Ernesto Cerveró, ex-diretor da área internacional da Petrobrás, foi condenado pelo juiz federal do Paraná, Sérgio Moro, no dia 26, a cinco anos de prisão, em regime fechado, por lavagem de dinheiro. Ele foi acusado de ter recebido suborno de 15 milhões de dólares para contratar duas sondas de perfuração da multinacional Samsung para a estatal brasileira. Nessa época, comprou um apartamento no Rio de Janeiro avaliado em 7,5 milhões de reais, declarando-o por R$ 1,5 milhão, e montou um ardil para ocultar o movimento do dinheiro feito através do Uruguai.
Em sua defesa, Cerveró alegou que a denúncia feita pelo Ministério Público Federal e aceita pelo juiz, que causou a sua condenação, “baseia-se em reportagem de revista”. Logo, não devia merecer crédito, muito menos ser fundamento para um indiciamento na justiça.
O juiz Sérgio Moro retrucou. Disse que “a única verdade na afirmação é que o fato foi revelado originariamente em reportagem de revista de relevante circulação nacional”, a Veja, em duas matérias. No entanto, não vislumbrou “qualquer demérito na origem da revelação, não sendo o jornalismo investigativo um mal a ser censurado, muito pelo contrário, constituindo um dos elementos que conferem vitalidade à imprensa livre e que permitem maior controle dos governantes pelos governados”.
Moro acrescentou na sua sentença: “Rigorosamente, na história brasileira, há diversos exemplos de casos criminais relevantes e posteriormente submetidos às Cortes de Justiça que tiveram seu impulso inicial ou que receberam auxílio posterior em publicações da imprensa”.
Ferramenta essencial
Petistas e defensores do governo verão nessas considerações provas de um conluio entre o juiz, que estaria predisposto contra os réus da Operação Lava Jato, com o objetivo de atingir o partido e a presidente Dilma Rousseff, e a revista da Editora Abril, líder do que batizaram de PIG (Partido da Imprensa Golpista).
Veja, porém, na sua edição que foi agora para as bancas, comemorou o feito de ter detonado o processo que resultou na condenação de Cerveró pela justiça, em primeiro grau. Destaca o mérito das investigações que fez ao longo dos 46 anos da sua história, “que, sem a pretensão de ser abordagens definitivas, constituem, sem dúvida, valiosos primeiros passos para a elucidação de fatos da maior relevância para a vida nacional”.
Informou que, “incontáveis vezes, a revista forneceu, a pedido do Ministério Público, gravações, vídeos, fotografias, documentos, anotações obtidas por seus repórteres durante a apuração de casos de corrupção”.
Esta é uma das questões mais graves e controversas da prática jornalística. Em princípio, tudo que um jornalista tem a dizer está nos textos que escreve. Se ficar faltando repassar ao público alguma coisa suprimida por falta de espaço (ou de tempo, no caso das emissões radiofônicas e televisivas), ele deve voltar ao assunto para tentar completar o que ficou faltando ou enriquecer a abordagem inicial. Deve se empenhar ao máximo para fazer a divulgação dos fatos apurados.
Acréscimos à margem do que produziu devem ser feitos por provocação externa, que pode ser através de entrevistas ou mesmo para atender intimação judicial. É o momento em que o jornalista, antes delimitado pela objetividade e circunscrito à produção do material profissional, pode se estender em juízos de valor e comentários paralelos.
Mas fornecer “gravações, vídeos, fotografias, documentos, anotações” obtidas no exercício do seu ofício pode extrapolar ou violentar seus princípios éticos. Tudo o que for prova para a criação do material jornalístico deve ser citado e referido no próprio texto. Esse material só deve ser exibido diretamente numa condição especial, que não pode ser a apresentação espontânea ou por iniciativa própria, mesmo que a pretexto de colaboração para a realização do interesse público.
Ao ceder a matéria-prima do seu trabalho, o jornalista pode trair a confiança da fonte, identificando a origem das informações quando houve o compromisso de preservá-la, o que constitui regra sagrada que o profissional da imprensa jamais deve violar. Só assim a investigação é a ferramenta essencial do exercício da liberdade de expressão. Da mesma maneira que o juiz só deve falar nos autos, a comunicação do jornalista com o público é exercida, primordialmente, através das suas matérias.
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Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)