Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

O lado mais importante da crise

O mundo prosaico da produção, do emprego e do consumo, também conhecido como economia real, ganhou espaço, finalmente, na cobertura da crise financeira internacional. O assunto mereceu seis matérias no caderno de ‘Economia’ do Estado de S. Paulo no domingo (21/9). Planos das empresas para o fim do ano, crédito para o plantio e financiamento ao consumidor foram alguns dos temas tratados. A turbulência nas bolsas e a quebradeira dos bancos seria muito menos importante, afinal, se não afetasse o poder de compra das famílias, os programas de produção e de investimento da indústria, a situação de quem planta comida e a ocupação da mão-de-obra. O Globo explorou a insegurança da indústria – engavetar ou não os projetos de investimento? – e as possibilidades da economia brasileira em 2009.

Durante a semana, pouco se cuidou da economia real na cobertura da crise. Houve menção, como de costume, à oscilação dos preços do petróleo e de outros produtos básicos, mas sempre da perspectiva financeira. A evolução das cotações, no entanto, pode influenciar as decisões de plantio da safra de cereais, fibras e leguminosas, no Brasil. A temporada de plantio começa agora e poucas matérias, quase todas no Valor Econômico, haviam sido publicadas sobre o assunto até o último fim de semana.

A questão é importante não só por causa do abastecimento. A âncora verde ainda funciona, e funcionou neste ano, apesar da alta internacional de preço. A situação só não ficou mais confusa no Brasil porque o país continuou produzindo muito mais que o necessário para o mercado interno. Mas há o problema da segurança externa.

Quem acompanha?

De janeiro a agosto deste ano, o saldo comercial do agronegócio foi um superávit de 40,67 bilhões de dólares – 25,52 % maior que o de um ano antes. Esse resultado é explicável pela alta de cotações internacionais. Os preços aumentaram muito mais que o volume dos principais produtos exportados. Como ficará a balança comercial brasileira, se os preços agropecuários ficarem muito abaixo dos da última safra?

A queda será limitada, segundo o ministro da Agricultura Reinhold Stephanes. As cotações diminuíram, nas últimas semanas, porque os especuladores deixaram as bolsas de commodities agrícolas, de acordo com o ministro. Os fundamentos físicos do mercado pouco mudaram e pouco vão mudar na próxima temporada, argumenta Stephanes.

Quem tratou do assunto, nos meios de comunicação, praticamente se limitou a reproduzir a avaliação do ministro. Mas a questão é mais complicada. Mesmo sem a especulação, os preços poderão continuar historicamente elevados, mas serão suficientes para sustentar um bom resultado comercial para o Brasil?

A pergunta é razoável, mas a dúvida foi praticamente ignorada pela imprensa. As manifestações de inquietação só ganharam algum espaço quando especialistas começaram a apresentar projeções assustadoras – entre 4 bilhões de dólares e 6 bilhões de dólares de superávit – para o resultado comercial de 2009. Mas não se foi além de um registro mais ou menos discreto, até o fim de semana.

Se o saldo de exportações e importações de mercadorias cair tanto, o déficit em conta corrente, por enquanto estimado em 34 bilhões de dólares para o próximo ano, poderá chegar a uns 40 bilhões de dólares, talvez pouco mais. As condições de financiamento serão provavelmente piores que as de hoje. Isto não é catastrofismo. É apenas uma exploração de hipóteses bem razoáveis neste momento.

A cobertura da crise ficaria bem mais completa – e relevante – se assuntos desse tipo tivessem maior peso na pauta. Dia 8 de outubro a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) deverá divulgar sua primeira sondagem de intenções de plantio no Centro-Sul. As perspectivas de preços não são tão boas quanto eram no ano passado e os custos são bem maiores.

Talvez os custos possam cair, se os preços do petróleo e de outros insumos diminuírem, mas a maioria dos lavradores precisa com urgência de uma solução para os preços de fertilizantes e defensivos. Quem, no governo, está acompanhando esse problema? Há alguma estratégia em estudo para atenuar as dificuldades? Se os jornais menosprezarem esses detalhes agora, poderão ser forçados a trabalhar mais duramente, depois, para recuperar uma história importante.

A origem do dinheiro

De modo geral, os grandes jornais ofereceram boa informação sobre a crise nas bolsas, nos bancos e no sistema de financiamento hipotecário. A cobertura foi difícil, nas últimas semanas. De um dia para outro, e às vezes no mesmo dia, houve enormes oscilações no mercado. Em certos momentos a cobertura pareceu arrastada pelos fatos, como se repórteres, pauteiros e editores tivessem de correr de um lado para outro para cuidar de novidades imprevisíveis.

Gastou-se muito esforço com entrevistas nem sempre esclarecedoras. Demorou-se, por exemplo, para mostrar como as vendas de ações a descoberto eram usadas para uma devastadora especulação. Quase no fim da semana, o jogo mudou e os jornais passaram a trabalhar mais com a antecipação dos fatos. Ninguém foi surpreendido pelo pacote do Tesouro americano, a grande intervenção do governo para livrar as instituições financeiras dos títulos podres.

Gastou-se muito esforço, também, reproduzindo as declarações de autoridades brasileiras – especialmente do ministro da Fazenda e do presidente da República – sobre a garantia de financiamento ao mercado interno. O governo, segundo se informou, deverá reformar a caixa do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Faltou explicar de onde sairá o dinheiro (do FGTS?, da receita do Tesouro?, de novo endividamento?) e qual será seu custo. Seria bom, também, ouvir oftalmologistas sobre o novo problema do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele prometeu acompanhar com lupa a evolução da crise nos Estados Unidos. Deve estar mal de vista.

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Jornalista