Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

O labirinto da mídia latino-americana

Em 28 de maio de 2007, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, não renovou a concessão pública para a maior rede de televisão do país, a RCTV (Radio Caracas Televisión), substituindo-a por uma rede pública. Muitos protestos ocorreram contra a decisão de Chávez, acusado de cercear a liberdade de imprensa. Mesmo apressado, neste caso, o Congresso brasileiro emitiu uma crítica ao ato do presidente daquele país. Embora ancorada nas leis da Venezuela, a ação do presidente seguramente restringiu a liberdade na medida em que as outras redes privadas de televisão se sentiram coagidas a serem mais pró-governo, sob o risco de também não terem suas concessões renovadas.

Efetivamente, Hugo Chávez, concentra mais poderes que o aconselhável em uma legítima democracia. E isso não é algo deste seu novo mandato. Quando Chávez deu início ao seu primeiro mandato, depois de vencer a eleição presidencial de dezembro de 1998, ele convocou eleições para a formação de uma Assembléia Constituinte (1999). Seus correligionários obtiveram 120 das 131 cadeiras existentes e elaboraram uma Constituição que ampliava os poderes do presidente da República e permitia maior intervenção do Estado na economia. A nova Constituição foi submetida a referendo popular e aprovada por 71,21% da população.

Apoio ao golpe de abril de 2002

Com a nova ordem constitucional, novas eleições ocorreram na Venezuela, tanto para presidente quanto para o Parlamento. Chávez foi reeleito com 59,7% dos votos e sua frente política, chamada na ocasião de Polo Patriótico, fez maioria no Parlamento. É neste momento que é aprovada a Ley Habilitante, que permite ao presidente governar por decreto-lei por um ano. Chávez então baixa um importante decreto, a Lei de Hidrocarbonetos, por meio da qual o Estado venezuelano passa a controlar o setor petrolífero, com 51% das ações das empresas que atuam no ramo do que é a principal atividade econômica do país.

No começo de abril de 2002, explode uma greve no setor petrolífero que logo é apoiada pela Confederação de Trabalhadores e por alguns militares de alta patente. Em meio à crise, Lucas Rincón, chefe das Forças Armadas, anuncia que Chávez tinha se demitido. Na verdade, era um golpe em curso, Chávez fora preso e os golpistas (membros da elite venezuelana) tomaram o governo. Entretanto, populares saem às ruas apoiando Chávez e soldados leais ao presidente retomam o palácio de Miraflores. Chávez regressa triunfante e é recebido pela multidão.

Em 2006, Chávez é reeleito com 62% dos votos. No final do ano, avisa que não renovará a concessão da RCTV e, em 28 de maio de 2007, dia em que venceria o direito da emissora, o governo a tira do ar. A polêmica gira então em torno do autoritarismo descomedido de Hugo Chávez e do cerceamento da liberdade de imprensa. A questão que levantamos, no entanto, é sobre qual era a postura política de uma rede como a RCTV.

A RCTV foi fundada em 1953 e era até meses atrás uma das líderes de audiência do país. Sua programação estava centrada em programas de notícias, de esportes, talk shows e novelas. Segundo o governo, a emissora apoiou o golpe de abril de 2002, o qual tirou o presidente Hugo Chávez do ar por algumas horas. Além disso, o governo a acusou de espalhar desinformação. Por sua vez, Marcel Granier, presidente da emissora, disse que seu veículo de comunicação foi punido por criticar o governo.

Liberdade de imprensa e liberdade de informação

Na América Latina, as redes de TV privadas formaram grandes oligopólios da comunicação, cujos exemplos mais consideráveis são a Rede Globo no Brasil e a Televisa no México. Na Venezuela, a RCTV seria uma irmã menor, mas com as mesmas práticas. São redes que efetivamente nunca tiveram consistente postura democrática. No Brasil, a Rede Globo de Televisão, em pleno século 21, faz recorrentes ataques a qualquer organização social que lute para construir uma democracia que vá além da formalidade do voto. É o caso das críticas incansáveis ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ou de qualquer outro movimento com caráter social.

O autoritarismo e a cultura não democrática parecem ser um traço da mentalidade latino-americana. Seria razoável se fosse apenas uma característica do governo Chávez. Entretanto, a própria rede de TV que não teve permissão para continuar no ar, ao apoiar o golpe contra Chávez em 2002, se mostrou menos democrática que a política autoritária do governo venezuelano. Este seria o labirinto apontado no título: um governo que cerceia a liberdade de imprensa diante de uma imprensa que ao ser livre cerceia a liberdade de informação.

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Doutorando em história na Universidade Federal de Goiás e articulista do jornal Diário da Manhã