destrói
Como comunicador, transmite o direito de aprender o assunto desconhecido. Compartilha a honestidade ao revelar as (in) diferenças. Pergunta por que foi ser jornalista. Fica desempregado, arranja bicos, retorna com carteira assinada, cada hora é um obstáculo ao profissional que se sente amador pela inconstância. Sabe inglês, computação, lê um livro por mês, passou por várias redações, tem poucos erros de português, até já lecionou em colégios e faculdades, mas continua inconstante.
Segue na luta. Percebe que tem muito a dizer e a oferecer. Precisa compartilhar as angústias e alegrias. Se a tragédia não é determinada por números, cada um tem o mesmo valor. A mão coça, as pernas esquentam, a cabeça fervilha. Sai cassando matérias. ‘Falem comigo, eu sou o jornalista de plantão!’, logo espalha.
Quer ouvir e conhecer as várias maneiras de viver, assim como deseja ampliar os canais de comunicação. Sabe que o contato ainda é a melhor ferramenta para o bom jornalista. Nos rostos, os semblantes do destino que ao jornalista cabe revelar. É a profissão que escolheu, que o alimenta assim como o destrói. Busca de novo uma outra oportunidade revelada pelo alternativo, fato desconhecido que existe nos lugares e é perceptível nas histórias da vida, agora traduzidas em notícias.
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Professor da Escola de Comunicações e Artes da USP e pesquisador do Grupo de Pesquisa de Jornalismo Popular e Alternativo (Alterjor)