Cientistas associados à SBPC, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, manifestaram nesta semana sua preocupação com os rumos do projeto que propõe alterações no Código Florestal. Os principais jornais do país lhes deram um espaço pífio, e ainda contrapuseram ao alerta de alguns dos maiores especialistas brasileiros em diversidade biológica, agricultura e clima a opinião diletante do deputado federal Aldo Rebelo (PcdoB-SP), autor do texto que deverá ir a votação na Câmara. Com o mesmo peso, com a mesma relevância.
A imprensa cumpre, assim, de forma burocrática, aquilo que no jargão jornalístico se chama ‘ouvir o outro lado’. Acontece que no caso em pauta há um abismo de disparidade na autoridade de um e outro lado no que se refere ao conhecimento técnico. O cumprimento formal do clássico modelo de isenção se transforma em acinte à inteligência do leitor.
Se um grupo de cientistas renomados afirma que tal proposta legislativa é lesiva aos interesses do país, não é a opinião amadora do deputado, que provavelmente não sabe distinguir um pé de alface de uma samambaia, que corresponde ao ‘outro lado’. O correto seria fazer um esforço de reportagem e identificar outro grupo de cientistas, igualmente qualificados, para fazer o contraponto e defender a proposta apresentada por Aldo Rebelo, a serviço da bancada ruralista.
Postura retrógrada
Se é que os jornais haveriam de encontrar quem defenda uma coleção de normas que ameaça jogar a legislação brasileira duas décadas para trás e colocar o país na condição ridícula de andar na contramão dos acordos internacionais que vem assinando há mais de três décadas.
A questão da preservação do patrimônio ambiental há muito deixou de ser uma polêmica nos círculos especializados. É mais do que uma recomendação de ambientalistas. Trata-se agora de condição para que o Brasil consolide sua nova posição entre as nações emergentes, recentemente associadas à cúpula dos países industrializados.
Enquanto não tratar como se deve esse desafio, a imprensa brasileira não pode se arvorar em instituição alinhada com as tendências contemporâneas.
Oscilações do mercado
Aliás, os jornais, de modo geral, ainda não se aproximaram dos melhores modelos europeus na cobertura do tema ambiental – e muito menos de seu contexto geral, a questão da sustentabilidade.
Os números do crescimento econômico do Brasil e o seu desempenho recente no cenário global deveriam estar inspirando editores a pensar adiante, estrategicamente, e a propor pautas mais ambiciosas a seus repórteres. Quem vai questionar os candidatos à Presidência da República, por exemplo, sobre seus planos para o desenvolvimento do país nos próximos dez ou vinte anos?
O noticiário econômico segue ainda a velha receita que gira em torno do Produto Interno Bruto, dos gastos públicos, das eternas queixas sobre o peso do sistema tributário.
Uma vez exorcizado o fantasma da inflação, a manchetes pendem uma semana para a balança comercial, noutra semana para as despesas de custeio da máquina pública, refletem as oscilações do mercado de ações e nunca se aproximam do debate necessário sobre o modelo de desenvolvimento que vamos adotar.
O futuro fora da pauta
Seguiremos esquentando a economia com grandes obras de infraestrutura? Vamos exigir novos padrões de governança às empresas beneficiadas pelo farto financiamento público? Como vamos tratar o investimento estrangeiro? Quais serão nossas matrizes de energia e transporte?
Algumas dessas perguntas, que raramente são feitas aos protagonistas da gestão pública e da iniciativa privada, estão definitivamente marcadas pelas evidências de que o capitalismo liberal passa por questionamentos importantes quanto à sua capacidade de produzir bem-estar de maneira equânime e ao mesmo tempo assegurar a preservação das boas condições de vida para as gerações futuras.
Os editores sabem que os paradigmas da economia vêm mudando desde a eclosão da crise financeira, no terceiro trimestre de 2008. O que não se entende é por que resistem a colocar essa nova realidade na pauta de todo dia.