Ao voltar a São Paulo na noite de segunda-feira (31/10), após passar três dias mergulhado na Bienal Internacional do Livro de Alagoas, fiquei perplexo quando abri o computador e os jornais para ler o que andaram escrevendo a respeito da doença do ex-presidente Lula.
É inacreditável, revoltante, repugnante o comportamento de quem se aproveita deste momento delicado na vida dele para atacar o seu governo, encerrado com os maiores índices de aprovação de um presidente da República na história política brasileira.
Não me refiro apenas aos internautas doentes que frequentam as redes sociais, inclusive este blog, de onde são sumariamente deletados, mas insistem em enviar seus comentários carregados de ódio, preconceito e desrespeito pelos que pensam diferente.
Eles apenas refletem a onda, repetindo até com as mesmas palavras, o processo de radicalização que se espalhou pelo país no segundo turno da campanha eleitoral do ano passado, quando boa parte da grande imprensa deu tempo e espaço para colunistas e blogueiros encarregados de desconstruir a imagem de Lula e seu governo.
O mesmo discurso
O outro lado desta estupidez vimos na segunda-feira, quando a repórter Monalisa Perrone, da Rede Globo, foi agredida na entrada do Hospital Sírio-Libanês por dois cafajestes que se diziam de um movimento chamado Merd TV.
A culpa não é da internet, como agora denunciam alguns dos que participaram desta campanha sórdida ao descobrir que seus seguidores foram longe demais no desrespeito à figura humana do ex-presidente.
Mandar Lula se tratar no SUS e culpar o paciente pela sua doença é apenas um pretexto para despejar a saraivada de ofensas e grosserias, que não são de hoje, mas ganharam proporções alarmantes nos últimos dias.
Tenho o hábito de ler a área de comentários dos grandes portais e fico pensando se não tem ninguém nestas empresas capaz de dar um basta a este esgoto que corre a céu aberto nas chamadas redes sociais. Custa tanto fazer moderação dos comentários que muitas vezes repetem, com expressões mais chulas, o que o próprio blogueiro escreveu?
Recuso-me a citar os nomes desses canalhas, que nunca foram nem serão publicados neste Balaio. São famosos em seus nichos de mercado, não precisam da minha publicidade.
Lembro-me quando a direção do portal iG me pediu para passar a fazer a moderação dos comentários porque a baixaria já era grande, uns três anos atrás. De lá para cá, só piorou.
Muitos me acusaram de fazer censura aos leitores, como até hoje as entidades representativas dos barões da mídia gritam que estão querendo acabar com a liberdade de imprensa cada vez que se discute qualquer regulamentação para esta atividade econômica.
“Diante do tom agressivo de alguns leitores, a Folha.com chegou a suspender temporariamente os comentários em reportagens publicadas no fim de semana”, informa o jornal em sua edição de terça-feira (1/11). Por que só agora?
No “Painel do leitor” da mesma edição, o leitor Luiz Eduardo Horta resume o pensamento de tantos outros, inclusive de colunistas deste jornal: “Lula daria grande prova de amor ao Brasil se, como um mártir, recorresse ao SUS para tratar-se do câncer que o acomete (…)”. Escreveram as mesmas coisas quando começou o calvário do ex-vice-presidente José Alencar, falecido este ano.
Conheço esses tipos, muito comuns nos meios que frequento. São os mesmos que se orgulham de sonegar impostos, negando-se a contribuir com os recursos que faltam para melhorar a saúde pública, e até hoje criticam o Bolsa Família.
Ovo e a galinha
A interatividade é a grande riqueza da internet e deve ser preservada. Viramos todos emissores e receptores de informações e opiniões. Por isso mesmo, esta conquista deve ser preservada, removendo-se o lixo que invade as áreas de comentários, em respeito aos leitores que fazem delas importante instrumento de participação democrática.
Já escrevi isto muitas vezes desde que comecei a trabalhar na blogosfera, e os leitores são testemunhas do cuidado que dedico ao blog. Faço pessoalmente a moderação dos comentários e procuro ser o mais democrático possível com as opiniões contrárias às minhas, mas perde seu tempo quem continua mandando mensagens calhordas que não respeitam a dignidade alheia. Aqui, não passam.
No caso de Lula, muitos leitores e amigos me escreveram e ligaram pedindo mais informações sobre a doença dele, mas não tinha o que acrescentar ao que toda a imprensa vem publicando desde a descoberta do câncer no sábado.
Por ordem dele mesmo, os médicos que cuidam do ex-presidente estão dando diariamente todas as informações sobre a doença e o tratamento do tumor na laringe.
Melhoramos nos últimos anos em quase todas as áreas da vida nacional, recuperamos a autoestima e conquistamos o respeito de outros países, mas a doença de Lula expõe o lado canalha que ainda sobrevive no país, uma gente que não aprende, não perdoa e não se conforma de ter perdido o poder. Para mim, é muito triste constatar isso.
Gostaria de só falar das coisas boas, como Maceió receber quase 200 mil visitantes na sua bienal do livro, graças à dedicação da sua organizadora, a incansável Sheila Maluf.
É a história do ovo e da galinha. A internet é apenas um moderno instrumento tecnológico para servir à comunicação humana, assim como a televisão, o rádio, o celular. Não é responsável pelo mau uso que muitos ainda fazem dela.
Leia também
Câncer, mal-estar e sintomas na mídia – Rogério Christofoletti
***
[Ricardo Kotscho é jornalista]